Discurso durante a 211ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre o contexto geopolítico que motivou diversas manifestações populares em países da América Latina, em especial, no Chile.

Preocupação com a situação política brasileira.

Defesa do fortalecimento das instituições, nos termos da Constituição Federal.

Autor
Paulo Rocha (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Paulo Roberto Galvão da Rocha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL:
  • Reflexão sobre o contexto geopolítico que motivou diversas manifestações populares em países da América Latina, em especial, no Chile.
SISTEMA POLITICO:
  • Preocupação com a situação política brasileira.
CONSTITUIÇÃO:
  • Defesa do fortalecimento das instituições, nos termos da Constituição Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 05/11/2019 - Página 17
Assuntos
Outros > POLITICA INTERNACIONAL
Outros > SISTEMA POLITICO
Outros > CONSTITUIÇÃO
Indexação
  • COMENTARIO, ASSUNTO, SITUAÇÃO, POLITICA, MOTIVO, REALIZAÇÃO, MANIFESTAÇÃO, POPULAÇÃO, PAIS, AMERICA LATINA, DESTAQUE, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE.
  • APREENSÃO, MOTIVO, SITUAÇÃO, POLITICA, PAIS, BRASIL.
  • DEFESA, INSTITUIÇÃO PUBLICA, PAIS, BRASIL, RELAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

    O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, aqueles que estão nos acompanhando pelos nossos serviços de comunicação, quero fazer uma intervenção aqui, comentando o momento que estamos vivendo na América Latina e também no Brasil, incluído na América Latina. Todos nós sabemos que é um processo que vem ao longo dos anos, principalmente a partir da primeira crise do chamado neoliberalismo no mundo, em 2008, e que chegou aqui no Brasil. O Governo de então, o Presidente Lula, enfrentou esse problema, não deixando nosso País entrar em grandes crises sociais, econômicas, políticas etc.

    Mas o mundo está vivendo de novo as consequências desse processo do capitalismo internacional, principalmente baseado na força do capital financeiro, que está trazendo os graves problemas para os nossos Estados nacionais.

    Estamos vendo agora, por exemplo, a crise do Chile. O estopim, a chamada gota d'água lá foram as tarifas de ônibus e de metrô. Todo mundo sabe que esse foi o estopim porque já estava sendo experimentado um projeto, influenciado, imposto pelo capital financeiro internacional, que é aquele velho projeto da cartilha que os Estados nacionais estão experimentando de novo na América Latina – a exemplo aqui do nosso País.

    Quase sempre, para impor esse tipo de processo de desenvolvimento no nosso País, eles usam os governos autoritários, advindos às vezes de um processo democrático, mas advindos também de processos de golpes na democracia. Surgem daí, a exemplo do Brasil, governos autoritários, que são usados pelo capitalismo financeiro internacional para impor esse tipo de projeto de sociedade, projeto de Estado, em cuja cartilha, velha cartilha, há principalmente redução dos financiamentos públicos, corte nos programas sociais, privatizações, aumento de tarifas públicas; e tudo joga no final a culpa nos gastos públicos – essa é a velha lógica do capital, agora submetida à lógica do capital financeiro. Esse velho modelo, tentaram implementar no nosso País ainda no Governo Fernando Henrique Cardoso, que não deu certo. E, ao final, agora, depois de um processo em que estávamos construindo um Estado social democrático em nosso País, ao longo de quatro mandatos, quando surgiram políticas públicas importantes, como o Minha Casa, Minha Vida, Luz para Todos, Bolsa Família, Mais Médicos, mais universidades, mais investimento na agricultura familiar, no processo produtivo, projetos que incentivam, como aumento do salário mínimo, moeda circulante na mão dos trabalhadores, que são os grandes consumidores, e daí alavanca a economia, o processo produtivo... Políticas públicas como o Minha Casa, Minha Vida alavancam a indústria da construção civil, que é a grande geradora de emprego. Esse era o modelo que se estava construindo e que deu certo no País. Agora volta de novo, pós o golpe, esta velha cartilha do capital financeiro internacional.

    Estou dizendo isso para mostrar que as crises que estão acontecendo na América Latina, no mundo inclusive, são produto dos levantes sociais do povo contra esse estado de coisa nos seus Estados nacionais. E estou levantando isso para responder para aquelas vivandeiras de plantão, os autoritários de plantão, ou aqueles que estão governando o nosso País, que clamam por ditadura, que de novo tentam já se antecipar no nosso País culpando os velhos lutadores, aqueles que lutam por um Estado social, aqueles que lutam por democracia, por justiça social, por dignidade, por felicidade do povo. Estes, ao final, são culpados por esses ditadores de plantão.

    O que aconteceu, então, no Chile? Foi exatamente isto: carestia, fome, alto custo de vida, serviços públicos caros e precários. Isso esgotou a paciência de um povo que reagiu, foi às lutas. E olhem só como reage a elite. O Governante, o Presidente, depois de usar a polícia, a violência, o exército, com a prisão de 2 mil militantes, lideranças, matando 18 chilenos, ao final sai com esta: "Diante das necessidades legítimas e das demandas sociais dos cidadãos, recebemos, com humildade e clareza, a mensagem que os chilenos nos deram". E a mulher do Presidente foi pega, através de uma mensagem falando com uma amiga dela, naturalmente da elite, dizendo – isso depois de toda essa repressão e da morte de 18 pessoas –: "Vamos ter que diminuir o nosso privilégio e compartilhar mais com eles".

    No Líbano, a gota d'água foi o aumento da tarifa das ligações através da internet. Por quê? Porque um quarto da população do Líbano já vive abaixo da linha de pobreza. Em Honduras, a gota d'água foi a privatização do ensino público e da saúde. Depois, quando o povo começou a se levantar, a ir para as ruas, a brigar e etc., o Governo teve que recuar e disse que o projeto que ele mandou para o Parlamento hondurenho foi mal interpretado. No Equador, a revolta dos índios foi com o aumento do preço dos combustíveis, o que fez o Governo rever a situação, dada a chamada revolta dos indígenas do Equador.

    Por outro viés, os Estados nacionais começam também a se levantar contra os governos autoritários, com a explosão de descontentamento do povo em relação aos seus governos autoritários. Por exemplo, na Catalunha, na Espanha, há um grupo que briga pela independência daquele pedaço. No Reino Unido, houve 1 milhão de pessoas nas ruas contrapondo-se à vontade do Governo, que quer se desvincular da Europa – o tal do Brexit. E em Hong Kong também chegam milhões de pessoas nas ruas se contrapondo aos governos autoritários, que ali já vivem há anos tentando impor as suas regras no país.

    Olha só uma frase de pessoas simples, pessoas da população chilena... Claudio Bravo é um goleiro do Manchester City, e da seleção chilena, usou o Twitter para manifestar o seu apoio aos protestos que inundaram o seu país, Bravo descascou a mexerica, como diz aqui o repórter: “Privatizaram nossa água, luz, gás, educação, saúde, previdência, medicamentos, estradas, jardins, o deserto de Atacama, o transporte. Falta alguma coisa ou foi demais? [pergunta o goleiro] Não queremos um Chile para poucos, queremos um Chile de todos". E é essa a regra que faz com que o povo se revolte.

    Outra queixa de uma vendedora chamada Alejandra Ibánez, de 38 anos: "Não gosto de violência ou que quebrem tudo, mas, de repente, essas coisas têm que acontecer para que deixem de brincar conosco, aumentando o preço de tudo, menos dos salários. Tudo para que os ricos deste país sejam mais ricos". São trabalhadores simples, no caso aqui a trabalhadora, vendedora simples.

    O próprio jornal chileno La Nación, conhecido mundialmente, admite que há um certo consenso a respeito das razões dos protestos. Eles respondem a uma percepção generalizada em torno de temas que têm sido objeto de intensos debates nos últimos anos do país: a precariedade do sistema de aposentadorias – atenção, brasileiros! –, o alto valor dos medicamentos, as sucessivas elevações de tarifas de energia, as reiteradas intoxicações nas zonas de sacrifício ambiental – atenção, brasileiros! –, o negócio dos agrotóxicos e a questão da queimada da Amazônia, as reiteradas intoxicações nas zonas de sacrifício ambiental. Não é o caso do desleixo, da falta de compromisso do Governo em relação ao óleo nas praias do Nordeste? Há o aumento de delinquência e a persistência das desigualdades sociais.

    Os números do Brasil: 1% fatura 33 vezes mais do que 99% da população; 50% da riqueza do Brasil estão na mão apenas de oito famílias. Repito: cerca de 50% das riquezas do País estão nas mãos de apenas oito famílias brasileiras.

    Há desmonte da educação, desmonte da ciência e tecnologia, desmatamento da Amazônia, desindustrialização dos nossos parques industriais. A despeito de "combate à corrupção", está aí a consequência: estão acabando com a indústria da construção civil, já acabaram com a indústria naval, que era ligada ao pré-sal, estão acabando com a indústria da alimentação; enfim, há venda do nosso patrimônio, principalmente o pré-sal; desmonte das estruturas do Estado, no quesito ambiental, por exemplo; está sendo desmontada toda a questão do Ministério.

    Recebo uma denúncia lá do Pará sobre o desmonte da nossa unidade da Conab em Marabá e Santarém. Todo mundo sabe que a Companhia Nacional de Abastecimento tem um papel importante não só no armazenamento da produção, principalmente de grãos, como também na compra de produtos da agricultura familiar para colocar nas áreas de fome e principalmente na área de merenda escolar. Estão desmontando também essa estrutura tão importante no nosso País.

    Por isso, eu queria chamar a atenção, com isto, para o momento que nós estamos vivendo, do retrocesso que estamos vivendo em nosso País, não só desmontando a nossa estrutura de Estado, um Estado social que nós estamos construindo. Estão destruindo as nossas conquistas, os nossos direitos, tudo isso em nome de uma elite velha, retrógrada, escravagista, reacionária. E, à medida que o povo, que os democratas começam a reagir, vem de novo a ameaça. Aqui veio na fala do filho do Presidente, mas a gente sabe que isso é a vontade própria do Presidente da República, que se espelha nos grandes ditadores. Quando ele fala sobre o Chile, logo se lembra do Pinochet; quando ele fala aqui da ditadura militar, põe como exemplo o Ustra, que foi o grande perseguidor, torturador em graves recordações do nosso País, da nossa democracia.

    Então, eu queria, Sr. Presidente, chamar atenção para o fato de que o Congresso Nacional, os democratas, as nossas instituições têm que ser cada vez mais fortalecidas para frear esse tipo de coisa que está acontecendo no nosso País. Não só frear a quebra dos nossos direitos, das nossas conquistas, mas também frear essas visões autoritárias que querem se instalar de uma vez no nosso País, mas, principalmente, nós sermos guardiões da nossa democracia.

    Está lá na Constituição brasileira, que foi um verdadeiro pacto feito pela sociedade brasileira, através dos nossos Constituintes de 1988, a construção de uma democracia, através da Constituição brasileira. E a nossa geração, a maioria do Plenário desta Casa e a maioria do Plenário da Câmara Federal, veio desse processo de transição e da construção da democracia do nosso País.

    Num País como este, de tantas riquezas, mas cheio de diferenças regionais, diferenças entre o rico e o pobre, diferenças de raças, de credo, é a democracia o melhor processo para poder construir um Estado rico, um Estado forte, um Estado brasileiro, uma Nação brasileira que seja de todos, para todos, onde a gente possa viver com dignidade, com democracia e com felicidade do nosso povo.

    Era isso o que eu tinha a dizer hoje, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/11/2019 - Página 17