Fala da Presidência durante a 223ª Sessão Especial, no Senado Federal

Abertura da Sessão Especial destinada a celebrar a canonização da brasileira Irmã Dulce pelo Papa Francisco.

Autor
Kátia Abreu (PDT - Partido Democrático Trabalhista/TO)
Nome completo: Kátia Regina de Abreu
Casa
Senado Federal
Tipo
Fala da Presidência
Resumo por assunto
RELIGIÃO:
  • Abertura da Sessão Especial destinada a celebrar a canonização da brasileira Irmã Dulce pelo Papa Francisco.
Publicação
Publicação no DSF de 22/11/2019 - Página 7
Assunto
Outros > RELIGIÃO
Indexação
  • ABERTURA, SESSÃO ESPECIAL, CELEBRAÇÃO, CANONIZAÇÃO, IRMÃ DULCE, PAPA, VATICANO, IGREJA CATOLICA.

    A SRA. PRESIDENTE (Kátia Abreu. Bloco Parlamentar Senado Independente/PDT - TO. Fala da Presidência.) – Bom dia a todos os nossos convidados. Declaro aberta a sessão.

    Sob a proteção de Deus e a bênção de Santa Dulce dos Pobres, iniciamos os nossos trabalhos.

    A presente Sessão Especial é destinada a celebrar a canonização da brasileira, baiana, Irmã Dulce pelo Papa Francisco, nos termos do Requerimento nº 858, de 2019, de minha autoria e com o apoio de todos os Senadores, em especial do Senador Otto Alencar, do Senador Angelo Coronel e do Senador Jaques Wagner.

    Convido, para fazer parte da Mesa, os Senadores da Bahia: Senador Otto Alencar, Senador Angelo Coronel e Senador Jaques Wagner.

    Convido o representante da presidência da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Rev. Sr. Pe. Paulo Renato Campos, para compor a Mesa.

    Convido o Sr. Ministro do Superior Tribunal Militar, que nos honra com sua presença, Sr. Alte. de Esq. Alvaro Luiz Pinto.

    Convido o Sr. Terciliano Gomes Araújo, Suplente do Senador Irajá, do Estado do Tocantins, e Presidente da União dos Vereadores do Estado do Tocantins.

    Gostaria de pedir, de iniciar a apresentação e agradecer a presença do nosso extraordinário e maravilhoso Coral, que nos honra aqui com o seu talento.

    Por favor.

(Procede-se à apresentação do Coral do Senado Federal.)

    A SRA. PRESIDENTE (Kátia Abreu. Bloco Parlamentar Senado Independente/PDT - TO. Fora do microfone.) – Passaremos à execução do Hino Nacional Brasileiro.

(Procede-se à execução do Hino Nacional.)

    A SRA. PRESIDENTE (Kátia Abreu. Bloco Parlamentar Senado Independente/PDT - TO) – Gostaria de agradecer, mais uma vez, o Coral do Senado da República e parabenizar a extraordinária apresentação em homenagem à Irmã Dulce.

    Convido, para fazer parte da Mesa, representando a Bancada do Estado do Tocantins e a Câmara dos Deputados, o Deputado Damaso, por favor.

    Quero agradecer a presença do Rev. Sr. Pe. João Firmino, representante da Arquidiocese de Brasília, e o pároco da catedral Rev. Sr. Pe. Eldinei Carneiro, pároco da cidade de Santo Antônio de Gurupi, no Estado de Tocantins. Obrigada pela presença.

    Agradeço a presença da Procuradora-Geral de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal, Sra. Fabiana Costa.

    Agradeço a presença do Ministro-Conselheiro e Encarregado de Negócios da República de Singapura, Sr. Desmond Wee Kwang, e do Prefeito Municipal do Estado do Tocantins, da cidade de Arraias, Sr. Antônio Wagner Barbosa, um católico atuante na nossa cidade tão querida. E a presença também honrosa da Prefeita do Município de Arapoema, no Tocantins, Sra. Lucineide Parizi Freitas. E todas as autoridades.

    Senhores e senhoras, ilustres convidados, prezados amigos e amigas que vieram ao Plenário, e todos aqueles que nos assistem pela TV Senado, a presença da imprensa, especialmente da Rede Vida, o maior veículo de comunicação da Igreja Católica no Brasil, a sessão de hoje, em homenagem à Santa Dulce dos Pobres, é uma oportunidade para que o Senado da República assuma as responsabilidades e o legado da primeira santa brasileira e, seguindo o seu exemplo, comece a discutir, com a maior urgência possível, soluções efetivas de suspensão da pobreza e das desigualdades sociais vividas pelos brasileiros.

    Garantir dignidade humana a milhões de brasileiros e brasileiras é nossa obrigação. É nosso dever. Deveria ser – e tem que ser – o nosso norte.

    Irmã Dulce realizou inúmeras ações de caridade e assistência para os pobres. Nascida em Salvador em 26 de maio de 1914, com o nome de Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes, ela, desde muito cedo, dedicou-se ao cuidado dos mais necessitados. Com apenas 13 anos – sob a influência da tia que ajudou a criá-la, pois ficou sem a sua mãe aos 7 anos de idade –, ela já acolhia doentes e pessoas extremamente pobres em sua casa, criando até mesmo alguns atritos com a família devido à quantidade de pessoas que já a procuravam na tenra idade. Adotou o nome de Irmã Dulce aos 19 anos em homenagem à sua falecida mãe. Foi nessa época que entrou para a vida religiosa e passou a fazer parte das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição.

    Ela tirava sua força da oração e da penitência, segundo seus amigos. A oração precedia a ação na lógica da freira Irmã Dulce. Fazia preces em qualquer lugar, numa igreja, numa capela, num hospital, nas ruas, nos lugares esperando alguém... Não parava e não pensava em outra coisa a não ser nas orações. Possuía um extraordinário vigor espiritual, mesmo tendo menos de 1,5m, tendo 1,48m, e pesando 45kg. Tinha uma resistência física inabalável, viciada em trabalho, do raiar do dia até tarde da noite.

    Mantinha um diálogo inter-religioso com todas as escolhas religiosas da Bahia, em respeito absoluto às crenças e às escolhas do próximo.

    Viveu entre dois grandes acontecimentos que mudaram a história do mundo no século XX. Ela nasceu em 1914, 33 dias antes do assassinato do Arquiduque do Império Austro-Húngaro Francisco Ferdinando, que foi o bilhete para o início da Europa na Primeira Guerra Mundial, e faleceu em 1992, poucos meses depois do colapso da União Soviética. Esse foi o período da vida de Irmã Dulce, para nós nos situarmos na história.

    Na Bahia, especialmente em Salvador, onde viveu, a caridade naquela época era um bem de primeira necessidade. Estavam convivendo com a crise econômica de 1930, a queda das exportações baianas e a seca no interior, que trouxe centenas de sertanejos pobres para a capital baiana, onde favelas enormes, cada vez maiores, foram se instalando. Foi nesse ambiente que as obras de Irmã Dulce floresceram.

    Sua obsessão era que os pobres tivessem no seu hospital tratamento dos hospitais privados, particulares. Acudia os pobres quando não tinham mais a quem recorrer, a qualquer hora do dia e da noite.

    Convivia com todos os políticos, não fazia distinção entre partido ou ideologia partidária. Aproveitava do seu carisma, da sua inteligência, da sua interlocução e da sua força moral para tirar desses políticos tudo o que podia para o bem das suas obras de caridade. Conviveu e recebeu a primeira doação do Presidente Gaspar Dutra, depois de João Goulart, de ONGs americanas na época de John Kennedy. Conviveu e teve muito apoio de Antonio Carlos Magalhães, Governador da Bahia, político eminente daquele Estado. Conviveu com banqueiros e empresários importantíssimos da Bahia. Conheceu João Figueiredo, que, num pitoresco acontecimento, conheceu as suas obras e disse: "Nem que eu tenha que assaltar um banco, eu vou ajudá-la". E ela respondeu de pronto: "Me avise que eu vou com o senhor". Com José Sarney, uma relação forte de proximidade. Tinha o telefone pessoal, o telefone secreto, vermelho do Presidente Sarney, que não resistia a nenhum pedido de Irmã Dulce. Teve tudo que pedia, teve em Sarney o seu benfeitor e amigo. E, no momento final do seu Governo, no auge de uma impopularidade por conta da inflação na época, Irmã Dulce recebeu a recomendação de algumas pessoas próximas de que não nominasse o pavilhão do ambulatório novo com o nome de Sarney, e ela, mais uma vez, respondeu de pronto: "Essa injustiça eu não cometo", e colocou o nome de José Sarney nesse ambulatório.

    Em 1964, poucos meses após o golpe, recebeu uma ordem superior que, para ela, foi mortal: deixar o hospital que tinha começado do zero ou abandonar a vida religiosa. Uma preocupação que sua congregação tinha na época era o medo das dívidas, pois a nossa freirinha, a nossa santinha trabalhava como louca e fazia os compromissos que tinham que ser feitos – e Deus, lá de cima, fez com que ela honrasse todos eles. No entanto, a preocupação da Igreja e de sua congregação era legítima e pediram que ela se afastasse, mas ela não aceitou, não se afastou e se rebelou, com aquela pequenez de tamanho físico, mas com a sua força moral. À época, D. Eugênio Sales não permitiu que algo grave acontecesse a ela, como uma expulsão, e determinou o seu afastamento temporário, uma licença que na Igreja chamamos de exclaustração, mas que ela continuasse usando o seu hábito tão conhecido, achando esse meio termo.

    Com a sua teimosia, teimosia da freira de temperamento afável na juventude, louca por futebol, retraída em público, mas com senso de humor no privado extraordinário, tinha um brilho travesso de volta em seus olhos que renascia quando ela tinha uma mania e criava apelidos para as pessoas com que conviviam, como, por exemplo, para Irmã Emerência, que, naquela época, tinha mais de 90 anos, e ela apelidou a sua colega freira de "garotinha".

    E, neste momento, em que estamos vivendo dias difíceis, com a santificação pelo Papa Francisco da nossa querida irmã Dulce, nada mais é importante que mencionar os números e a situação que vivemos hoje, os dados da pobreza, que são alarmantes no País: 52 milhões de pessoas, segundo o IBGE, abaixo da linha da pobreza; 13 milhões de pessoas na extrema pobreza – extrema pobreza é alguém que ganha menos de R$70; a pobreza, menos de R$140 por mês. A FAO explicita que uma pessoa, para ser considerada pobre, come menos de 1.750 calorias por dia, e nós sabemos que há seres humanos brasileiros que não comem às vezes nem 500 calorias por dia.

    O Banco Mundial diz que a consequência do fraco crescimento econômico da América Latina piorou ainda mais os indicadores sociais de toda a América Latina e do Brasil. Baseou-se, nesses números e nessa análise, em três indicadores: a taxa de desemprego, a pobreza e as necessidades básicas insatisfeitas como habitação, educação e saneamento.

    Desenvolver uma rede de segurança social que apoia os mais pobres e vulneráveis durante o ciclo de baixa econômica é recomendação para a América Latina e que todos nós temos que desenvolver e temos que criar. Na hora de dificuldade, devemos estender a mão.

    Após ter reconhecidos dois milagres pelo Vaticano, o Papa Francisco realizou a canonização no dia 13 de outubro de 2019, e tornou-se a primeira santa: essa, a que se preocupava com esses números que acabei aqui de mencionar, que tinha obsessão em combater a pobreza e que, com certeza, nos dias de hoje, estaria, imensamente, como nós, preocupadíssima e trabalhando cada vez mais.

    É sob a inspiração do Divino Espírito Santo que peço à Santa Dulce que nos ilumine para que possamos ajudar os mais pobres do meu Tocantins e do Brasil.

    Em 2010, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento adotou o critério de pobreza multidimensional, que era o critério do nosso observatório, quando ainda na CNA. Nós desenvolvemos o Observatório das Desproteções Sociais no Campo. Não podemos tratar a pobreza apenas como a ausência de renda, mas como um conjunto de privações sociais nos campos da educação, saúde, habitação e qualidade de vida.

    O PNUD foi além e organizou o critério chamado dimensões faltantes para que os pobres tenham voz, e não apenas os técnicos ou os donos de soluções.

    É inteiramente verdade que podemos ter um Brasil melhor do que o Brasil que temos. Uma Nação mais próspera e mais humana. Para isso temos de lutar por uma economia crescente e uma sociedade mais justa. É totalmente possível uma economia de mercado com respeito à democracia e ao capitalismo, mas sem perder a dimensão humana.

    No momento atual, os brasileiros confrontam-se com enormes desafios. Além da crise na economia, temos a falta de serviços públicos de qualidade na saúde, uma insegurança e violência nas ruas e nas cidades, um aumento na criminalidade. Não basta ter garantido na Constituição o direito de ir e vir, eu preciso ter segurança para andar pelas ruas para ter garantido o direito de ir e vir.

    Sem segurança não há liberdade. Precisamos de políticas mais firmes, leis mais realistas e tribunais mais eficazes. Temos de ter coragem para reformar o que está mal e melhorar o que é possível.

    Aqui e agora, neste minuto, há 12 milhões de brasileiros sem emprego, porque não há empregos sem empresas. A resposta é apostar nas micro, pequenas e médias empresas; dar soluções à burocracia e à dificuldade que elas encontram no dia a dia; fazer tudo o que está ao nosso alcance para permitir que nossas pequenas empresas possam sobreviver e enfrentar a tempestade e a criação de empregos.

    O Brasil tem uma enorme dívida com jovens adultos sem escolarização, que um dia atravessaram o portão da escola e foram esquecidos e hoje, sem escolaridade e formação, vivem o drama do desemprego. Quase dois milhões de jovens, que saíram pela porta da escola e que nunca mais voltaram.

    Mas sem reparar o passado não teremos presente e nem futuro. Jovens e adultos precisam da fundamental oportunidade de se escolarizarem e terem formação.

    De imediato temos de buscar saídas de emergência para quem vive abaixo do limiar da pobreza. São especialmente vulneráveis as crianças, os mais velhos e os doentes, que, às vezes, não encontram nem uma refeição ao dia. A qualificação dos nossos trabalhadores, o acesso à educação pública, um atendimento mais eficiente e humanizado na saúde são caminhos que precisamos trilhar para honrar o legado da Santa Irmã Dulce dos Pobres.

    Não basta ter a cama de hospital, não basta ter os medicamentos, não basta ter os médicos, nós precisamos humanizar, porque, às vezes, a doença não está só no físico, mas também no espiritual.

    Ao lado do Estado, que não pode faltar a quem precisa do Estado, os pobres do Brasil precisam contar com inúmeras irmãs dulces, com um esforço suplementar de solidariedade de todos nós. Que possamos, espiritualmente, vestir o hábito de Irmã Dulce e fazer minimamente o papel que ela fazia.

    Precisamos das instituições sociais, precisamos da família, precisamos do voluntariado, precisamos da Igreja, precisamos da responsabilidade social de cada um de nós, da Irmã Dulce, adormecida em cada brasileiro. Temos de reunir forças e promover uma cultura social diferente. A cada direito corresponde um dever; a cada liberdade corresponde uma responsabilidade; a cada privilégio corresponde uma obrigação de solidariedade. Nós Senadores e Senadoras não podemos esquecer a confiança dos brasileiros que esperam de nós políticos exemplos de reação e de responsabilidade social.

    Desde 2009, eu digo algo de que tenho total convicção: o maior direito dos pobres é deixarem de ser pobres. Era um lema que nós carregávamos ainda na CNA, com relação aos pequenos agricultores, especialmente os assentados da reforma agrária, que vivem em petição de miséria também no campo.

    Quero aqui mencionar o livro de Graciliano Rocha, "Irmã Dulce, a santa dos pobres", que eu recomendo a todos. É ler e chorar de emoção pela força moral e pelo exemplo que essa mulher representou para todos nós.

    Não é fácil, não é rápido, não é através apenas de pacotes sociais, mas a urgência de nós deixarmos os discursos menores... Uma semana discutindo temas que não têm nada a ver com a sociedade, temas menores, que não vão fazer diferença na vida das pessoas, discutindo temas do Judiciário, de pacotes ou não pacotes da economia, que vão gerar emprego e vão crescer... Nós estamos fazendo nosso dever de casa, mas, durante toda uma semana de debates outros, nenhum debate, nas últimas três semanas, nas últimas quatro semanas, foi direcionado a solucionar a vida dos mais pobres que estão neste momento sem um prato de comida.

    A reforma da previdência nós aprovamos por responsabilidade com o País. Todas as medidas econômicas que nós achamos justas, enviadas pelo Governo Federal, o Senado teve a responsabilidade e votou, às vezes enfrentando até de dissabores publicamente, mas, por responsabilidade que nós temos como Senadores da República, aprovamos todas as medidas. Inclusive, a oposição ao Governo tem ajudado e colaborado em prol dos desempregados, mas isso não basta. Essas são soluções que virão no médio e longo prazo.

    Nós estamos falando do trabalho de Irmã Dulce, aquele trabalho que começa às quatro, cinco da manhã, e termina na madrugada – aqueles que estão na urgência, e não podem esperar o mercado reagir, que não podem esperar as empresas abrirem portas para o emprego, porque isso acontecerá em médio e longo prazo. O que fazer com o prato de comida vazio? O que fazer com aqueles que estão sem teto, aqueles que estão na rua, aqueles que estão despejados à disposição da droga?

    Isso é emergencial, e esta Casa, não só o Senado como a Câmara dos Deputados, tem o dever e a obrigação de encontrar a solução, apesar da crise, apesar da ausência de dinheiro, pois Irmã Dulce, com toda a pobreza com que trabalhou, com toda a miséria que enfrentou, os seus doentes, as suas crianças órfãs, os seus desabrigados tinham um prato de comida no mínimo três vezes ao dia. É esse exemplo que devemos seguir.

    Agradeço à Irmã Dulce por tudo que fez, pela Bahia em especial, por Salvador, mas, acima de tudo, por ter sido um grande exemplo de abnegação.

    Quero, neste momento, passar a palavra aos nossos Senadores baianos e inicio pelo ex-Governador da Bahia Jaques Wagner, do Partido dos Trabalhadores.

    À tribuna, para uso da sua palavra.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/11/2019 - Página 7