Discurso durante a 213ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Lamento pelas declarações do Deputado Eduardo Bolsonaro sugerindo a reedição do AI-5 no País.

Autor
Rose de Freitas (PODEMOS - Podemos/ES)
Nome completo: Rosilda de Freitas
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONSTITUIÇÃO:
  • Lamento pelas declarações do Deputado Eduardo Bolsonaro sugerindo a reedição do AI-5 no País.
Publicação
Publicação no DSF de 07/11/2019 - Página 56
Assunto
Outros > CONSTITUIÇÃO
Indexação
  • REGISTRO, DECLARAÇÃO, DEPUTADO FEDERAL, REEDIÇÃO, ATO INSTITUCIONAL, DITADURA, REGIME MILITAR, GOLPE DE ESTADO, REGISTRO HISTORICO, ATENTADO, DEMOCRACIA.

    A SRA. ROSE DE FREITAS (PODEMOS - ES. Para discursar.) – É exatamente isso, Sr. Presidente, que o povo do Espírito Santo faz.

    Quero agradecer a V. Exa., que sabe da admiração, do carinho... As origens da gente estão dentro do nosso coração permanentemente, mas fica na minha história a marca indelével do carinho e da aceitação do povo capixaba, que já a mim delegou pelas urnas oito mandatos.

    Sr. Presidente, eu quero dizer aqui que não creio em fantasmas, mas volta e meia eles aparecem na nossa frente, tentam romper barreiras invisíveis, sair das catacumbas, amedrontar os vivos. Realmente alguns incautos recorrem à imagem do fantasma do AI-5, que, de repente, apareceu na vida nacional. Dizem alguns defensores, e evidentemente agora houve um que teve mais visibilidade, que, caso a esquerda pensasse em radicalizar, seria necessário reeditá-lo, retomando o instrumento que foi a pá de cal na democracia brasileira nos anos de 1960.

    Primeiro, eu quero dizer que esse protagonista já foi a público, pediu desculpas, mas, na minha consciência política, é uma coisa impossível de se pensar que alguém em sã consciência pudesse pronunciar isso. Primeiro, não sei o que quer dizer, o que pretendeu dizer com radicalizar. Radicalizar é o que eu fiz aqui ontem na luta a favor das mulheres? É o que faz o Senador Eduardo Braga na defesa dos interesses nacionais? Ser radical é exigir mais emprego, mais saúde, mais educação, enfim, mais justiça social num País tão desigual como o nosso? Então, Sr. Presidente, eu realmente não sei o que é ser radical e, se é assim, posso até ser considerada uma pessoa radical. Eu também seria alvo dessa discussão sobre esse instrumento da radicalização.

    Segundo, é preciso estabelecer a verdade histórica, e eu falo isso aqui não tentando requentar assunto nenhum, mas porque é preciso falar para que fique claro na consciência das pessoas. O AI-5, de 1968, não foi uma reação a sequestros e protestos violentos perpetrados por militantes da esquerda. Não foi! Os que preferem livros em vez de armas e que já estudaram sabem disso, Sr. Presidente. O que detonou a edição do AI-5, entre outros fatores, evidentemente, foi uma disputa de poder na época, de que a gente não sente saudade e que não quer ver mais, pelas Forças Armadas, que governavam o País pela força, sem a legitimidade do voto popular. Portanto, essa figura de retórica não serve para nada.

    Havia uma ala moderada que admitia devolver o País aos civis, e, contra ela, havia uma facção mais autoritária que propugnava a continuidade do regime militar. Essa obscura vertente acabou sendo vencedora. Mas isso já passou, já acabou. A democracia está plena.

    O pretexto, na época – se retomarem essa discussão agora –, para justificar o AI-5 foi um discurso do Deputado Márcio Moreira Alves, proferido em setembro de 1968 – não sei se V. Exa. era nascido – na Câmara dos Deputados. Indignado com a invasão da Universidade de Brasília por militares, onde estudantes protestavam pacificamente contra a ditadura, o Deputado defendeu que a população boicotasse o desfile de 7 de setembro – essa é a verdadeira história – e que as mulheres evitassem se relacionar com militares. Foi a desculpa para que a linha dura do regime exigisse a punição do Deputado. A Câmara, altiva, altaneira, rechaçou a ideia no dia 12 de dezembro de 1968, e 90 Deputados da Arena, partido que dava sustentação parlamentar ao regime, votaram a favor de Márcio Moreira Alves. A ditadura não engoliu a derrota – não engoliu! Isto é democracia: aceitar que nós possamos, daqui a pouco, perder ou ganhar aqui no Plenário. No dia seguinte, baixou o AI-5, uma vergonha da qual nós não queremos nem ouvir falar. Mas, já que veio à tona, só quero lembrar que foi esse AI-5 que fechou as duas Casas deste Congresso Nacional, cassou Parlamentares, tirou a voz da representação popular, impôs censura à imprensa, suspendeu direitos e garantias constitucionais, como, por exemplo – V. Exa. tão bem sabe –, o habeas corpus.

    O movimento mais inflamado da esquerda veio depois, talvez como uma reação ao endurecimento advindo da edição do AI-5, símbolo do regime militar, do regime liberticida e repressivo. Quem tem 40 anos de idade, Senador Vanderlan, ou menos, eventualmente, não pode ter saudade do que não viveu e ficar falando excrescências públicas, fazendo ilações inadmissíveis, que, no meu entender, como Constituinte, ferem a Constituição, que jurou respeitar. Portanto, quem era adulto no final dos anos 60 sabe muito bem o que acontece quando um país resolve embarcar numa aventura autoritária. E disso nós não temos saudade. Eu, particularmente, na minha cabeça, no meu físico, nas minhas lembranças familiares e de companheiros de luta, não tenho saudade.

    Então, Sras. e Srs. Senadores, é uma lástima. Eu lamento que esse jovem, depois de tanta luta – ainda que tenha pedido desculpa –, em algum momento na cabeça dele, tenha podido duvidar do valor da democracia para o Brasil, em vez de reafirmar que a democracia é importante para o Brasil, ainda que nós não tenhamos neste País a justiça social, ainda que venham emergindo classes pobres que ainda dependam, e muito, da política de benevolência, quando deveria haver uma política programada na economia para abrigar o desenvolvimento e acudir as classes pobres com oportunidades e não com um benefício como o Bolsa Família, que é importante e para o qual nós todo ano colocamos orçamento. Mas importante é reestruturar, é estruturar políticas sociais, e não ouvir que a ditadura resolve a divergência de opiniões, que um ato institucional possa vir a esta Casa e fechar a boca... A minha, pelo menos, a de V. Exa. e de muitos que aqui estão não vai fechar, e, se fechar aqui, o povo fala na rua. Está menosprezando a força que o povo tem para se mobilizar.

    Então, não tenho saudosismo dessas trevas. É que nem assistir àquele filme de terror que tem aquele bonequinho que renasce todo dia: eu não assisto àquilo. Eu tenho pânico daquilo. Então, é que nem você ver que vai haver um filme de suspense em que aparece o bonequinho, senta na cadeira, sai andando e vem trazer lembranças amargas do regime de exceção. Eu sei na prática, Sr. Presidente, o que valores como democracia e liberdade representam. Somente num regime – isso eu quero repetir aqui – em que a democracia e a liberdade sejam plenas é possível questionar, é possível se posicionar, é possível falar com liberdade, é possível propor.

    Triste ironia, até, enquanto a democracia abriga a todos, inclusive quem, com mandato, representa aqui a opinião de um povo de um Estado de onde ele saiu, inclusive opiniões também de contrários, que possam se manifestar elegendo outros. O regime autoritário não é nada disso: ele abre espaço apenas – apenas – para bajuladores. Isso não serve ao povo brasileiro. E da minha parte, Sr. Presidente, agradecendo aí a oportunidade, eu sou escrava da democracia. Eu sou militante convicta da democracia, da liberdade. É isso que faço aqui agora: expresso a minha opinião, debato todas as propostas, voto contra eles, reflito, proponho, oponho-me, mas eu acho, eu quero crer que nesta Casa dos 81, dos 513 da outra Casa, há uma voz destoante, mas que já parece que refletiu bastante.

    Eu quero dizer àqueles que pensam igual a mim – e muitos se manifestaram – que ninguém pensou que o Brasil fosse se levantar, e de repente se levantou; o Brasil se posicionou sobre a sociedade orgânica se manifestando que não cabem mais pensamentos retrógrados de natureza nenhuma.

    Eu quero agradecer. Fiz apenas um registro, porque o preço da liberdade – não é, Bandeira, você, que está aí à Mesa? –, e eu sei disso pessoalmente, é a eterna vigilância. Temos que estar atentos àquilo que os desavisados falam mas que, como disse uma figura expressiva do País, é sonho que habita a cabeça de alguns. Não pode nem sonhar. A gente tem que dar um sonífero para dormir e não sonhar.

    Sr. Presidente, quero dizer que nós estamos preparados para daqui a pouco votar a PEC paralela com um debate importante. Mas, antes, votaremos historicamente o feminicídio, aquilo que será o projeto que tornará o crime de feminicídio imprescritível para que não se cometa mais essa barbárie em série, a morte de mulheres em série todos os dias, a exemplo do que está acontecendo.

    Muito obrigada, Presidente Anastasia.

    Agradeço, com antecedência, ao Presidente que já chegou à Mesa, Presidente Davi Alcolumbre, pelo apoio reiterado à luta das mulheres.

    Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/11/2019 - Página 56