Pronunciamento de Eliziane Gama em 09/07/2020
Questão de Ordem durante a 66ª Sessão Deliberativa Remota, no Senado Federal
Apresentação de Questão de Ordem, com fundamento nos artigos 403 e 408 do Regimento Interno e artigos 1º, 2º e 5º, inciso XXXVI, parágrafo único, da Constituição Federal, para solicitar o adiamento da discussão do Projeto de Lei de Conversão (PLV) nª 18, de 2020, proveniente da Medida Provisória (MPV) nº 927, de 2020, que dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento da pandemia da Covid-19.
- Autor
- Eliziane Gama (CIDADANIA - CIDADANIA/MA)
- Nome completo: Eliziane Pereira Gama Melo
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Questão de Ordem
- Resumo por assunto
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SENADO:
- Apresentação de Questão de Ordem, com fundamento nos artigos 403 e 408 do Regimento Interno e artigos 1º, 2º e 5º, inciso XXXVI, parágrafo único, da Constituição Federal, para solicitar o adiamento da discussão do Projeto de Lei de Conversão (PLV) nª 18, de 2020, proveniente da Medida Provisória (MPV) nº 927, de 2020, que dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento da pandemia da Covid-19.
- Publicação
- Publicação no DSF de 10/07/2020 - Página 12
- Assunto
- Outros > SENADO
- Matérias referenciadas
- Indexação
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- APRESENTAÇÃO, QUESTÃO DE ORDEM, PROJETO DE LEI DE CONVERSÃO (PLV), LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, COMBATE, PANDEMIA, NOVO CORONAVIRUS (COVID-19), MOTIVO, CONTRADIÇÃO, LEIS.
A SRA. ELIZIANE GAMA (Bloco Parlamentar Senado Independente/CIDADANIA - MA. Para questão de ordem.) – Presidente, eu queria cumprimentá-lo e cumprimentar as colegas Senadoras e Senadores.
Presidente, o que nós temos hoje aqui em processo para ser analisado, discutido e votado é uma proposta, Presidente, que, no meu entendimento, é muito ruim para o trabalhador brasileiro. Traz muita indignação quando nós temos, num período de pandemia, um decreto que é apresentado... E é muito bom que a gente lembre isto: o estado de calamidade é criado exatamente para flexibilizar a legislação brasileira, no sentido de encontrar mecanismos para a proteção da população. Então, é esse o ponto fundamental, ou seja, você tem um período que é um período atípico, um período extremamente complicado, uma crise muito grave, em que você precisa flexibilizar a legislação brasileira, inclusive fazer altos investimentos, algo em torno de 8% do PIB. Para quê? Para proteger o homem e a mulher brasileira.
O que nós temos agora? Nós temos, no meio desta pandemia, uma proposta que originalmente veio nessa medida provisória e um dos pontos dessa medida é exatamente, no meu entendimento, a desconstrução de um arcabouço legal que foi criado para proteger o trabalhador, regular as relações de trabalho e criar o direito processual do trabalho.
Isso se deu, na verdade, muito lá atrás, ainda no período autoritário brasileiro, exatamente com qual objetivo? Proibir relações abusivas de trabalho porque não havia naquele momento leis que regulassem horários, condições de trabalho e benefícios para esse trabalhador. Ou seja, foi uma conquista que foi alcançada pelos trabalhadores para garantir minimamente condições de trabalho.
Ao longo dos últimos tempos, inclusive agora nos governos que se passaram, se tentou, em vários momentos, uma forma na verdade de desconstruir esses direitos. Ora, para mim, não é novidade quando nós temos um Governo que fez a exclusão de um ministério que tratava especificamente dessa pasta para se reduzir a uma secretaria que, ao longo dos últimos meses, trabalha, a todo momento, em várias medidas provisórias e em seus discursos claramente, numa tentativa de colocar essa proteção em segundo plano.
Então, hoje o que nós temos é exatamente essa avaliação, neste momento, nesta medida provisória. Então, não há, Presidente, condições de a gente fazer uma discussão em um projeto que é cheio de jabuti. E, é bom lembrar, nem o Governo Temer, que foi tão criticado pela sociedade brasileira, conseguiu fazer alterações tão drásticas como este Governo tenta fazer em relação aos trabalhadores brasileiros.
Portanto, eu quero ler aqui, Presidente, uma questão de ordem, com a permissão de V. Exa. E faço questão de ler na íntegra porque eu vejo que é extremamente importante, que é respaldada, Presidente, nos arts. 403 e 408 do Regimento Interno do Senado Federal e também no que estabelecem os arts. 1º, 2º e 5º, inciso XXXVI, parágrafo único, da Constituição Federal, que respalda na verdade a nossa questão de ordem.
Então, vejamos.
O art. 48, incisos II e também XI, do Regimento Interno do Senado Federal determina que competem ao Presidente da Casa os deveres de velar pelo respeito às prerrogativas do Senado e às imunidades dos Senadores, bem como de impugnar as proposições que lhe pareçam contrárias à Constituição, às leis e ao Regimento.
Sr. Presidente, a Medida Provisória 927, de 2020, dispõe sobre as medidas trabalhistas que poderão ser adotadas pelos empregadores para a preservação do emprego durante o estado de calamidade de saúde pública decorrente do coronavírus, Covid-19, contudo acrescenta pontos demasiadamente prejudiciais aos trabalhadores, ferindo a Carta Magna e a legislação trabalhista.
Primeiramente, cumpre salientar que o art. 2º do projeto de lei de conversão oriundo da medida provisória fixa que, durante estado de calamidade pública, o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição Federal. Esse dispositivo está em sentido diametralmente oposto ao estabelecido pela Consolidação das Leis Trabalhistas, o que poderá propiciar abusos por parte dos empregadores, os quais poderão impor acordos desvantajosos aos empregados e contrários à legislação vigente.
Outro ponto sensível é a inserção do parágrafo único no art. 10, que determina a devolução da remuneração de férias antecipadas e gozadas quando o empregado não tiver completado o período aquisitivo e pedir demissão. Aliás, Presidente, este aqui é um dos destaques do Cidadania. Nesse caso, o desconto é indevido por se tratar de força maior, considerando que a antecipação se deu por necessidade e não por pedido do empregado. Assim sendo, a norma é injurídica por transferir ao empregado os riscos do empreendimento, em contrariedade ao postulado da alteridade, previsto nos arts. 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto nº 5.452, de 1º de maio de 1943, lá no Estado Novo, um momento realmente crítico, em que o trabalhador brasileiro, infelizmente, era submetido a condições extremamente desumanas. E é o que nós, infelizmente, estamos hoje acompanhando: a desconstrução desses direitos.
O parágrafo único do art. 28 do PLV também é flagrantemente inconstitucional. O dispositivo determina a suspensão do cumprimento dos acordos trabalhistas em andamento, bem como do protesto de títulos executivos: primeiro, celebrados na rescisão do contrato de trabalho, como os acordos judiciais e as reclamações trabalhistas; segundo, que disponham sobre planos de demissão voluntária, nos termos do art. 477 da Consolidação das Leis do Trabalho. Tal suspensão atinge as empresas que tiveram a sua atividade paralisada, total ou parcialmente, pelo Poder Público. Trata-se de norma que, entre as necessidades do empregado e do empregador, privilegia o tomador de serviços, em descompasso com o postulado da alteridade, previsto nos arts. 2º e 3º da CLT, por repassar os riscos do empreendimento ao trabalhador.
Além disso, há inconstitucionalidade formal por se tratar de matéria estranha à medida provisória, violando os arts. 1º e 2º da Constituição Federal, bem como o art. 28, parágrafo único.
É muito bom lembrar que nós já temos uma ação de inconstitucionalidade, da Ministra Rosa Weber, tratando exatamente desse tema.
Também está configurada inconstitucionalidade material por violação ao art. 5º da Carta Magna por permitir o descumprimento de títulos executivos judiciais.
Por fim, ressaltamos a precariedade da previsão de dispensa da realização de exames, inclusive os demissionais, nos contratos de trabalho de curta duração e também de safra, violando o art. 7º, inciso XXII, da Constituição Federal, que garante a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de norma de saúde, higiene e segurança.
Diante do exposto, Sr. Presidente, pedimos o adiamento da discussão da Medida Provisória 927 e a exclusão dos dispositivos contrários à Constituição Federal, nos termos do art. 48, incisos II e XI, do Regimento Interno do Senado Federal.
Sr. Presidente, devido à relevância do tema, peço que a manifestação de V. Exa. sobre essa nossa questão de ordem se dê agora.
E só mais uma coisa. É muito bom a gente lembrar: o Presidente da República, todos os dias, avoca nos seus discursos o seu princípio de cristianismo. O cristianismo que eu conheço, Presidente, é o cristianismo do amor ao próximo. Eu quero deixar isso aqui registrado para todos. Quando alguém perguntou para Jesus qual era o maior de todos os mandamentos, ele disse: "Amarás o teu Deus acima de todas as coisas e o teu próximo como a ti mesmo". Esse é o princípio maior do cristianismo, é o amor. E saibam de uma coisa: nesta medida provisória, está muito longe qualquer tipo de sensibilidade e humanidade com o trabalhador brasileiro.
Então, Presidente, eu queria lhe pedir, em nome dos trabalhadores brasileiros, que nós possamos adiar a discussão desta matéria. Aliás, nós deveríamos deixar essa medida provisória caducar, Presidente. Era o mínimo que nós poderíamos fazer hoje pelos trabalhadores do nosso País.
Muito obrigada, Presidente.