Pronunciamento de Fernando Collor em 23/04/2021
Fala da Presidência durante a 31ª Sessão de Debates Temáticos, no Senado Federal
Abertura da Sessão de Debates Temáticos destinada a debater o tema: "Mercosul: avanços, desafios e perspectivas" e celebrar os 30 anos do Tratado de Assunção.
- Autor
- Fernando Collor (PROS - Partido Republicano da Ordem Social/AL)
- Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Fala da Presidência
- Resumo por assunto
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POLITICA INTERNACIONAL:
- Abertura da Sessão de Debates Temáticos destinada a debater o tema: "Mercosul: avanços, desafios e perspectivas" e celebrar os 30 anos do Tratado de Assunção.
- Publicação
- Publicação no DSF de 24/04/2021 - Página 6
- Assunto
- Outros > POLITICA INTERNACIONAL
- Indexação
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- ABERTURA, SESSÃO DE DEBATES TEMATICOS, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), CELEBRAÇÃO, ASSINATURA, TRATADO.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - AL. Fala da Presidência.) – Declaro aberta a sessão.
Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.
A presente sessão remota de debates temáticos foi convocada nos termos do Ato da Comissão Diretora nº 7, de 2020, que regulamenta o funcionamento remoto do Senado Federal, e em atendimento aos Requerimentos nºs 1.256 e 1.289, de 2021, do Senador Fernando Collor e outros Senadores, aprovados pelo Plenário do Senado Federal.
A sessão é destinada a debater o tema "Mercosul: avanços, desafios e perspectivas", em celebração aos 30 anos de assinatura do Tratado de Assunção.
Para tanto, foram convidadas as seguintes autoridades e os seguintes representantes: Chanceler Carlos Alberto Franco França, Ministro de Estado das Relações Exteriores; Sr. Paulo Guedes, Ministro de Estado da Economia; Sr. Francisco Rezek, Ministro das Relações Exteriores no período de 1990 a 1992, quando da assinatura do Tratado de Assunção; Sra. Zélia Cardoso de Mello, Ministra de Estado da Economia, Fazenda e Planejamento do Brasil, no período de 1990 a 1991, e também presente quando da assinatura do Tratado de Assunção.
A Presidência informa ao Plenário que serão adotados os seguintes procedimentos para o andamento da sessão: será, inicialmente, dada a palavra aos convidados; após isso, será a aberta a fase de interpelação por parte das Sras. e dos Srs. Senadores inscritos, organizados em blocos, dispondo cada Senador de cinco minutos para suas perguntas. Os convidados disporão de cinco minutos para responder à totalidade das questões do bloco. Os Senadores terão dois minutos para réplica.
As inscrições dos Senadores e Senadoras presentes remotamente serão feitas através do sistema remoto. As mãos serão abaixadas no sistema remoto, e, neste momento, estão abertas as inscrições.
Exmo. Sr. Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Carlos Alberto Franco França; Exmo. Sr. Ministro de Estado da Economia, Paulo Guedes; Exmo. Sr. Francisco Rezek, Ministro das Relações Exteriores durante a minha gestão na Presidência da República; Exma. Sra. Zélia Cardoso de Mello, Ministra da Economia também durante o meu período de Governo; Exmas. Sras. Senadoras, Exmos. Srs. Senadores, autoridades, senhoras e senhores, agradeço a participação das eminentes autoridades nesta sessão solene do Senado Federal sobre os 30 anos da criação do Mercosul.
Em outras condições, tal efeméride nos convocaria a uma celebração em torno desta que foi a principal iniciativa da política externa brasileira desde a redemocratização, mas o espaço a comemorações hoje é reduzido; defrontamo-nos com a maior tragédia humana já vivida em nosso País. A pandemia atual já nos levou mais de 380 mil brasileiros e brasileiras no último ano. Solidarizo-me com os seus familiares e amigos; a dor de cada um deles é a nossa dor.
Em lugar de celebrar, portanto, estamos convocados a refletir e agir, de maneira comprometida e urgente, sobre meios de enfrentamento da pandemia atual, as vias de saída que almejamos construir e, nessa construção, o papel que o nosso bloco regional ativo valioso tem a desempenhar.
Em 26 de março de 1991, na qualidade de Presidente da República, tive a honra, juntamente com meus homólogos da Argentina, do Paraguai e do Uruguai, de assinar o Tratado de Assunção, que estabeleceu o Mercado Comum do Sul (Mercosul); então, o mais ambicioso e complexo projeto de integração comercial no mundo em desenvolvimento. Para o Brasil, a criação do bloco conformava um dos pilares da política de modernização da nossa economia e da inserção do País no comércio internacional.
No início dos anos 90, décadas de nacional desenvolvimentismo, próprio do modelo de substituição de importações, nos haviam legado estrutura produtiva desatualizada e ineficiente. Empresas, ao mesmo tempo, pouco competitivas e com amplo poder de mercado mantinham-se protegidas da concorrência externa por intrincado e extenso arcabouço regulatório. Aquela configuração econômica provou-se solo fértil para o descontrole inflacionário, a dificuldade fiscal e a vulnerabilidade externa que perdurava longamente, então, no País. Estávamos imersos numa dinâmica econômica de sustentação de ineficiências, ampliação da concentração de renda, expansão da pobreza e aprofundamento de desigualdades sociais históricas. A criação do Mercosul foi pensada como um instrumento de superação do ensimesmamento e do atraso que estavam na base desse ciclo perverso.
Nesses 30 anos, o bloco desempenhou papel determinante em transformações estruturantes, por que passou não apenas o Brasil, mas também o Cone Sul e mesmo todo o continente sul-americano. Na área comercial, o Mercosul chegou a representar, na década de 90, inéditos 16% do total do comércio exterior brasileiro. Em todo o tempo, configurou-se um dos principais destinos de nosso comércio de produtos manufaturados de maior valor agregado e maior conteúdo tecnológico. Contribuiu, assim, para a preservação da densidade tecnológica de nosso setor industrial, num período em que, ressalte-se, nossa indústria perdia espaço no conjunto da produção nacional.
Foi fator igualmente central para a atração de investimentos estrangeiros para a região, capitais que, gerando emprego e renda, foram essenciais para a reestruturação do nosso poder produtivo, do nosso setor produtivo. De uma perspectiva macroeconômica, aqueles influxos possibilitaram o acúmulo de reservas internacionais e a sustentação da âncora cambial, fundamentos do controle inflacionário alcançado em 1994.
Na América do Sul, o Mercosul foi o núcleo a partir do qual se concretizou o projeto, há muito almejado, de integração do continente. Com a conclusão recente do último cronograma de desgravação entre o Mercosul e o Peru, constituiu-se rede de acordos comerciais do bloco com a quase totalidade de países da América do Sul. O tramado resultante constitui, na prática, área de livre comércio de relevância histórica, embora ainda pouco conhecida, que alcança dez países do continente: além dos quatro membros do Mercosul, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, também Chile, Bolívia, Peru, Colômbia, Equador e Venezuela.
Para além da sua dimensão econômico-comercial, o Mercosul tem sido dínamo do inédito adensamento dos vínculos humanos entre os países do Cone Sul. Superando séculos de distanciamento durante os quais nossas sociedades viveram de costas umas às outras, o estabelecimento de uma cidadania regional, a assinatura de acordos da previdência social, a adoção de um passaporte comum, as medidas voltadas à circulação e à residência dos países membros do bloco apoiam-se todas no entendimento das fronteiras não mais como linhas de separação, mas como espaços de trocas e vínculos entre nossos povos.
Tais mudanças, entretanto, dificilmente se teriam realizado em meio a desconfianças e tensões. Sem a reversão do clima de suspeição e rivalidade que caracterizava nossos vínculos com o entorno imediato, marcadamente com a Argentina, qualquer esforço de prosperidade econômica seria inefectivo e irrealista. Assim, paralelamente às tratativas para liberalização comercial na região, empreendi, juntamente com o então Presidente argentino Carlos Menem, esforço negociador obstinado na área de segurança, especialmente quanto ao uso pacífico da energia nuclear.
Em setembro de 1990, estabeleci o fechamento do poço do Cachimbo, na Serra do Cipó, no Pará, construído na década de 1980 para abrigar testes com armas nucleares. Lançamos ali pá de cal definitiva sobre as suspeitas da comunidade internacional em torno do Programa Nuclear Brasileiro, abrindo, ao mesmo tempo, espaço valioso de cooperação e aproximação entre o Brasil e a Argentina.
Quatro meses após a assinatura do Tratado de Assunção, Brasil e Argentina assinavam o acordo para o uso exclusivamente pacífico de energia nuclear, que estabelecia o processo de integração atômica entre os dois países no âmbito de um Sistema Comum de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares. Entre os compromissos assumidos, fez-se constar o banimento completo das armas nucleares dos nossos territórios. Para administrar o sistema compartilhado de controle, criou-se a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares.
Em dezembro de 1991, assinamos em Viena o Acordo Quadripartite entre Brasil, Argentina, Abacc e Agência Internacional de Energia Atômica. O instrumento constituiu o sistema de salvaguardas, que coloca sob vigilância compartilhada todas as instalações, materiais nucleares e comércio de material atômico. Juntamente com o acordo anterior, consolidou a imagem de responsabilidade e seriedade de Brasil e Argentina no plano nuclear.
As referidas iniciativas foram complementadas em setembro de 1991 pela assinatura entre Brasil, Argentina e Chile do Compromisso de Mendoza sobre a Proibição Completa das Armas Químicas e Biológicas.
Por meio daqueles entendimentos, o Brasil e a Argentina puderam superar anos de suspeição e rivalidades, lançando as bases de uma relação transparente e cooperativa, essencial para o aprofundamento dos demais aspectos do vínculo bilateral. Foram eixo para a construção de um espaço de paz, entendimento e cooperação na América do Sul. Colocaram o continente na vanguarda dos esforços internacionais em prol de um mundo pacífico e desarmado. Sua importância singular alcança mesmo os dias atuais. O modelo institucional nuclear constituído por Brasil e Argentina é hoje adotado no Plano de Ação Conjunto Global, entendimento internacional em torno do programa nuclear iraniano, envolvendo, entre outros atores, União Europeia, Rússia, China, Alemanha, França, com o possível retorno dos EUA, dos Estados Unidos da América, proximamente.
Confiança e cooperação têm orientado igualmente a relação entre os Parlamentos brasileiro e argentino nos nossos esforços recentes em favor do aperfeiçoamento do bloco. Apoiar o Mercosul tem sido uma das diretrizes a orientar os trabalhos do Grupo Parlamentar de Amizade Brasil e Argentina, que tenho tido a honra de presidir desde o início de suas atividades em 2017.
É grande nossa expectativa quanto à instalação da Comissão Bicameral Permanente de Integração Bilateral e Cooperação entre Brasil e Argentina, cujo projeto de lei de criação aguarda a conclusão de análise pelo Congresso argentino.
Sras. e Srs. Ministros, Sras. e Srs. Senadores, nesses 30 anos, entre avanços e recuos, nenhuma outra iniciativa da nossa política externa foi tão transformadora e estruturante quanto à criação do Mercosul. Nenhuma outra iniciativa nos demandou tanta mobilização e investimento, por tanto tempo, em tão amplo espectro de temas. Nesse ponto, cabe destacar e valorizar o enorme esforço, a sustentada dedicação e a reconhecida excelência da diplomacia brasileira, historicamente alicerçada no respeito ao Direito Internacional, nas soluções negociadas, na promoção do multilateralismo. Sobre esses pilares, construímos valioso soft power que nos alçou ao protagonismo nos debates internacionais em amplo conjunto de temas, entre eles também o meio ambiente.
Ontem e hoje, realizou-se, por iniciativa da nova administração norte-americana, a Cúpula de Líderes sobre o Clima. O discurso pronunciado, na oportunidade, por Sua Excelência o Presidente da República Jair Bolsonaro foi um êxito e teve a participação da diplomacia brasileira. Cabe agora torná-lo também um êxito da nossa política ambiental.
O Brasil é uma das maiores economias do mundo. Possui patrimônio de valor inestimável em recursos de biodiversidade. É um dos maiores países, tanto em território quanto em população. Vivemos há um século e meio em paz com os nossos dez vizinhos. Esses e outros tantos aspectos, considerados em conjunto, nos tornam um país importante demais para ficar fora das grandes decisões globais. Seja no tema de meio ambiente ou de integração regional, não podemos abandonar décadas de ação eficaz e coerência diplomática em troca de ganhos incertos, eventual decepção de países amigos, discordâncias pessoais transitórias. É essencial perseverar nas grandes diretrizes da nossa política externa, amparada sempre na Carta de 1988. Esta, recorde-se, fez constar entre os princípios a reger as relações internacionais do Brasil a busca da integração entre os povos da América Latina, orientação que nos cabe sublinhar, defender e concretizar.
A abertura comercial foi, assim, um dos pilares do projeto de modernização da economia brasileira no meu Governo. O mundo mudou muito desde então, mas a minha posição sobre a importância da abertura comercial para a atualização da nossa economia permanece essencialmente a mesma. Entendo que o Brasil precisa empreender novo ciclo de abertura comercial para avançarmos na melhoria da nossa estrutura produtiva, passo essencial na busca por melhores condições de redução das enormes desigualdades sociais e dificuldades que continuamos a enfrentar até hoje.
A serviço desse objetivo, temos acumulado enorme patrimônio institucional, político, econômico e diplomático construído em torno do Mercosul. O cenário internacional atual confirma a importância da participação em blocos regionais para o fortalecimento das condições de competição internacional, em que pese certo recrudescimento de iniciativas protecionistas nos últimos anos. A entrada em vigor da Zona de Livre Comércio Continental Africana, no início deste ano, e a conclusão das negociações para a formação de uma parceira regional econômica abrangente na Ásia-Pacífico reiteram a vitalidade dos movimentos de integração regional no mundo, crescentemente organizado em cadeias globais de valor.
No contexto atual de virtual paralisia das negociações comerciais multilaterais, entendo que a estratégia com maior chance de efetividade para a ampliação do nosso comércio internacional seja por meio do adensamento da rede de acordos extrarregionais do Mercosul. De maneira acertada, o bloco voltou a priorizar, nos últimos anos, sua vocação comercial original. Persegue o seu fortalecimento hoje, por meio de agressiva agenda de negociações, entre as quais se destaca o pilar econômico comercial do Acordo de Associação com a União Europeia, cujas tratativas foram concluídas em junho de 2018.
Os números superlativos dessa integração são amplamente conhecidos. Uma vez implementado, o acordo formará a segunda maior área de livre comércio do mundo e abarcará um quarto da economia mundial, com um PIB superior a US$20 trilhões e um mercado consumidor próximo a 800 milhões de pessoas. Trata-se de associação histórica. Será o acordo comercial de maior importância já concluído tanto por nós quanto pelos europeus, resultado de duas décadas de discussões, mas teremos ainda pela frente – é bom frisar – um penoso caminho a percorrer até a sua concretização.
Entendimento da mesma natureza já foi concluído também com a Associação Europeia de Comércio Livre (Efta), agrupamento que reúne Suíça, Liechtenstein, Noruega e Islândia. O Mercosul mantém negociações também com Coreia do Sul, Canadá, Singapura, México, Líbano, entre outros países. Esperamos todos que essa ampla agenda de oportunidades se concretize rapidamente.
A dinamização econômica proporcionada pela implementação do novo ciclo de integração ao exterior será fundamental para a revitalização do bloco regional e de nossa participação na economia mundial, mas principalmente para o enfrentamento das imensas dificuldades econômicas e sociais que se avizinham, herança da crise sanitária em curso. A situação nos exige, portanto, coragem e urgência: coragem, para persistir no aprofundamento do Mercosul, discutindo e negociando caminhos para as dificuldades significativas que o bloco enfrenta, tanto do ponto de vista técnico quanto político; urgência, para vermos plenamente realizado o papel estratégico que hoje, assim como há 30 anos, o Mercosul tem a desempenhar no desenvolvimento econômico, na redução das desigualdades sociais e na construção de um projeto nacional pós-pandemia. O Brasil tem pressa!
Muito obrigado.
Vamos passar, agora, a palavra aos nossos convidados.
Inicialmente, concedo a palavra à Sra. ex-Ministra Zélia Cardoso de Mello.