Discurso durante a 108ª Sessão de Debates Temáticos, no Senado Federal

Sessão de Debates Temáticos destinada à discussão sobre a apresentação do Plano de Vacinação do Governo Federal e dos Governos Estaduais contra o novo coronavírus (Covid-19).

Autor
Marcelo Castro (MDB - Movimento Democrático Brasileiro/PI)
Nome completo: Marcelo Costa e Castro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE:
  • Sessão de Debates Temáticos destinada à discussão sobre a apresentação do Plano de Vacinação do Governo Federal e dos Governos Estaduais contra o novo coronavírus (Covid-19).
Publicação
Publicação no DSF de 18/12/2020 - Página 10
Assunto
Outros > SAUDE
Indexação
  • SESSÃO DE DEBATES TEMATICOS, APRESENTAÇÃO, PLANO, VACINAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, COMBATE, NOVO CORONAVIRUS (COVID-19), PANDEMIA.

    O SR. MARCELO CASTRO (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - PI. Para discursar.) – Eu quero dar meu bom-dia a todos, cumprimentar a nossa Presidenta Leila, os nossos colegas e os convidados: o Ministro Eduardo Pazuello; a Francieli Fantinato, Coordenadora Nacional do Programa de Imunização do Ministério da Saúde; o Arnaldo Medeiros, Secretário de Vigilância em Saúde; o Dimas Covas, Diretor do Instituto Butantan; o Rodrigo Murtinho, Diretor da Fiocruz; Carlos Lula, Presidente do Conass; e Wilames Freire, Presidente do Conasems.

    Nós estamos, senhoras e senhores, enfrentando a maior crise sanitária dos últimos anos. Desde que ela surgiu em Wuhan, Hubei, na China, está completando agora, neste mês, um ano. A Organização Mundial de Saúde, já no mês de janeiro, decreta emergência em saúde pública de interesse internacional. E ela chega ao Brasil no início de fevereiro.

    Infelizmente, nós começamos, embora muitos cientistas alertassem para a gravidade do problema, com muitas pessoas numa linha negacionista: que seria uma gripezinha que não iria matar mais do que a H1N1 havia matado no ano anterior, o que seriam 780 pessoas; que todo mundo iria pegar esse vírus, que era uma força da natureza, e que o isolamento social seria um desperdício, uma bobagem; e que, por ser uma força da natureza, ela tinha um ciclo autônomo e, com 12 a 13 semanas, findaria.

    Qual é a realidade hoje? Em vez de morrerem menos de mil pessoas, já morreram 184 mil; e em vez de 12 a 13 semanas, nós estamos com 12 a 13 meses. Então, vejam as previsões completamente erradas. O pior é que essas pessoas tinham influência perante autoridades e naturalmente influíram para que as medidas não fossem tomadas na hora, na intensidade e na quantidade necessária.

    Qual é o quadro, hoje, no mundo? Nós temos 75 milhões de casos, contaminados; temos 1,650 milhão de mortos; temos 700 mil casos diários notificados; e temos 13,5 mil mortes diárias no mundo inteiro. E no Brasil? Nós temos 7 milhões de casos, 183 mil mortes... Ontem tivemos 68 mil casos novos, sem computar os dados de São Paulo, o que nos leva a um patamar superior a 70 mil, o que nunca tivemos durante toda a pandemia – então, estamos no pico máximo da pandemia –, e morreram 968, computados, em São Paulo, sendo lícito supor que a quantidade de mortos, ontem, ultrapassou mil casos. Então, nós estamos no pior momento brasileiro e mundial da pandemia que nos acomete já há um ano.

    Mas eu gostaria de analisar aqui com V. Exas.: quando a gente vai utilizar o número de mortos para saber a gravidade e a extensão de uma enfermidade, a epidemiologia sempre calcula em torno de 100 mil habitantes ou em torno de 1 milhão de habitantes, porque, em um país mais populoso, evidentemente que morrem mais se a doença for da mesma intensidade; num país menos populoso, morrem menos. Então, vamos pegar o caso aqui do nosso Brasil, os dados de hoje: morreram, no Brasil, 862 pessoas para cada milhão de habitantes. Ou seja, se nós pegarmos 210 milhões e dividirmos por 862, nós vamos encontrar 183 mil pessoas que morreram no Brasil. Nos Estados Unidos, já morreram 948 para cada milhão de habitantes; na França, 908; na Itália, 1,101 milhão; e, na Espanha, 1 milhão. Então, vamos botar aqui, Senador Esperidião Amin, uma média; nesses países ocidentais, em que temos culturas muito semelhantes: já morreram, devido à pandemia, mil pessoas para cada milhão de habitantes em média – nuns mais, noutros menos, mas, em média, mil. Aí nós vamos para alguns países orientais. Japão, por exemplo: morreram 21 pessoas! Olha, nós saímos da casa de mil para 21 pessoas para cada milhão de habitantes! Na Coreia do Sul, que foi um dos primeiros países acometidos pelo vírus, morreram 12 – 12 pessoas! – por milhão de habitantes. Na China, onde começou o problema, o país mais populoso do mundo, morreram três pessoas – três! – para cada milhão de habitantes. No Vietnã morreu 0,4, que é um país populoso. E em Taiwan, que tem uma facilidade maior, porque é uma ilha, embora populosa, com 26 milhões de habitantes, morreu 0,3 pessoa por milhão de habitantes. Então, aqui há um corte nítido: países ocidentais versus países orientais.

    O fato é que nós, em algum momento, não fizemos o dever de casa. Não estou criticando A, não estou criticando B, não estou criticando C; mas, se nós somos o segundo país do mundo em número de mortos, e não somos o segundo país do mundo em número de habitantes, evidentemente que nós não tratamos esse problema com a gravidade, com a seriedade, com a urgência com que ele precisaria ter sido cuidado. Não estou aqui jogando pedra em ninguém, nem acusando ninguém, estou constatando fatos.

    Os Estados Unidos já têm mais de 300 mil mortes, e nós estamos beirando 200 mil mortes, que são, mais ou menos, dois terços da população de mortos que os Estados Unidos têm.

    Agora vem o problema das vacinas. Sra. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, o Brasil tem o Programa Nacional de Imunizações, que foi criado através de uma lei em 1973. E, se há uma coisa no Brasil que verdadeiramente merece aplauso de toda a sociedade é o nosso PNI, que, com a criação do SUS, foi incorporado e hoje faz parte do Sistema Único de Saúde do Brasil, que, é bom que se diga, é um sistema único, mas é interfederativo. O SUS não é só da União, é da União, dos Estados e dos Municípios a um só tempo. E o SUS só funciona bem quando ele tem uma sinergia, uma harmonia entre a União, os Estados e os Municípios, o que significa dizer que é imperiosa a necessidade de uma harmonização entre as ações da União, dos Estados e dos Municípios.

    Alguns países já estão vacinando, e nós aqui, infelizmente, ainda estamos envoltos em questões filosóficas, ideológicas, religiosas, morais, se a vacina deve ser obrigatória, se não deve ser obrigatória, se precisa assinar um termo de responsabilidade, se não precisa assinar um termo de responsabilidade, quando os outros países já estão tomando as providências para serem vacinados.

    Para os que não são versados no assunto – eu também não sou, mas, como médico, professor universitário, ex-Ministro da Saúde, tenho a obrigação de ter um conhecimento mais específico do assunto –, quando um medicamento novo, uma vacina vai ser lançada no mercado, ela tem que cumprir um protocolo internacional aceito por todas as agências reguladoras do mundo inteiro. Então, primeiro, esse medicamento é testado in vitro. Se for eficaz, vai-se para in vivo. E aí passa-se a aplicar em pequenos animais e, se se mostrar efetivo, seguro, vai para os primatas, nossos primos na evolução, e, se tudo isso se comprova seguro e eficaz, aplica-se num número muito restrito de pessoas, de seres humanos. Chama-se a Fase I do protocolo.

    Nessa Fase I, observa-se, Senador Tasso Jereissati, principalmente a segurança daquele medicamento, daquela vacina. Se ela não se mostra segura, ela já não vai para frente, nada mais interessa daquele medicamento; ele é descartado. Por quê? Porque não tem segurança.

    Na Fase II, você já aplica num número maior de pessoas, mais restrito ainda, porque você ainda não tem a segurança absoluta, a segurança com mais garantia – já que em Medicina não existe nada absoluto –, para poder ir à Fase III. Então, quando você faz essa Fase II, em que o medicamento se apresenta seguro, aí você faz a Fase III.

    E, na Fase III, são milhares de pessoas normalmente pesquisadas, em vários países do mundo, como está sendo agora no Brasil. A pesquisa da Pfizer, da AstraZeneca, da Sinovac, da Janssen, que estão sendo feitas aqui no Brasil e em diversas partes do mundo também. E aí, se a vacina cumpre a Fase III, em que se observa, especialmente, a sua eficácia, aí, então, ela vai ser submetida aos órgãos de controle – no nosso caso aqui a Anvisa –, para ela ser aprovada ou não. Se ela cumpriu os requisitos de segurança e eficácia, então ela é aprovada e lançada no mercado. Garantia de 100% de que não vai ter nenhum efeito? Não, isso não existe em Medicina. O alimento universal mais consumido, desde o dia em que a pessoa nasce, é o leite, e há pessoas que não podem tomar leite. Então, nós nunca podemos garantir nada, porque nós não sabemos como cada organismo vai responder, reagir individualmente.

    Mas o fato é que, hoje, nós temos que tomar uma decisão. Vamos usar a vacina? Vamos, claro que vamos! Que vacina? A que nós temos à nossa mão é a CoronaVac, duma parceria do Instituto Sinovac com o Butantan, nosso principal centro produtor de vacina, secular, respeitado no mundo inteiro e que todo ano fabrica aí milhões de vacinas, e nós tomamos. Eu mesmo sou o primeiro. Eu tomo a vacina da gripe no primeiro dia. Faz 20 anos em que não sou o primeiro a tomar, mas, no primeiro dia, eu já tomo. E, felizmente, de todas as vacinas, seria aquela que, do ponto de vista teórico, científico, menos questionável quanto à sua segurança. Por quê? Porque é aquela que é feita com a tecnologia mais dominada, mais antiga, que é a do vírus inativado. Não estou querendo dizer que as outras não sejam seguras; são igualmente seguras, mas são tecnologias modernas, como a da Moderna e a da Pfizer, porque, pela primeira vez na história, nós estamos fazendo uma vacina sintética, o que é uma grande vantagem, porque permite fabricar uma grande quantidade de uma vez só.

    Então, nós temos hoje a vacina da Pfizer sendo aplicada em grande parte do mundo; a da Moderna, que tudo indica que será aprovada, dentro de poucas horas, nos Estados Unidos; a da Gamaleia, que é a Sputnik, na Rússia; e outras que estão um pouco, um passo mais atrás, que é a da AstraZeneca, que tem uma parceria com a nossa Fiocruz daqui, que é do Ministério da Saúde; a Janssen; a CureVac, da Alemanha; e a Sanofi, que é francesa.

    Bom, uma coisa para que eu quero chamar atenção de V. Exas., do Ministro da Saúde, dos palestrantes é a responsabilidade que nós, como seres, como homens públicos, precisamos ter. Há um movimento que não é brasileiro, é mundial, que tem várias causas, mas me parece – pelo menos os cientistas pensam assim – que começou principalmente com um estudo inglês de um cientista que disse que as vacinas causariam autismo. Comprovou-se que o cientista falsificou os números, ele foi expulso da universidade, mas o mal já tinha sido feito. E, no mundo inteiro, existe um movimento antivacina. Então, nós vimos recentemente o Obama, o Bill Clinton, o Bush filho, que vão, nos Estados Unidos, para a fila se vacinar, para mostrar para a opinião pública que a vacina é segura e necessária. É isso que nós precisamos fazer, nós autoridades aqui. Eu, o Amin, que já somos septuagenários – não vamos furar a fila –, podemos dar esse exemplo. O Presidente Sarney, o Presidente Fernando Henrique, o Lula, a Dilma, o Michel Temer, o Collor, eu acho que poderiam também dar o exemplo, junto com o Ministro da Saúde, e fazer um ato para mostrar para a opinião pública que isso é necessário para tirar esse temor.

    Por que eu digo isso? Porque esse temor está crescendo no Brasil. O Datafolha fez agora uma pesquisa em que 22% da população brasileira declararam que não vão tomar vacina da CoronaVac – aliás, da CoronaVac, não: não vão tomar vacina contra a Covid, qualquer que seja ela –; e 52% não vão tomar a vacina da China, a CoronaVac. Ora, isso a gente tem que reconhecer que é uma desinformação, porque a vacina da Bio-Manguinhos, da Fiocruz, em parceria com a AstraZeneca, também é chinesa. Os nossos técnicos da Anvisa foram visitar os laboratórios da Sinovac, foram visitar os laboratórios da AstraZeneca onde? Na China. Por quê? A fábrica da AstraZeneca está na China!

    Isso é um preconceito difundido sem a menor finalidade, que só traz prejuízo, que prejudica a saúde da população. Isso é que precisa ser dito em termos técnicos, científicos e humanitários, porque pessoas vão morrer se não tomarem a vacina. E o que é pior: vão provocar a morte de outros. Porque a pessoa pode dizer: "Não, eu não quero me vacinar. Se eu morrer, é problema meu". Se a pessoa se contaminasse e não transmitisse a sua contaminação a outro, nós poderíamos até entender que efetivamente se trata de um assunto particular. Mas, para quem vive em sociedade, é evidente que o seu direito individual tem que estar submetido ao direito coletivo. A sua liberdade vai até onde você esbarra com a liberdade do outro.

    Então, nós precisamos é parar com essa questão ideológica, filosófica, religiosa, moral – isso nunca foi e nunca será ciência – e abraçar a ciência, e abraçar o nosso SUS, e fazer o que o Ministro e o Presidente começaram a fazer ontem, que merece todos os nossos aplausos.

    Foi lançado o programa de vacinação no Palácio do Planalto com a presença da imensa maioria dos Governadores do Brasil. É isso que nós precisamos fazer: União federal, Estados e Municípios em uma ação só, sinérgica, harmônica, trabalhando no mesmo sentido, porque, senhores e senhoras, nós só temos uma saída, nós não temos duas; nós só temos a vacina. E, porque nós não tomamos as medidas no tempo hábil, as vacinas estão escasseando.

    A Pfizer nos ofereceu a vacina logo no início, e nós nunca respondemos se queríamos ou não. Aí, ela vendeu para a Inglaterra, ela vendeu para os Estados Unidos, ela vendeu para o Canadá, ela vendeu para o México, ela vendeu para o Chile, que esta semana já vai começar a vacinar, ela vendeu para o Panamá, vendeu para a Costa Rica, vendeu para a Colômbia, e nós ainda estamos em negociação para comprar ou não comprar. Na hora em que nós dissermos "Vamos comprar", ela vai dizer "Não tenho mais; só tenho para o segundo semestre ou só tenho para 2022". É uma vacina extraordinária, cujo único questionamento sobre ela seria a questão de freezers.

    E nós temos que lembrar que o Brasil tem uma população, Senador Izalci, urbana. Brasília não tem condições de armazenar, não há freezers para armazenar vacina para sua população? São Paulo não tem, assim como Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Salvador e Recife? Isso não se justifica. Então, se não pode levar vacina para o interior do Brasil, vamos com essa vacina vacinar os centros urbanos mais populosos do Brasil e, com a CoronaVac, que está à nossa disposição, com 46 milhões de doses, podendo ser aumentadas, e que pode ser na temperatura de freezers normais, nós, então, vacinaríamos o interiorzão do País. É uma questão só de logística, de boa vontade e de tomada de decisão.

    Então, finalizo, agradecendo a todos, parabenizando o Ministro Pazuello, que tomou a medida e que ontem foi claro em afirmar que o Brasil vai comprar aquela vacina que estiver disponível e, naturalmente, aprovada pelos órgãos reguladores. Isso é um grande conforto para todos nós, porque, quando nós vamos tomar um medicamento, quando vamos lançar uma vacina, não temos que nos perguntar de onde ela vem; nós temos que nos perguntar é para onde ela vai. A vacina cumpriu os protocolos de segurança e eficácia? Cumpriu. O que vamos fazer dela? Vamos aplicá-la. Qual é o grupo alvo? Qual é a população prioritária? Vamos definir isso e vamos agir.

    Só uma observação, um adendo. Essa questão... Eu vi ontem o Governador, nosso correligionário do MDB de Alagoas, Renanzinho, Renan Filho, entrando em entendimento com o Instituto Butantan para adquirir a vacina. Não há necessidade. Nós temos que manter o nosso Programa Nacional de Imunizações. Os brasileiros são um só, com os mesmos direitos, com os mesmos deveres, com as mesmas obrigações. O SUS é de todos nós!

    Quem tem que bancar essa vacina, como sempre ocorreu no Brasil – e nunca houve questionamento –, é o Governo Federal, que, em harmonia com os governos estaduais e municipais, deve fazer a distribuição, como nós fazemos todos os anos, de milhões de vacinas contra sarampo, pólio, varicela, pneumonia, herpes, gripe. A gente toma, todo ano, vacinas gratuitas, eficientes, dadas pelo nosso SUS, numa ação sinérgica da União, dos Estados e dos Municípios.

    Dito isso, desejo sorte a todas e a todos e a nossa união para salvarmos o Brasil da maior crise sanitária/financeira/social que nós já vivemos e estamos vivendo nesses últimos cem anos.

    Muito obrigado a todos.

    E me desculpe se exagerei no tempo, nossa Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/12/2020 - Página 10