Discurso durante a 223ª Sessão Especial, no Senado Federal

Sessão Especial destinada a celebrar a canonização da brasileira Irmã Dulce pelo Papa Francisco.

Autor
Otto Alencar (PSD - Partido Social Democrático/BA)
Nome completo: Otto Roberto Mendonça de Alencar
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
RELIGIÃO:
  • Sessão Especial destinada a celebrar a canonização da brasileira Irmã Dulce pelo Papa Francisco.
Publicação
Publicação no DSF de 22/11/2019 - Página 16
Assunto
Outros > RELIGIÃO
Indexação
  • SESSÃO ESPECIAL, CELEBRAÇÃO, CANONIZAÇÃO, IRMÃ DULCE, PAPA, LOCAL, VATICANO, IGREJA CATOLICA.

    O SR. OTTO ALENCAR (PSD - BA. Para discursar.) – Valorizo muito estar representando aqui as Obras Sociais da Irmã Dulce. Maria Rita, a sua sobrinha, que hoje é responsável por todas as obras sociais – são 21 obras sociais na Bahia –, não pôde estar presente, ela já tinha um compromisso. Maria Rita tem essa responsabilidade de substituir Irmã Dulce, e o faz com muita dedicação e com muita renúncia até da sua vida pessoal.

    Eu queria saudar o Senador Jaques Wagner, ex-Governador da Bahia. Como disse aqui, trabalhou e ajudou muito a expansão das Obras Sociais da Irmã Dulce. O Senador Angelo Coronel também colaborou e ajudou bastante. Está aqui o nosso Senador e amigo Sérgio Petecão, o Senador Telmário Mota.

    Queria saudar o Almirante Alvaro, que serviu a Bahia e é considerado um baiano de coração pelos grandes serviços prestados à nossa terra; o Ministro-Conselheiro Encarregado dos Negócios de Cingapura, o Sr. Desmond; a Procuradora de Justiça Distrito Federal, Sra. Fabiana Barreto; o Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia, Sr. André Bandeira de Melo; o Prefeito do Município de Arraias, Sr. Antônio Barbosa Gentil; a Prefeita do Município de Arapoema, Sra. Lucineide Freitas; o Subsecretário da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e Pároco da Paróquia de São João Del Rei, Minas Gerais, Rev. Sr. Pe. Dirceu de Oliveira Medeiros, em nome de quem eu quero fazer uma saudação a todos os padres e religiosos que compareceram aqui hoje; a Procurador-Geral de Justiça do Estado da Bahia, Ediene Lousado; e todos os senhores e senhoras que compareceram hoje para esta homenagem à Santa Dulce dos Pobres, de nome Maria Rita Lopes Pontes.

    Realmente, eu tive uma graça muito grande de, ainda nos anos 70, ao lado de um colega, Taciano Campos, que foi muito importante para as Obras Sociais da Irmã Dulce, até porque ele se formou em Medicina, era meu colega. Eu fazia ortopedia, e ele cirurgia geral. E nós começamos a ajudar o hospital. Taciano Campos, depois de Maria Rita... Eu quero fazer homenagem, inclusive, póstuma a ele, porque ele já faleceu. Ele talvez tenha sido uma das pessoas mais importantes para as Obras Sociais de Irmã Dulce. Ele começou a trabalhar e resolveu se dedicar, a sua vida inteira, até o último dia da sua vida, às obras sociais. Então, foi médico exclusivo das Obras Sociais da Irmã Dulce e era um grande médico, um grande cirurgião. Fez residência médica, operava muito bem. E ele deixou um serviço prestado enorme. Organizou praticamente todo o serviço de assistência médica e de cirurgia do Hospital da Irmã Dulce.

    Nós começamos juntos, àquela época, nos anos 70, e o Hospital Santo Antônio começava a surgir como um hospital pequeno, um hospital de caridade. Nós todos éramos, como fomos a vida inteira, voluntários. Não tínhamos ideia nenhuma de contrapartida material. A contrapartida realmente era ajudar as obras sociais, e ela nos induzia muito, com muita coragem e muita fé.

    Eu acho que a Irmã Dulce, que era da Ordem de São Francisco de Assis e também devota de Santo Antônio, como ela mesmo dizia, praticamente se inspirou num dos livros importantes do Novo Testamento, que é o Livro de Tiago, que diz que "a fé, sem a obra, é morta em si mesma". Então, eu acho que a inspiração dela foi esta: muita fé e fazer a obra não só de evangelização, mas a obra de servir as pessoas pobres daquela época na Bahia.

    Então, era uma coisa fora de qualquer limite material, acima de todo limite espiritual de alguém que se comovia com a dor, a pobreza e a miséria das pessoas. Então, a Irmã Dulce, quando o hospital iniciou, saía na Cidade Baixa, nas mercearias, nos mercados que existiam, em qualquer lugar, pedindo alimento para levar para as suas obras sociais, e as pessoas doavam, doavam e ela parecia que multiplicava aquilo. Era com uma capacidade de doação a quem precisava muito grande, com uma solidariedade humana que não conheci em nenhum outro ser humano com que convivi até hoje – e já convivi com várias pessoas que também trabalham se dedicando à obra social, e não vi ninguém com essa capacidade de superação. Era uma pessoa frágil, 1,45m de altura, 42kg, tinha um problema de pulmão, um enfisema pulmonar – respirava com dificuldades –, e se superava e trabalhava naquele hospital atendendo pessoas e pacientes vítimas da desnutrição, da fome e da falta de assistência médica.

    Chamava-me atenção essa convivência com pessoas portadoras de tuberculose, em todas as suas formas – no caso da ortopedia, a tuberculose tem várias formas: tem a forma pulmonar, intestinal, óssea, articular –, com pacientes portadores de infecções generalizadas, como mielite hematogênica em crianças. Quantas vezes chegavam não só da Bahia, mas chegavam de outros Estados crianças com dez, doze anos com infecção nos ossos, infecção hematogênica? E nós operávamos lá.

    E o hospital, quando iniciou, não tinha a estrutura que tem hoje. Naquela época, até o centro cirúrgico, às vezes, o local de operar não tinha estrutura necessária.

    Eu me lembro que, nesse período, eu operava e não tinha um ar-condicionado, então uma das auxiliares de enfermagem ficava com a compressa, colocando, assim, na testa para o suor não cair na ferida cirúrgica. Não caía, nunca caiu, e o doente parece que, por milagre da mão dela, se recuperava com muita facilidade. Então, eu acho que o grande milagre foi este: passar a vida inteira ali dentro, ela convivendo com pessoas com doenças infectocontagiosas, que se transmitiam com facilidade, e ela nunca ter sido acometida de tuberculose. Por nenhuma outra doença foi acometida a Irmã Dulce.

(Soa a campainha.)

    O SR. OTTO ALENCAR (PSD - BA) – Porque me parecia... Eu tenho certeza absoluta e, depois da confirmação dos milagres e da canonização pelo Papa Francisco, da identificação realmente do milagre, como médico que sou já com 48 anos de formado em Medicina, ortopedia e traumatologia, não tenho nenhuma dúvida, pelo que aconteceu ao longo da minha vida, de tantas e quantas cirurgias que fiz em ambiente até sem muita condição técnica, de que a fé cura. Não tenho a menor dúvida disso, até porque, nesses casos todos, faltavam a alta tecnologia, os medicamentos mais necessários, toda a estrutura para a cirurgia e, ainda assim, a gente fazia e os resultados eram os melhores possíveis.

    Esse hospital, o Hospital Santo Antônio, tem quase mil leitos e há especialidades de todas as mais dedicadas e as mais sensíveis e de alto nível para o atendimento da população. Hoje nós temos lá o tratamento para a oncologia, para a cirurgia oncológica, para a quimioterapia, para a radioterapia; há a cirurgia geral, há a clínica médica, há todo tipo de atendimento.

     Recentemente – eu quero até saudar o povo da Bahia que deve estar assistindo aqui pela TV Senado e Rádio Senado –, Senadora Kátia, eu fui lá no hospital – às vezes vou ao santuário para assistir à missa de domingo. Na última vez em que eu estive lá, foi o padre Giovanni que celebrou –, onde vou, às vezes, visitar doentes. Tenho costume de ir lá porque trabalhei por lá. Fui visitar recentemente uma paciente que estava com câncer de colo do útero e que estava recebendo o tratamento lá: Rita Palmeira de Brito, uma pessoa do interior.

    Eu fui visitá-la porque eu a acompanhava e via que ela estava precisando, e, quando eu fui procurar – ela, que chegou lá com muita dificuldade e de uma forma um tanto quanto sem expectativa –, cheguei ao leito dela e ela era outra pessoa: a coragem, a força, aquela sensação de que se recuperaria da sua dor, da sua doença e teria a sua saúde de volta.

    Então, essas coisas que acontecem a quem se dedica sem a ideia da contrapartida, do que vai fazer na formação ou na dedicação da evangelização das pessoas, na recuperação da saúde, na capacidade de querer salvar vidas, só alguém ligado diretamente a Deus, a Cristo, que tenha fé pode fazer. E Irmã Dulce tinha essa fé, essa fé inabalável. Ela conseguia, na sua forma simples de se dirigir às pessoas, falar com a sua voz – qualquer ser humano fala com a sua voz –, mas ela falava de uma forma que eu nunca vi nenhum ser humano falar: ela falava com os olhos. Pelos olhos dela, você percebia que ela queria executar e que você fizesse aquilo que ela desejava. Bastava olhar e ela estava conquistando. Por isso, ela conquistou autoridades de várias tendências partidárias e ideológicas que se renderam ao seu trabalho.

    A Senadora Kátia falou do ex-Presidente da República no período militar, João Baptista Figueiredo, que lá esteve e que a ajudou; ex-Governadores; o ex–Presidentes José Sarney colaborou muito e tinha também uma dedicação muito grande a ela; e outras lideranças empresariais que, com o seu olhar, ela trouxe para ajudar essas obras sociais. Eu podia lembrar aqui: o Dr. Ângelo Calmon de Sá, que foi até lá ao Vaticano; o já falecido, um dos empresários mais corretos e decentes do Brasil na época, fundador da empresa Odebrecht, Dr. Norberto Odebrecht, que faleceu há muito tempo e era um dedicado às obras sociais da Irmã Dulce. Dr. Norberto deixou um grande legado de ajuda, ele era presidente do conselho das obras sociais, ele ajudou, quando não tinha recursos e não tinha o credenciamento do Sistema Único de Saúde, a pagar a folha – a maior preocupação dela no fim do mês –, a pagar os salários, a pagar no fim do ano o décimo terceiro. Como conseguir o décimo terceiro? E não tinha dinheiro para pagar; de repente, o dinheiro aparecia como se fosse uma coisa assim que ela atraia as pessoas que ajudavam.

    Então, eu tive essa oportunidade de conhecê-la e trabalhar no hospital, levado por ela e por Taciano Campos, e convivi muito tempo com a Irmã Dulce. E, depois, a graça maior que Deus me concedeu foi, tendo sido eleito, em 1990, Deputado Estadual pela Bahia, ao lado do Governador Antônio Carlos Magalhães – que ajudou muito as obras sociais Irmã Dulce, e se rendia a ela também; apesar de ter aquela força política, ele se rendia à Irmã Dulce –, ele me nomeou secretário de saúde. E meu primeiro ato, meu primeiro dia foi chegar ao hospital e perguntá-la o que ela desejava, o que ela ia exigir de mim como secretário de saúde. E ela determinou ao Taciano que eu fizesse aquilo que o hospital desejava. A primeira coisa: fizemos o primeiro convênio de cooperação técnica com as obras sociais da Irmã Dulce; eu assinei o primeiro convênio. Passamos o recurso para contratação de pessoal, para pagamento de pessoal e para aliviar aquela tensão que ela tinha de, no fim do mês, não ter os recursos para pagar aos seus funcionários. Começamos esse trabalho.

    E eu pude também, a partir daí, credenciá-lo pelo Sistema Único de Saúde, que, às vezes, é um sistema muito criticado, mas que tem dado solução a tantas e quantas vidas, que são salvas através dele. Fizemos o convênio e credenciamos o hospital, para ter, a partir daí, uma renda própria, não só as doações, as ajudas que as pessoas davam. Isso foi em 1991, quando eu assumi a Secretaria de Saúde. E trabalhamos ajudando a Irmã Dulce.

    Ela tinha a sua maneira de ser. Quando Maria Rita, que hoje substitui Irmã Dulce – e ela é formada em jornalismo –, se formou no Rio de Janeiro, eu me lembro de que, na formatura de Maria Rita, Irmã Dulce foi para a formatura. Sabem como é que ela foi? Ela foi, na época, com um carro chamado Caravan um carro da Chevrolet. E, para fazer a viagem, que, se não me engano, foi em 1976 ou em 1977, ela teve que ir com suprimento de oxigênio, porque a respiração dela era deficiente pelo problema que ela tinha no pulmão. Ela fez a viagem de Salvador ao Rio de Janeiro numa Caravan, o que deve ter demorado uns dois dias, com oxigênio para assistir à formatura daquela que, por obra de Deus, hoje é a sua substituta e faz muito bem lá, que é Maria Rita Lopes Pontes, que trabalha de corpo e alma se dedicando às obras sociais da Irmã Dulce.

    Aqui tenho um relatório que eu vou passar aqui para o Senado. São em torno de 12 mil cirurgias por ano, ou seja, por ano, o hospital da Irmã Dulce faz mais cirurgias do que eu fiz ao longo da minha vida de 48 anos de cirurgião. Eu acho que eu devo ter operado por volta de 12 mil, 13 mil pessoas, graças a Deus, todas muito bem. O Senador Tasso Jereissati, às vezes, brinca aqui comigo. Eu sou ortopedista, e ortopedista não pode deixar de fazer a cirurgia certinha – a perna tem que estar certinha, o braço tem que estar certinho. O Tasso Jereissati, Almirante, brinca comigo muito: quando entra qualquer pessoa mancando aqui no Senado, ele diz que fui eu que operei. E eu tenho 12 mil cirurgias, nunca tive problema com Cremeb. Meu amigo Antonio Brito, Deputado Federal, todos foram muito bem cuidados. E eu creio que esse relatório que eu tenho aqui em minhas mãos mostra que são 3,5 milhões de procedimentos anuais de atendimento ambulatorial, como exames de laboratório, bioimagens, pequenos procedimentos ambulatoriais.

    Irmã Dulce foi essa alma, esse espírito elevado, essa pessoa de alta luz como poucas... Eu não convivi com ninguém com essa força espiritual, com esse olhar que determinava aquilo que ela queria fazer, com essa mão que eu tenho certeza absoluta de que ajudava a curar a dor, a recuperar a saúde, a salvar vidas. Ela é hoje a Santa Dulce dos Pobres, primeira santa brasileira, para orgulho de todos nós que convivemos com ela, dos baianos e dos brasileiros. E deixa uma história de vida que deve ser seguida por quem tem poder na mão, porque há qualquer tipo de poder para ajudar e estender a mão aberta e levantar as pessoas que, por acaso, caem na dura estrada da vida.

    Então, a Irmã Dulce, na minha visão, é aquela santa que seguiu exatamente o que está em Tiago 2: 14-26: "A fé, sem a obra, é morta". E ela fez uma obra maravilhosa que cuida também do educandário Santo Antônio, no Município de Simões Filho, que educa 800 crianças pobres e deixadas à margem da vida e são acolhidas para educação, treinamento, saindo de lá como técnicos que podem servir à Bahia e podem servir ao Brasil.

    Eu vou deixar aqui a última frase dela que me encantava muito e me serviu como exemplo não só como médico cirurgião, professor da Universidade Federal da Bahia – foi muito tempo trabalhando e ajudando e operando pessoas que não tinham condições de ter esse tratamento em hospitais privados; a maior parte da minha vida foi trabalhando com indigentes, operando e ajudando... Então, eu deixo aqui, por último, a frase que eu achava que talvez fosse a frase que mais me chamou e mais me elevou espiritualmente: "Para ser nobre, tem que estender a mão e elevar o pobre".

    Era isso que eu queria dizer aqui hoje. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/11/2019 - Página 16