Discurso durante a 221ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre o Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro.

Autor
Jorge Kajuru (CIDADANIA - CIDADANIA/GO)
Nome completo: Jorge Kajuru Reis da Costa Nasser
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Reflexões sobre o Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro.
Aparteantes
Esperidião Amin, Paulo Paim, Paulo Rocha.
Publicação
Publicação no DSF de 20/11/2019 - Página 39
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • COMENTARIO, ASSUNTO, DIA NACIONAL, CONSCIENTIZAÇÃO, NEGRO, BRASIL.

    O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar Senado Independente/CIDADANIA - GO. Para discursar.) – Brasileiros e brasileiras, minhas únicas vossas excelências, meus únicos patrões, seu empregado público Jorge Kajuru volta a esta tribuna, Presidente gaúcho, amigo estimado Lasier Martins, 20 de novembro de 2019, numa terça-feira gostosa neste Plenário, em que democraticamente a gente vai ouvindo as opiniões e concluindo que, cada vez mais, precisamos aprender que brigam as ideias e não os homens.

    Eu quero aproveitar as principais datas nacionais para, sejam as mulheres, sejam os jovens, sejam as crianças, aprofundar-me na situação desses segmentos dentro da sociedade brasileira. E aqui analisar as políticas públicas que venham ao encontro de suas necessidades.

    A experiência, Senador Lasier, Senadores e Senadoras, desses dez meses de exercício do meu mandato, fixou a minha convicção de que devo vir a esta tribuna para reverberar e reverberar com força, de forma altissonante, o que a população gostaria de dizer, mas não tem a oportunidade. Sendo assim, não quero hoje apenas tecer loas ao Dia da Consciência Negra, quero falar aqui por 58% da população brasileira nega, parda, mulata, mostrando as vísceras de uma sociedade racista tão preconceituosa, que tem preconceito de ter preconceito, ainda escravizadora, capaz de deixar no limbo social mais de metade de nossa população.

    Estamos no século XXI, há 131 anos da assinatura da chamada Lei Áurea, em 1888, e há 324 anos da morte de Zumbi dos Palmares, símbolo da consciência negra no Brasil, ocorrida em 1695. Apesar dessa cronologia histórica, vivemos a plenitude do propalado mito da democracia racial brasileira, disfarçando um racismo que exclui os afro-brasileiros da sociedade, do direito a ter direitos e que os relega a uma cidadania de segunda classe. Triste! A crença de que não existe problema racial no Brasil, somado a atitude do autobranqueamento da própria população negra brasileira, disfarça os antagonismos raciais, desmobiliza parte da comunidade afro-brasileira e leva o Poder Público a tratar a questão com descaso ou de forma equivocada.

    O conceituado jornalista, historiador e escritor Laurentino Gomes, autor da mais completa historiografia brasileira contemporânea com os livros 1808, 1822 e 1889, lançou, na última bienal do Rio de Janeiro, a Bienal do Livro, o primeiro livro de uma trilogia sobre a escravidão no Brasil: Escravidão – Volume I.

    É olhando a história, caros colegas e Pátria amada, que aprendemos que as ondas de preconceito, dor e racismo, provocadas pela chegada dos navios negreiros, que, durante mais de três séculos, trouxeram cerca de 5 milhões de escravos da África até o Brasil, ainda, Presidente Lasier, batem com força e geram efeitos devastadores na sociedade. Desigualdade e segregação estão entre os mais visíveis, mas sabe o Senador Paim que não são os únicos, como aqui descreverei.

    A escravidão no Brasil, historicamente, desde a vinda dos africanos para o Brasil, foi um círculo de horror – horror! O tráfico negreiro da África para o Brasil foi feito com requintes de crueldade e brutalidade. Nos porões dos navios negreiros, pelo menos 1,8 milhões de escravos morreram...

    O Sr. Paulo Paim (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Claro.

    O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar Senado Independente/CIDADANIA - GO) – ... cerca de 14 por dia – e eram lançados ao mar.

    Os relatos de época...

    O Sr. Paulo Paim (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Senador Kajuru, permite-me um aparte no momento adequado?

    O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar Senado Independente/CIDADANIA - GO) – Sem dúvida nenhuma, Senador Paim.

    O Sr. Paulo Paim (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Desenvolva, porque está muito bacana o seu pronunciamento.

    O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar Senado Independente/CIDADANIA - GO) – Com prazer.

    São relatos, Senador Paim, de época que dão conta de que a situação era tão terrível que mudou o comportamento dos cardumes de tubarões, que passaram a seguir os navios negreiros pela comida fácil, ou seja, a dor e o sofrimento provocados pela escravidão começavam bem antes da chegada ao Brasil. Se não bastasse, fomos o maior território escravista do continente americano e fomos o último a abolir o tráfico negreiro e pôr fim à chaga da escravidão.

    Portanto, Senador Paim – concederei com prazer seu aparte –, a única forma de reverenciarmos Zumbi dos Palmares é denunciando a situação do negro no Brasil. E Joaquim Nabuco já dizia que não bastava acabar com a escravidão; também era necessário acabar com seu legado. E isso jamais foi feito no Brasil.

    Prazerosamente, um aparte ao Senador Paulo Paim.

    O Sr. Paulo Paim (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Para apartear.) – Senador Kajuru, meus cumprimentos pelo pronunciamento.

    Nós temos, no mês de novembro... Dia 20 de novembro é a data em que a gente homenageia Zumbi dos Palmares, o grande líder da comunidade negra.

    Fico muito feliz, quando V. Exa. fala, inclusive, dos navios negreiros. Para aqueles que não imaginam o que é isso, calculem... Você que não é negro...

    Juremir Machado, um grande radialista, seu amigo da Rádio...

    O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar Senado Independente/CIDADANIA - GO) – Sim, claro.

    O Sr. Paulo Paim (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – ... Guaíba, escreveu um belo livro agora: Acordei Negro. O livro fala que ele nasceu, acordou e era negro. É um brilhante livro que ele fez. O Juremir é muito respeitado em nível estadual e nacional.

    Mas eu queria mostrar, aproveitando a oportunidade que V. Exa. me dá, a situação daquele cidadão que mora na França, na Itália, na Alemanha e vem um navio, pega parte da família, joga dentro daquele navio, sequestra aquela população e joga num outro país, num outro continente. Como é que fica? Há revolta, há indignação. Tanto é que grande parte deles morriam porque se jogavam no mar e tentavam voltar, nadando, para sua pátria mãe, no caso a África. O que aconteceu neste País com a comunidade negra tem que ser refletido, tem que ser aprofundado o debate, como V. Exa. faz neste momento.

    Ontem fizemos, na Comissão de Direitos Humanos, um debate do que foi na linha que V. Exa. está colocando, claro, com outros argumentos e muito sólidos – outros foram colocados lá. Na sexta-feira, teremos uma sessão neste Plenário com relação à escravidão no Brasil; e teremos, no dia 9 de dezembro, na véspera do Dia Internacional dos Direitos Humanos, uma sessão de debate aqui, para discutir direitos humanos e a questão da escravidão do povo negro.

    Eu quero mais é cumprimentar V. Exa. V. Exa. foi muito feliz outra vez, está com dados, com números, demonstrando o quanto foi cruel – e é cruel até hoje – o preconceito racial contra o povo negro. Eu fico com aquela frase, da qual eu gosto muito, de Martin Luther King: Eu sonho um dia ver negros, brancos, índios, migrantes e imigrantes, ciganos sentados na mesma mesa...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Paulo Paim (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – ... na sombra da mesma árvore e comendo do mesmo pão.

    O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar Senado Independente/CIDADANIA - GO) – Lindo.

    Obrigado, Senador Paim, pelo aparte com um conteúdo deste, o que me faz também lembrar de Vinícius de Moraes, o grande poetinha. Ele dizia: como é bom ser o branco mais preto do País – Vinícius.

    Outro aparte que, com o mesmo prazer, cedo ao Senador Paulo Rocha, do Pará. Por gentileza.

    O Sr. Paulo Rocha (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA. Para apartear.) – Parabéns, Senador Kajuru, ainda bem que existe a rebeldia. E nós estamos comemorando hoje, e ao enriquecer seu discurso, um grande rebelde que foi Zumbi dos Palmares, porque no cativeiro você soa rebeldia num processo de libertação do seu povo e da sua gente.

    E eu queria aduzir ao seu discurso a questão da continuidade da escravidão do nosso País.

    O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar Senado Independente/CIDADANIA - GO) – Sim.

    O Sr. Paulo Rocha (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) – E é mais moderna. Senador Kajuru, quando nós chegamos aqui como Deputado, lá na Câmara Federal, em pleno 1992, 1993, o Deputado Paulo Paim era o Presidente da Comissão do Trabalho e eu era o Vice, e ali, com a experiência que eu vim lá do Pará, porque ainda existia ou ainda existe trabalho escravo lá dentro das florestas, dentro das grandes fazendas, nas derrubadas, nós conseguimos aprovar um projeto de lei, de minha autoria, que é o combate ao trabalho escravo. Esse projeto que hoje é usado pela própria fiscalização do trabalho no combate ao trabalho escravo. Mas, naquela época, nós usamos, inclusive, os companheiros de comunicação, como o senhor, rádios, artistas de televisão, etc., para produzir o debate na sociedade, para dizer que existia o trabalho escravo ainda, porque a sociedade brasileira não acreditava que ainda existe, neste momento da nossa história, essa exploração do trabalho escravo em nosso País.

    O seu discurso vem num grande momento não só por homenagear os nossos negros, através de lideranças como Zumbi dos Palmares, mas por chamar a atenção da sociedade para esse período perverso da história do nosso País, que teima ainda em continuar a explorar os nossos pobres trabalhadores.

    O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar Senado Independente/CIDADANIA - GO) – Muito obrigado, Senador Paulo Rocha.

    Senador Lasier, é muito importante...

(Intervenção fora do microfone.)

    O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar Senado Independente/CIDADANIA - GO) – É o Senador Amin? Desculpe, é pela minha visão de apenas 6%. Que prazer a nossa cultura do Congresso, o Senador catarinense Esperidião Amin, em aparte a este pronunciamento que faço de forma emocionada.

    Muito obrigado, Paulo Paim, e muito obrigado, Paulo Rocha.

    Agora, a voz do nosso querido Amin.

    O Sr. Esperidião Amin (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/PP - SC. Para apartear.) – Eu quero acumular – não acrescentar, acumular – o meu aparte ao belo pronunciamento que V. Exa. faz – e o faço logo após o do Senador Paulo Rocha –, porque V. Exa. citou os livros do Laurentino Gomes, e eu, casualmente, estou concluindo a leitura de Escravidão – eu já havia lido os três primeiros –, que, por sinal, será o primeiro volume de uma trilogia que ele vai lançar sucessivamente.

    Esse é realmente um livro que traz muitas informações novas, inclusive acerca da antiguidade da escravidão, da origem do nome escravidão, o escravo, o slave, o schiavo, nas várias línguas que conhecemos ou, pelo menos, nas expressões linguísticas de que temos notícia. E o que eu quero acrescentar é que o Brasil foi vítima dessa grave mancha da humanidade, até porque os primeiros escravos eram brancos e de olhos azuis, eslavos. Portanto, o Brasil viveu, intensa e dolosamente, até hoje, o resultado da escravidão do afro, mas também de índios, tomados como escravos e exportados do Brasil. E, mais do que isso, tivemos de todas as raças pelo mundo afora, demonstrando essa tirania que nós carregamos dentro de nós, porque nós somos seres humanos, e aqueles não eram geneticamente piores do que nós somos. Nós não podemos subestimar tanto a carga de capacidade de fazer o bem como a de capacidade de fazer o mal, que todos nós, como seres humanos, na minha convicção, divinamente projetados e criados, temos. É a carga que nós temos dentro de nós para fazer o bem, repito, e para fazer o mal.

    E o seu discurso nos ajuda, nos anima a fazermos o bem e a termos remorso, que é o começo do bem. É impossível alguém conseguir o perdão sem reconhecer o erro e, reconhecendo o erro, ter a mortificação, o remorso, o desejo de fazer alguma coisa para reparar aquele mal praticado, consciente ou inconscientemente.

    Eu quero cumprimentá-lo pela sua manifestação muito oportuna e dizer que, no exercício do mandato, nós todos devemos levar em conta essa advertência, à qual eu adiciono uma que V. Exa. já conhece, que não é nova, que é aquela do Kiril, que seria uma antevisão do Karol Wojtyla, dizendo que poucos homens alcançam a sabedoria de poder avaliar a consequência de cada ato que praticam. E, se cada um de nós puder refletir sobre as consequências das nossas decisões, nós começaremos a ter mais cuidado para fazer o bem e muito mais cuidado para evitar fazer o mal.

    O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar Senado Independente/CIDADANIA - GO) – Presidente Lasier Martins, em função do tempo, eu tinha mais para falar, mas para que falar mais, para que querer mais, como diz a música, para que dizer mais, depois de apartes tão importantes, concluindo agora com o Senador Amin? Eu voltarei a esse assunto, a esse tema, para uma reflexão de todos nós sobre essa triste realidade no Brasil que é o preconceito, que só o ignorante não admite que existe. Ele existe, ele está na nossa cara, e precisamos enfrentá-lo.

    Agradecidíssimo pela tolerância.

    Muito obrigado pelos apartes. Saio daqui feliz.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/11/2019 - Página 39