Pela Liderança durante a 217ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Exposição sobre a situação de aumento da pobreza e de aprofundamento da desigualdade social no País, baseado em dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Críticas à política econômica defendida pelo Ministro Paulo Guedes e às medidas de estabilização fiscal apresentadas recentemente pelo Governo Federal.

Autor
Randolfe Rodrigues (REDE - Rede Sustentabilidade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
ECONOMIA:
  • Exposição sobre a situação de aumento da pobreza e de aprofundamento da desigualdade social no País, baseado em dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
ECONOMIA:
  • Críticas à política econômica defendida pelo Ministro Paulo Guedes e às medidas de estabilização fiscal apresentadas recentemente pelo Governo Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 13/11/2019 - Página 86
Assunto
Outros > ECONOMIA
Indexação
  • REGISTRO, SITUAÇÃO, AUMENTO, POBREZA, DESIGUALDADE SOCIAL, DIVULGAÇÃO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), COMENTARIO, CAPITALISMO, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, CRESCIMENTO, ECONOMIA, CRIAÇÃO, TRIBUTOS, PROGRESSIVIDADE.
  • CRITICA, POLITICA, ECONOMIA, PAULO GUEDES, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA ECONOMIA, DESVINCULAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, EDUCAÇÃO, PREJUIZO, FINANCIAMENTO, COMENTARIO, DESEMPREGO, TRIBUTAÇÃO, SEGURO-DESEMPREGO, CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIARIA, REGISTRO, IMPORTANCIA, DISCUSSÃO, CONTRIBUIÇÃO, PODER ECONOMICO.

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP. Pela Liderança.) – Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, dois dados publicados recentemente chamaram ainda mais a nossa atenção para o que eu considero que é o maior desafio a ser enfrentado em nosso País. O primeiro dos dois maiores desafios deste País é a desigualdade.

    Errou quem pensou em ajuste de contas públicas e reforma do Estado. Não são esses os nossos principais problemas. Nossas maiores mazelas são o aumento constante da pobreza e o aprofundamento da desigualdade social no País.

    Numa síntese recentemente publicada dos indicadores sociais do IBGE, foi divulgado que um contingente superior a 13 milhões de pessoas sobrevivem com menos de R$145 por mês.

    Veja, Sr. Presidente, são 13 milhões de pessoas sobrevivendo com um valor que é um décimo do salário mínimo. Isso é um recorde triste e lamentável. Eu acho que é sobre esse dado que nós temos que nos debruçar, que nós temos que refletir. Falam muito em ajuste de contas públicas, mas eu acho que é necessário nós enfrentamos o desafio do ajuste da pobreza, do ajuste da desigualdade social.

    Em consonância ainda com a Pnad, com os dados do IBGE, a Pnad Contínua de outubro revelou que o rendimento médio do 1% mais rico dos brasileiros cresceu 8,4% em 2018. Ao mesmo tempo em que os 5% mais pobres amargaram a queda de 3,2% de sua renda. Neste País, os ricos, 1% da população, estão ficando cada vez mais ricos. Os pobres estão ficando cada vez mais pobres.

    Quero repetir esse dado: o 1% mais rico teve a ampliação do seu rendimento em 8,4%; os 5% mais pobres, os miseráveis, tiveram o aprofundamento do seu empobrecimento, a redução de sua renda em 3,2%. Nós estamos levando uma parcela de milhões de brasileiros à condição total da indigência.

    É de conhecimento de todos o estudo de Thomas Piketty, economista francês, que comprovou mediante aprofundado trabalho estatístico em sua conhecida obra, seu conhecido do best-seller, O capital no século XXI, que o processo de alargamento do fosso que separa o topo da base da pirâmide social é uma constante no sistema capitalista. E, mesmo em períodos de crise, os ricos conseguem se defender e até aumentar a sua fatia da riqueza nacional. É o que nós estamos assistindo dramaticamente ocorrer no Brasil.

    Da mesma forma, no mesmo sentido, no mesmo diapasão, o brilhante economista brasileiro, o referenciado economista brasileiro, que já esteve aqui no Senado, Senador Paim, a convite nosso e que o senhor conhece, amigo nosso, Eduardo Moreira, em uma obra que é de nosso conhecimento, Desigualdade & caminhos para uma sociedade mais justa...

    E é importante o testemunho, Senador Paim, de Eduardo, porque Eduardo provém do mercado financeiro. Eduardo foi sócio no capital financeiro e sócio inclusive do atual Ministro da Economia. Trabalhou, atuou junto com o atual Ministro da Economia, Paulo Guedes, e conhece as entranhas do funcionamento do mercado financeiro. E como tal, ele presta um depoimento sobre os mecanismos de aprofundamento da desigualdade em nosso País.

    Pois bem, em sua obra Desigualdade & caminhos para uma sociedade mais justa, diz Eduardo que a desigualdade é o nó górdio da atual geração de brasileiros, demonstrando as alternativas de soluções como nos países nórdicos, que eram pobres há cem anos e hoje ostentam os melhores IDHs do Planeta.

    Quando ele faz essa referência, não está se reportando a nenhum país que teve – abre aspas – "alguma revolução socialista" – fecha aspas. Não está se reportando a algum país que teve a produção de igualdade à força. Mesmo porque eu também concordo com textos e com teorias de que a construção a todo custo de ideais de igualdade levou a regimes autoritários. Ele fala de experiências concretas do capitalismo, e a experiência dos países nórdicos é uma dessas experiências.

    Como superar, então, esses desafios? Na história contemporânea, os países que resolveram as chagas da pobreza e da desigualdade utilizaram instrumentos como tributos progressivos. Tributos progressivos significam tributos mais pesados sobre os que podem mais. Sistema robusto de seguridade social, sólida base educacional e estímulos do Estado à economia. Nós estamos fazendo exatamente o sentido contrário; nós estamos destruindo a nossa Seguridade Social.

    E aqui eu abro um parêntese, Sr. Presidente, Srs. Senadores, para chamar atenção para o pacote de medidas de ajuste de estabilização fiscal que o Ministro Paulo Guedes trouxe para o Congresso na semana passada. Entre essas medidas, uma delas, anunciada e amplamente propagandeada, é em relação aos recursos da saúde e da educação. Na prática, o que o Ministro está defendendo é a desvinculação constitucional dos recursos da educação para a constituição de um fundo comum em que entram também as despesas previdenciárias. Isso significará a destruição do nosso sistema de financiamento da educação e da saúde como nós temos hoje no Brasil, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, porque significa que, na prática, se nós colocarmos toda a vinculação constitucional de recursos, 10% da receita líquida da saúde, 25% da educação e as vinculações que são também responsabilidade de Estados e Municípios em um só fundo e ainda descontarmos a receita previdenciária disso daí, nós vamos reduzir o financiamento da saúde. A saúde brasileira, que já tem um grave problema de financiamento, vai padecer a situação de precarização total do nosso Sistema Único de Saúde.

    Então, o que nós vimos no que queriam da proposta de reforma da previdência, que inclusive promulgaram, o que vimos nessas propostas de desvinculação que o Ministro Paulo Guedes apresenta, vimos e falamos sobre isso hoje, Senador Paim, na proposta que foi apresentada ontem. Eu considero indecente querer gerar emprego e renda precarizando o trabalho. Não se justifica.

    A medida provisória que o Presidente da República ontem editou com o título pomposo de trabalho Verde e Amarelo é um disparate para aprofundar a precarização do trabalho no País mais do que já é precarizado. Vejamos os números da reforma trabalhista. Ela trouxe 40 milhões de brasileiros para a condição de trabalho precarizado. Ela não resolveu o gravíssimo problema do desemprego. Passa mês após mês, fazem exercícios retóricos com os números, mas nós temos 12 milhões de desempregados no País.

    E o Presidente ainda trouxe ontem uma medida provisória que faz a taxação do seguro-desemprego! A taxação pode não ter sido – me corrigiram depois –, a taxação não é com tributos com Imposto de Renda; a taxação será com contribuição previdenciária. É taxação! É taxação de um seguro para o cidadão, quando está desamparado! É taxação, quando ele está desamparado de qualquer provimento, quando ele não tem emprego – estamos falando de 12 milhões de brasileiros... Então, o Governo, em uma medida provisória, estabelece uma taxação, inclusive sobre o seguro-desemprego.

    Não se ouve nenhuma proposta ser debatida aqui, ampliando a tributação sobre os que têm mais. Quanto à tributação sobre herança, não se avançou; quanto à taxação sobre a contribuição, sobre o lucro líquido, não houve nenhum debate em relação a isso. Mas, aí, querem fazer a taxação do seguro-desemprego; querem ampliar as condições do trabalho precarizado. Tudo isso é no caminho contrário à redução das desigualdades.

    Nunca me canso de dizer: a escola do Ministro da Economia é a escola do Chile dos tempos de Augusto Pinochet. O Ministro da Economia é discípulo dos chamados Chicago boys, da Escola de Chicago.

    Esse programa ultraliberal de retirada de direitos, de destruição da seguridade social, de destruição da previdência social, de redução de direitos sociais, de relegar os cidadãos a uma condição de trabalho precarizado, para ficar mais barato para o capital, resultou na situação que nós estamos vendo hoje no Chile: 20 dias ininterruptos de manifestações por parte dos chilenos, e o Governo de Piñera... Eu não estou falando de nenhum governo de esquerda. Estou falando do Governo de Piñera. É um governo de orientação ultraliberal – teve que se render à pressão do povo na rua e convocar uma nova assembleia constituinte, por uma circunstância...

    Alguns dizem: "Não, mas lá no Chile se sucederam governos de orientação social-democrata...". Sucederam-se governos de orientação social-democrática que não mudaram o texto da Constituição outorgada por Augusto Pinochet, em 1980, e foi essa Constituição, de orientação liberal, que fez a reforma da previdência, a reforma da seguridade social, e que não foi modificada. E que chegou à situação de caos social em que se encontrou, de hecatombe social que se encontrou aqui no Chile.

    Eu quero aqui recomendar esse caminho, esse caminho de aprofundamento da distância entre ricos e pobres; esse caminho de aprofundamento da pobreza... Esse caminho de destruição de qualquer patamar mínimo de Estado de bem-estar social nos levará, repito...

    A receita da Escola de Chicago não é a receita adequada para um país desigual como o nosso. E eu repito: no Chile, só foi implementada essa receita porque não havia Parlamento funcionando. No Chile, só foi implementada essa receita porque estava sob a égide de um Estado autoritário, de um Estado de exceção.

    O que nós estamos vendo no Brasil, Sr. Presidente, é a adoção de um modelo totalmente inverso à redução das desigualdades, ao combate ao problema da pobreza; de aprofundamento do ultraliberalismo cruel e atroz; o que está em curso aceleradamente, no País, é retirada de direitos trabalhistas, de direitos previdenciários, desmonte da capacidade de investimento público do Estado na economia, para garantir o bem-estar social; redução da fatia social no orçamento público – repito: a proposta apresentada na semana passada diz claramente isso –; uma política comercial submissa; somados, e como ingredientes finais, desprezo às questões ambientais e destruição do aparato estatal.

    Não é mais nem capitalismo, porque o capitalismo não se propõe a ser tão selvagem. Não é. É o modelo ultraliberal – repito –, cuja experiência que se tem só foi implementada no mundo sob ditadura – só foi implementada no mundo sob ditadura.

    Esse modelo é incapaz de promover a redução da pobreza, nem diminui qualquer uma das desigualdades sociais. O País, a insistir nesse modelo... Não se iludam com o canto da sereia!

    O Ministro fez uma declaração, na semana passada, ou melhor, anteontem, de que, no ano que vem, dobra o crescimento. Primeiro, grande coisa, não é? Dobrar de 0,8 vai dar 1,4. Para a recuperação da economia brasileira, nós precisamos de muito mais que isso, muito mais que isso. E, segundo, escutem o que eu estou dizendo aqui desta tribuna no dia de hoje: este crescimento econômico propalado não tem, está totalmente atrelado... O modelo de crescimento econômico propalado pelo Ministro está totalmente atrelado às commodities, ao valor das commodities internacionais. Se não se resolverem os conflitos comerciais entre os Estados Unidos e a China, se o mundo não tiver retomada do crescimento, neste modelo, por estar atrelado às commodities internacionais, não se consolidará esse crescimento que aqui foi anunciado.

    Esse modelo é incapaz de promover, como eu já disse, a redução da pobreza e muito menos combater as desigualdades sociais, o que significará um processo ainda mais violento de transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos, com aumento da população abaixo da linha da miséria.

    Os postos disponíveis serão os mais precários possíveis, com a disseminação do trabalho informal – e se caminha a largos passos para isso, vista a medida provisória que já citei e que foi editada ontem; ampla "uberização" (abre e fecha aspas do termo) da força de trabalho; a renda de aposentadorias e pensões, que hoje representa quase 20% das receitas das famílias, decairá violentamente em conjunto com os rendimentos do trabalho, resultado dos desmontes trabalhistas e previdenciários. Além de ter consequência para os mais pobres, terá consequências diretas nas pequenas cidades do País, porque é a renda destes que faz as economias de cidades pequenas do País serem mobilizadas.

    Pode ser, Sr. Presidente, que, nessa inanição econômica, a inflação e os juros básicos da economia permaneçam baixos, ainda que os juros reais ao consumidor e tomador de impostos prossigam estratosféricos, porque não foi resolvido e nem tem sido enfrentado o problema central do spread bancário.

    É importante que se diga que a inflação, quando se estabeleceu o regime de metas de inflação, é para ter, é para não se passar do teto, mas também para não ficar abaixo do piso. Inflação abaixo do piso significa deflação, e deflação significa retração da atividade econômica. Nem sempre inflação de 0%, 0,5% significa concretamente que a vida das pessoas melhorou; ao contrário, a estagnação da atividade econômica só tem um significado, só tem uma relação direta: uma sociedade de desempregados, de trabalhadores em condições precárias, que não tem condições para o consumo, e se não tem condições para o consumo é por isso que não têm influência mínima.

    Não basta. O regime de meta de inflação, inclusive como foi concebido nos anos 1990, prevê originalmente um teto para a inflação, mas também um peso mínimo. Obviamente, por conseguinte, não há de se comemorar a taxa básica de juros da economia e igualar com a inflação, porque a taxa de juros básicos da economia está sendo rebaixada constantemente como um mecanismo para indução do consumo. Só que acaba não tendo efetividade, porque nós não estamos gerando emprego e nós não estamos mobilizando uma sociedade do consumo.

    Para a sociedade voltar a produzir, eu reitero e repito, não vai ser ampliando o fosso entre ricos e mais pobres, não vai ser retirando dos mais pobres, não vai ser retirando, caminhando para um processo quase que natural de privatização da saúde, e, se nós o fizermos quando desvincularmos os recursos da saúde, nós iremos caminhar para isso. A saúde é como no Chile ou em alguns outros países: vai passar a ser privilégio de poucos, e aqueles poucos pobres, para, inclusive, manter um mínimo de saúde para a sua família, vão ter que também pagar um plano de saúde. O próprio recurso, o próprio dinheiro na economia, vai ser reduzido, em decorrência disso.

     Essas, Sr. Presidente, são as razões que levam...

(Soa a campainha.)

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) – ... a combater esta política econômica. Não existe de nossa parte nada de pessoal em relação ao Presidente da República e ao Ministro da Economia, mas existe uma convicção de nossa parte: este caminho que está sendo adotado, a história tem provado pelo mundo, e nós temos aqui do lado, aqui próximo, aqui no continente sul-americano, uma experiência de que esse caminho não dará certo; eclodirá, resultará, mais cedo ou mais tarde, em hecatombe social. É tarefa urgente retomar desenvolvimento econômico com inclusão social, para combater desigualdade; desigualdade essa, sem dúvida, a maior mazela e o principal problema do País.

    Obrigado, Presidente, por sua tolerância para eu concluir este pronunciamento.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/11/2019 - Página 86