Discurso durante a 215ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre os números da violência contra a mulher.

Destaque à importância da escola na promoção de valores como a igualdade entre homens e mulheres, respeito à cidadania e aos direitos humanos. Registro da importância do Estado na geração de oportunidades para o desenvolvimento profissional no País.

Exposição sobre a elevada exclusão digital existente no Brasil.

Autor
Rose de Freitas (PODEMOS - Podemos/ES)
Nome completo: Rosilda de Freitas
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Considerações sobre os números da violência contra a mulher.
EDUCAÇÃO:
  • Destaque à importância da escola na promoção de valores como a igualdade entre homens e mulheres, respeito à cidadania e aos direitos humanos. Registro da importância do Estado na geração de oportunidades para o desenvolvimento profissional no País.
CIENCIA E TECNOLOGIA:
  • Exposição sobre a elevada exclusão digital existente no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 08/11/2019 - Página 55
Assuntos
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Outros > EDUCAÇÃO
Outros > CIENCIA E TECNOLOGIA
Indexação
  • REGISTRO, ESTATISTICA, VIOLENCIA, VITIMA, MULHER.
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, PROMOÇÃO, EDUCAÇÃO, VALORES, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, IGUALDADE, HOMEM, MULHER, COMENTARIO, NECESSIDADE, INSERÇÃO, CURRICULO, CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS.
  • REGISTRO, EXCLUSÃO, TECNOLOGIA DIGITAL, COMENTARIO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, AUSENCIA, INTERNET, ARGUMENTO, ZONA RURAL, INEXISTENCIA, TECNOLOGIA, DEFESA, RENDA, INCLUSÃO, NECESSIDADE, PROGRESSO, DESENVOLVIMENTO.

    A SRA. ROSE DE FREITAS (PODEMOS - ES. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, Srs. servidores do Senado Federal, da Câmara, por certo há muito o que a gente possa comemorar aqui, Senador Styvenson, em relação à conquista de ontem, historicamente. Nós não gostaríamos que fosse necessário chegar aonde chegamos, mas chegamos pela preocupação, pela vigilância que estamos tendo ao registrar todos os dias o número da violência contra a mulher que cotidianamente nos espanta e até nos indigna.

    Eu quero falar sobre isso, dizer em agradecimento que o Brasil se movimentou. Quero que V. Exa. saiba disso. V. Exa. estava numa reunião ministerial e eu estava rezando para V. Exa. chegar, porque sei da importância do seu trabalho, do seu apoio à luta das mulheres e, consequentemente, o seu voto, como o do Senador Styvenson, o do Senador Girão, distinguiu uma luta que pretende colocar um basta a essa ultrajante violência que leva à morte mulheres todos os dias.

    Então, tenho aqui que dizer às mulheres brasileiras que não é uma etapa vencida, é apenas um regramento, é uma legislação, é uma emenda constitucional que acaba com aquilo que nós repudiamos, que é ver o arquivamento de processos, sucessivamente, de pessoas que mataram outras mulheres e também processos que ficam abandonados dentro das gavetas ou, então, dar ao foragido o direito de ver arquivado e prescrito o seu processo.

    O Brasil das mulheres, o Brasil dos homens comprometidos com a dignidade e com a questão da luta das mulheres sabe que nós temos que comemorar.

    Eu gostaria também de falar aqui, Sr. Presidente, sobre a questão da educação. V. Exa. foi um quase Ministro da Educação, até torcíamos para que fosse. Sabe que até a questão da mulher, que eu estou tratando aqui, diz respeito à educação. É preciso que os valores, e aí não tem nada a ver com ideologia religiosa, ideologia política, mas tem a ver com a distinção do que é um tratamento de respeito à cidadania, aos direitos humanos. É disso que nós precisamos.

    Um lar violento... Se nós não tivermos capacidade de discutir dentro das escolas esses valores da cidadania e dos direitos humanos, consequentemente aquela mente infantil vai absorver que é comum um homem bater numa mulher, maltratar um idoso, maltratar uma criança. Esse, sim, é um parâmetro educacional que nós queríamos que fosse tratado como matéria curricular.

    Senador e Presidente, agora em exercício, há mais de 20 anos, eu falo, eu e várias mulheres, sobre a questão de que a escola ajuda a formar o conceito, o valor para que o exercício da cidadania tenha o parâmetro do respeito, tenha a dignidade do comportamento que respeita o outro e que valoriza a atividade do homem e das mulheres, que são iguais.

    Não existe essa história de que você tem que se comportar dessa maneira. E aqui nós não estamos falando de nada que exorbite o comportamento social, nós estamos falando das pessoas. "Ah, eu quero ser jogadora de futebol." Nós vemos as histórias dessas meninas que hoje são famosas no esporte, pela atividade futebolística, e, no entanto, pelo que elas passaram? Desde a dor física de serem repreendidas fisicamente pelas suas escolhas, como também o deboche público. Então, isso tudo é da educação.

    Ontem, por acaso, assisti a uma professora se dirigindo, numa série que havia na televisão, não sei o nome, a uma mulher que amamentava dentro da escola, e as outras pessoas... O marido tinha vergonha de vê-la amamentar e ela estava ali para estudar, ela e ele. No entanto, o bebê chorava de fome, ela foi dar o peito e o marido disse: "Não faça isso!". "Mas é porque eu estou amamentando." E veio a professora, a sala debochou, olhou o seio da mulher como uma parte erótica do corpo, não olhou a mulher como uma mãe que amamentava o seu filho. Então, isso é educação, isso é ensinamento, isso é discussão. A professora disse: "Escuta, por que vocês tão fazendo isso? Vocês todos foram amamentados. É uma mulher amamentando o seu filho". E o homem já estava querendo largar a escola junto com a esposa por causa daquele episódio que foi tão bem ilustrado naquele capítulo a que eu assisti.

    Entendam o que eu estou falando, brigo para que essa matéria curricular, a cidadania e os direitos humanos... Nós não tivemos OSPB (Organização Social e Política do Brasil) em que ficavam tentando, na época da ditadura, fazer a cabeça? Nada disso, sem dogmas, sem tendências, sem ideologias, mas muito a favor da formação do caráter, dos valores. E tenho certeza de que, se a sociedade puder conhecer e puder dividir, a escola tem esse papel também. Não é para suprir o papel da casa dos pais, mas, num lar desorganizado e violento, se um aluno na escola não tem um outro parâmetro para pensar, para dizer: "Escuta, ele agride a minha mãe"... E a professora está lá dizendo: "Direitos humanos é assim, respeitar o outro, etc., etc. A cidadania é isso". Ele não vai ter um parâmetro para pensar e até discordar na formação do seu raciocínio tão criança, tão jovem quanto são esses meninos na escola.

    Então, eu não consegui isso até hoje. Até hoje eu não consegui! No Brasil, as coisas demoram. E, como demoram, eu estou aqui para falar, estender essa minha fala, porque, na data de hoje, Sr. Presidente, ainda hoje, 48 milhões de pessoas, neste País, nunca acessaram a internet.

     Tudo está tão moderno... Eu sei porque eu tenho um filho que trabalha, é diretor nessa arte de formação de games de corridas e jogos, e sei o quanto ele está evoluindo. Ele, ao falar em família – ele mora em outro país, onde exerce sua atividade profissional –, mostra em que ponto nós estamos, essa era digital toda. Eu fico olhando que, lá no Alto Rio Novo, lá em Ponto Belo, lá em do Dores do Rio Preto, as pessoas ainda não tiveram acesso... Eu não estou falando da população como um todo, mas das escolas. Significa que um quarto dessa estatística que eu estou dando aqui, um quarto dos brasileiros e brasileiras, precisamente 23% da população, não teve acesso, em nenhum momento da vida, à rede mundial de computadores e a todo o rol de informações que nós estamos sempre debatendo e que alimentam o nosso trabalho aqui na Casa. Portanto, ela não tem acesso a oportunidades que circulam pelo mundo afora. A exclusão digital, e já estamos falando da modernidade, é uma dura realidade no Brasil.

    Quando nos restringimos a grupos específicos, o cenário é ainda mais cruel, porque as pessoas que têm essa informação, esse acesso, vivem em núcleos fechados, e na área rural não existe nada disso. Muito raramente se consegue um sinal da internet. E a proporção das pessoas que não têm acesso à internet chega a assombrosos 41%. Entre aqueles com 60 anos ou mais, a exclusão corresponde a 68%. E, se limitarmos a análise aos analfabetos, o número é assustador: 83% deles nunca acessaram a rede internet em nenhum momento da vida. Os dados são do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, que é ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil.

    Pois bem, nós estamos no ano de 2019, século XXI, e ainda nesta data é preciso lembrar o óbvio. Sem acesso ao mundo digital, essas pessoas nunca terão acesso a bons empregos, excepcionalizando-se a área rural em que há uma comunidade interligada através de cooperativas e que faz, de maneira embrionária, com que essa gestão de interesses e oportunidades se comuniquem. Se tivessem acesso a uma rede como essa, quantos bons empregos, quanta formação, quanta qualificação, quanto avanço, inclusive no setor privado, competitividade, inclusão no mercado? Veja a importância de tudo isso. Sem inclusão digital, Sr. Presidente, este País nunca entrará no grupo das nações desenvolvidas. Quem aqui, ouvindo eu falar sobre esse tema, nunca ouviu dizer que, apesar do desemprego elevado, algumas empresas não conseguem preencher vagas abertas por absoluta falta de qualificação dos candidatos? Sem investimento, esse cenário tende a só se agravar.

    Outro dia, empresas que estavam se alocando no Brasil estavam dizendo: "O que eu sinto falta aqui é da mão de obra qualificada". Haverá empregos, mas não haverá brasileiros qualificados para preenchê-los. E o que nós teremos que fazer? Aceitar a importação de mão de obra? É possível pensar sobre isso num Brasil que já esteve, há 10, 15 anos, nas manchetes, como um país que estava se incluindo no Primeiro Mundo?

    Uma das principais facetas deste problema está na interface entre tecnologia e educação. A inclusão das tecnologias da informação entre as práticas educativas no País data de décadas. Já no final de 1960, quero lembrar aqui, inaugurava-se a informática educativa no País, inicialmente na área acadêmica. Eu acho que data de V. Exa., não? Nos anos 70, Sr. Presidente, estende-se ao ensino médio essa capacidade, essa formação na questão da informatização. Entre as décadas de 70 e 80, o Ministério da Educação passa a ter participação maior no tema, com a criação de secretarias específicas para o setor.

    Mesmo após esses anos, o que ainda vemos é uma enorme discrepância entre realidades locais. Enquanto 98% das escolas urbanas brasileiras contam com acesso à internet, esta proporção é de apenas 34% entre as escolas rurais. Mais de 45% dos centros de educação do campo não têm sequer um único computador. A desigualdade já é espantosa se levarmos em consideração apenas dados sobre a posse da tecnologia. Se olharmos mais de perto para analisar quais profissionais de educação têm realmente a qualificação necessária para a educação digital, as desigualdades são ainda muito maiores.

    Um estudo do Tribunal de Contas da União intitulado Política Pública de Inclusão Digital aponta, apropriadamente, que qualquer modelo de política de inclusão deve se concentrar em três pilares: educação para o uso das tecnologias da informação; garantia de infraestrutura para o acesso; e produção de conteúdo adequado às necessidades dos usuários. Estamos muito atrasados – muito atrasados – em todos os aspectos. Prova disso é nossa colocação em um ranking internacional de uso e acesso às tecnologias da informação e comunicação, publicado pela União Internacional de Telecomunicações. Entre os 167 países analisados, ocupamos a 61ª posição, muito distante de países desenvolvidos e até mesmo atrás de países vizinhos, aqui, como a Argentina, o Chile e o Uruguai.

    Então, Sr. Presidente, compreender essa realidade e falar sobre ela, que é uma realidade de exclusão digital no Brasil, hoje, é o contrário: é não ficar só olhando números; é perceber as enormes dificuldades enfrentadas por quem não tem acesso a um serviço público, por quem não se qualifica para um tão necessário emprego, por quem não sabe sequer como procurar informações sobre seus direitos pelo simples fato de não fazer parte desse mundo on-line.

    Renda e inclusão são fatores intrinsecamente relacionados e retroalimentados para o progresso e o desenvolvimento. Sem renda, não há acesso à tecnologia e, sem tecnologia, não há acesso à renda. E, sem acesso à tecnologia, não há que se falar em melhores empregos, em melhores condições de vida. Assegurar inclusão digital é, portanto, em última instância, pelo nosso raciocínio, garantir equidade e justiça social para nossos concidadãos. Num mundo ideal, onde todos tenham as mesmas oportunidades – e nós estamos longe disso –, o acesso à tecnologia da informação é condição insuperável.

    Nós Parlamentares, que vivemos aqui discutindo matérias, fazendo projetos e, muitas vezes, destacando textos de projetos que possam ser adequados a novo comportamento do governo através de legislações específicas, nós temos que ter esse compromisso, Sr. Presidente: o compromisso fundamental de fazer desenvolver a educação através da inclusão digital, para que isso, no desenrolar dos fatos, acabe gerando cidadãos com capacidade prática de disputar os empregos que são oferecidos, raros empregos hoje em dia, mas que são oferecidos e que exigem a qualificação profissional.

    Eu quero sugerir que passemos a nos dedicar à criação de ferramentas que tornem as brasileiras e os brasileiros autossuficientes, capazes de cuidar sozinhos de suas vidas, capazes de olhar para frente com otimismo e brigar pelas oportunidades em condições de igualdade. Nós precisamos pensar seriamente em educação digital.

    Eu sempre fiz parte, V. Exa. também, da Frente Parlamentar pela Educação. Nós precisamos novamente tratar desses assuntos, da inclusão digital na educação, adotar banda larga, que foi uma matéria de que outro dia tratamos aqui, em todas as escolas públicas. Precisamos incentivar a inovação tecnológica, precisamos assegurar infraestrutura adequada para esse desafio do século XXI.

    Eu quero agradecer, mas eu queria também fazer um apelo. Há pouco, eu conversava com o representante das Forças Armadas, que tratava das demandas sobre a sua reprogramação, readequação dos seus pleitos em face da categoria do Exército. E eu dizia isto: existe, no Exército, também uma categoria de profissionais temporários, aqueles que entram e ficam no Exército oito anos. Quando saem dali, vamos citar o Exército, ele poderia estar preparado para instrumentar as pessoas, dando a capacidade vocacional, a capacidade técnica, a inclusão técnica, a inclusão da capacitação, para que, ao sair dali, eles tenham oportunidade, depois do preparo que passam e depois do exercício de oito anos dentro das Forças Armadas, para que eles possam ser profissionais de qualquer área técnica e seguir com o aprendizado tecnológico adequado para prosseguir.

    O Brasil não faz isso. Eu sinto falta, no Brasil, da questão do planejamento das oportunidades. Nós estamos vendo pessoas que trabalham aqui no Plenário, que estão aqui dentro da Casa, veem milhares de leis passarem, milhares de discursos serem feitos, são pessoas que têm contratos temporários.

    Eu já tenho um projeto nessa área. Infelizmente, alguns projetos de inclusão dormem nas gavetas de relatores, que acham que não têm importância. Ao mesmo tempo em que se trabalha, pode-se aprender. Mas não aprender só com o que se trabalha. Aprender para, inclusive, encontrar a sua verdadeira aptidão.

    O Wil é assessor, ajuda a escrever leis. Nós temos pensado juntos vários projetos de lei. Mas o que o Wil gostaria de aprender mais? O Wil é advogado, então ele vai, faz um curso de doutorado, faz um curso de mestrado, porque, enquanto ele trabalha aqui, ele vai acessando as suas oportunidades. Mas, para acessar, precisa criar o esteio, que é a preparação, o aprendizado.

    Aqui, nesta Casa, tive a oportunidade de, para algumas pessoas que trabalham nessas empresas de cargos temporários, os terceirizados, arranjar cursos para que eles pudessem aprender e, ao terminar o seu contrato temporário, pudessem acessar outras oportunidades. Não é como o Zezinho, que virou nosso patrimônio histórico aqui, quer ficar conosco o tempo todo, toda a vida, e que já aprendeu o suficiente para até nos encaminhar em determinadas horas. Não, são outras pessoas, são pessoas... Não estou falando só dos novos, que têm 30 anos; estou falando das pessoas que querem, sonham, aspiram ter outras oportunidades. E, para isso, não é como você olhar uma estrela. Eu não posso alcançar esse teto, não posso, mas, se eu colocar uma escada e uma escada, eu vou chegar lá. É preciso que a gente aprenda a construir as escadas.

    E ver as pessoas sonhando em ter acesso à internet e não colocar, é fazer uma exclusão propositada de cidadãos que estão aqui, trabalhando hoje, que estão ali na Câmara, que estão nos atendendo e que não podem sonhar em ter outra profissão, saber mais e se sentir incluídos no processo de desenvolvimento do País, que, hoje paralisado, amanhã mais desenvolvido, possa dar, em geral, oportunidade para todos.

    Eu agradeço e quero lembrar, no final da minha fala, que nós estamos no Novembro Azul. Nós criamos isso há alguns anos, e quero que as pessoas acessem a internet para se organizar, para que possam fazer o exame, porque câncer de próstata mata como câncer de mama, e câncer é uma doença grave. Faça o exame preventivamente. Se não houver ao seu alcance um exame que lhe facilite essa consulta, há uma rede do ministério que localiza onde se encontra alguém capaz de atendê-lo, e faça a reclamação de que não estão sendo acessados pelos meios da saúde os exames de urologistas que possam lhe oferecer um diagnóstico.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/11/2019 - Página 55