Interpelação a convidado durante a 19ª Sessão de Debates Temáticos, no Senado Federal

Sessão de Debates Temáticos destinada ao comparecimento do Sr. Ernesto Araújo, Ministro das Relações Exteriores, a fim de prestar informações sobre a atuação do Ministério nos esforços para obtenção de vacinas contra a Covid-19.

Autor
Fabiano Contarato (REDE - Rede Sustentabilidade/ES)
Nome completo: Fabiano Contarato
Casa
Senado Federal
Tipo
Interpelação a convidado
Resumo por assunto
SAUDE:
  • Sessão de Debates Temáticos destinada ao comparecimento do Sr. Ernesto Araújo, Ministro das Relações Exteriores, a fim de prestar informações sobre a atuação do Ministério nos esforços para obtenção de vacinas contra a Covid-19.
Publicação
Publicação no DSF de 25/03/2021 - Página 18
Assunto
Outros > SAUDE
Indexação
  • SESSÃO DE DEBATES TEMATICOS, DESTINAÇÃO, COMPARECIMENTO, MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), SOLICITAÇÃO, ATUAÇÃO, INFORMAÇÃO, AQUISIÇÃO, OBTENÇÃO, COMBATE, VACINA, PANDEMIA, NOVO CORONAVIRUS (COVID-19).

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES. Para interpelar convidado.) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, obrigado pelo comparecimento do Ministro.

    Eu estou na dúvida se eu utilizo o adjetivo estarrecido ou feliz, porque, depois de um ano de pandemia, com mais de 12 milhões de brasileiros contaminados e mais de 300 mil brasileiros e brasileiras terem pagado com as próprias vidas, o Governo Federal resolve criar uma comissão de especialistas e médicos. Por aí nós verificamos, colegas Senadores, qual a importância que a vida humana tem para o Governo Federal, através do Ministério das Relações Exteriores e através do Ministério da Saúde.

    Eu queria dizer ao Ministro que esses números, essas estatísticas – 12 milhões; e 300 mil – têm história. São famílias, são homens, mulheres, tios, avôs, irmãos, sobrinhos. Qual o valor da vida humana para vocês? Porque, depois de um ano... É necessário que o Senado faça essa reflexão.

    Eu estou estarrecido com o que tenho observado, a forma como o Presidente da República e os seus ministérios vêm se conduzindo frente a essa pandemia, a essa crise sanitária – e contra fatos não há argumentos.

    Eu queria lembrar ao Ministro qual é a competência do Ministério das Relações Exteriores. É assistir, direta e imediatamente, o Presidente da República nas relações com estados estrangeiros e organizações internacionais; é ter uma política internacional; é ter relações diplomáticas e serviços consulares; é participar, Ministro, de negociações comerciais, econômicas, financeiras, técnicas, culturais com estados estrangeiros.

    A história da diplomacia brasileira é rica, é marcada pela relação pacífica e pelo respeito à soberania dos países estrangeiros, seja qual for a ideologia do Governo brasileiro. V. Exa., com todo respeito, vem na contramão desse histórico, abrindo mão da ciência em nome de convicções ideológicas, o que vem custando a vida desses 300 mil brasileiros.

    Pontuo algumas ocasiões que têm a participação de V. Exa. Na relação com a China, por exemplo, houve representantes do Poder Executivo com falas discriminatórias, inclusive com repercussão criminal, como no caso do ex-Ministro Weintraub. O então Presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, que é filho do Presidente da República, insinuou que o vírus havia sido criado em um laboratório pelo Governo chinês.

    Qual foi a manifestação de V. Exa.? O próprio Presidente da República se negou a adquirir, por três ocasiões, vacina da Sinovac e a denominava, abro aspas, "a vacina chinesa do Doria". O que fez o Ministério de V. Exa.? Sempre que pôde, saiu em defesa dos integrantes do Governo, em detrimento das nossas relações diplomáticas.

    Na relação com os Estados Unidos, a subserviência infantil ao Governo Trump nos rendeu milhões de comprimidos descartados por aquele país. Durante a campanha eleitoral norte-americana, todos sabiam a preferência do Presidente da República e de V. Exa. pelo ex-Presidente Trump; ajudaram-no na campanha eleitoral organizando uma visita absolutamente imprópria e inadequada do Secretário de Estado à região de fronteira do Brasil com a Venezuela; demoraram a cumprimentar o Presidente Biden por sua vitória; alimentaram as alegações falsas de fraude eleitoral.

    Agora, nós temos que nos esforçar para reconstruir laços com esse Governo democrata que assumiu em janeiro. O Presidente Biden já anunciou a doação de 4 milhões de doses para Canadá e México. Onde estava o Governo brasileiro? Ainda está lamentando a derrota de Trump?

    Há agora a notícia de que o Governo norte-americano do ex-Presidente Trump pressionou em 2020 o Brasil para que não fossem adquiridas doses da vacina russa Sputnik, e o que fez V. Exa., como Ministro das Relações Exteriores, em prol da vida do cidadão brasileiro para evitar essa interferência indevida do Governo americano?

    Ao invés de atuar para construir relações que produzem vacinas já registradas no país, ao que parece V. Exa., Ministro, faz um esforço ao contrário: viajou a Israel no início do mês para conhecer um medicamento que havia sido testado em apenas 30 pessoas.

    Lembro que o atraso na compra da vacina Pfizer foi justamente em função de suposta preocupação com a responsabilidade civil com efeitos colaterais, preocupação que não existe com a indicação da cloroquina e outros medicamentos. É um Governo negacionista. Contra fatos não há argumentos.

    Pergunto, então, Ministro, por que o Ministério de V. Exa. tem descumprido o seu papel constitucional e atuado contra interesses do País e dos cidadãos brasileiros, apenas com viés nitidamente ideológico, contrário às recomendações diplomáticas e da ciência?

    Para que a pergunta não fique talvez excessivamente em aberto, peço que pontue especificamente a relação do Brasil com a China, com os Estados Unidos, com a Rússia, com relação a esses episódios que eu mencionei.

    Sr. Presidente, eu vou concluir, porque a tristeza é muito grande, quando nós verificamos que não há uma vida que se sobreponha a outra. Como eu disse, qual é o valor da vida humana? E não só essas pessoas que perderam e pagaram com as suas vidas, mas essas pessoas, esses 12 milhões de brasileiros contaminados que estão com sequelas, sequelas irreparáveis, que vão diminuir a expectativa de vida sim.

    É preciso que o Senado tenha uma postura altiva, de coragem, de responsabilidade, que seja guardião do Estado democrático de direito, que preserve a espinha dorsal da democracia, que é a Constituição da República Federativa do Brasil, na defesa daquilo que é o mais importante, que é lutar pela preservação da vida humana, pelo respeito à integridade física e pela saúde de todos os brasileiros e brasileiras.

    Eu não tenho dúvida de que foi com esse objetivo que eu me lancei candidato e fui eleito pelo meu querido Estado do Espírito Santo: para lutar por uma sociedade melhor, é para dar vida ao art. 6º da Constituição Federal, corroborado pelo art. 196, quando diz que a saúde pública é direito de todos e dever do Estado. Apenas um ano depois, depois de 12 milhões de contaminados e de 300 mil mortos é que o Governo resolve criar uma comissão de especialistas e médicos.

    Eu queria muito, para concluir, citar uma frase de Thiago de Mello, quando ele diz que nós não temos caminho novo; o que temos de novo é o jeito de caminhar.

    Eu quero muito que esse novo jeito de caminhar seja contaminado em todos os Senadores e Senadoras, meus amigos, meus queridos amigos e amigas que eu amo ter como colegas aqui no Parlamento. E me perdoem por ter sido talvez contaminado com a emoção, mas quando se fala de vida, estou falando de história, de relações, de famílias dilaceradas por esse Covid, mas que tem a digital inegável do Presidente da República, do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério de Saúde.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/03/2021 - Página 18