Discurso durante a 93ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação contrária ao leilão do Palácio Gustavo Capanema pelo Governo Federal. Registro da história da construção do imóvel a partir de entrevista concedida pela Sra. Carmen Portinho, republicada pela revista Projeto. Apelo ao Ministro da Economia, Sr. Paulo Guedes, para que retire o Palácio do leilão.

Autor
Carlos Portinho (PL - Partido Liberal/RJ)
Nome completo: Carlos Francisco Portinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Cultura, Domínio e Bens Públicos:
  • Manifestação contrária ao leilão do Palácio Gustavo Capanema pelo Governo Federal. Registro da história da construção do imóvel a partir de entrevista concedida pela Sra. Carmen Portinho, republicada pela revista Projeto. Apelo ao Ministro da Economia, Sr. Paulo Guedes, para que retire o Palácio do leilão.
Publicação
Publicação no DSF de 20/08/2021 - Página 40
Assuntos
Política Social > Cultura
Administração Pública > Domínio e Bens Públicos
Indexação
  • COMENTARIO, OPOSIÇÃO, LEILÃO, VENDA, PALACIO, GUSTAVO CAPANEMA, RIO DE JANEIRO (RJ), REGISTRO, HISTORIA, CONSTRUÇÃO, PROJETO, ENTREVISTA, PERIODICO, SOLICITAÇÃO, RETIRADA, PAULO GUEDES, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA ECONOMIA.

    O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ. Para discursar.) – Meus colegas de Plenário, eu vou me dirigir a uma pessoa por quem eu tenho grande apreço e admiração, que é o Ministro Paulo Guedes, e também a todos nós Senadores para contar uma história importante a respeito do marco do modernismo urbano que é o Palácio Capanema, que já foi sede do Ministério da Educação e Cultura, cujo prédio o Governo Federal, de uma forma incompreensível, colocou dentro de um grande leilão de imóveis que fará no Rio de Janeiro para obter caixa. Com exceção desse imóvel, cuja inclusão no leilão realmente é incompreensível, me parece até uma boa medida, mas não incluindo o Palácio Gustavo Capanema.

    Para que todos tenham noção da importância do simbolismo desse prédio, eu venho aqui ler uma entrevista recente, recente porque republicada há alguns anos pela revista Projeto, da minha tia-avó. A minha tia-avó foi a primeira urbanista mulher do Brasil, a terceira engenheira mulher do Brasil e a responsável por um ícone da habitação social, que é o edifício Pedregulho, em Benfica, no Rio de Janeiro. Refiro-me à Carmen Portinho, que, nessa entrevista, contava acerca do projeto do Palácio Capanema.

    Capanema havia feito um concurso para o prédio do ministério, e muitos arquitetos acadêmicos dele participaram. Mas foi um fracasso, os projetos vencedores não eram bons. E o Capanema, que era um sujeito muito adiantado, dizia Carmen Portinho, chamou Lúcio Costa e pediu a ele para constituir uma equipe para fazer o projeto do Ministério, anulando o concurso.

    Dessa equipe – vejam só! –, participaram Lúcio Costa, Ernani Vasconcellos, Jorge Moreira, Affonso Eduardo Reídy, companheiro de tia Carmen Portinho, Oscar Niemeyer e Carlos Leão. Lembrou, o Capanema, a conveniência de convidar Le Corbusier para vir aqui orientá-los sobre o projeto. Le Corbusier, então, veio ao Brasil, foi ao Rio de Janeiro orientá-los, trabalhou um mês com eles, dizia Carmen Portinho, e fez um anteprojeto para o ministério, para um local perto de onde hoje funciona o Museu de Arte Moderna na minha cidade, próximo ao Aeroporto Santos Dumont.

    Esse projeto era feito no sentido horizontal. Depois Le Corbusier (Falha no áudio.) ...do terreno, e o projeto dessa equipe teve que mudar, mais para o sentido vertical, mas seguindo religiosamente todos os princípios de Le Corbusier.

    Veio então a guerra, e eles perderam o contato com Le Corbusier, mesmo pelo correio ou qualquer outro meio, porque naquele tempo era difícil a comunicação com a Europa. Então, eles, perdendo o contato, fizeram o projeto sozinhos, seguindo, entretanto, os princípios de Le Corbusier, a orientação que ele dera quando estivera no Rio de Janeiro e do projeto que ele tinha feito.

    Concluída a construção do edifício, disse Carmen Portinho na sua entrevista, deu-se uma coisa muito engraçada. Ela se candidatou a uma bolsa, durante a guerra, para ir à Inglaterra, porque lá as cidades estavam quase todas destruídas e bombardeadas e, mesmo durante o conflito, havia comissões e mais comissões de planos de reconstrução dessas cidades. Ela, então, se candidatou a uma bolsa de estudos do Conselho Britânico, tendo em vista os títulos que apresentava, de engenheira e de urbanista, mas, achando que não era o caso de bolsa, convidou-a para ficar estagiando nessas diversas comissões.

Diz ela:

Percorri a Inglaterra toda e, quando a guerra acabou, em 1945, consegui uma licença para ir à França, porque eu queria encontrar-me com Le Corbusier." A embaixada do Brasil se empenhou e me deram o visto, e fui à França procurar diretamente Le Corbusier no seu ateliê-residência. Acontece que eu levava uma caixa de diapositivos sobre o Ministério da Educação [que já estava terminado] e mostrei a Le Corbusier. Ele levou um choque terrível. Não sabia que o Ministério da Educação tinha ficado pronto, que a obra era um sucesso e que aquela equipe que ele conhecia e com a qual teve contato conseguira, depois de alguns anos, construir o edifício [chamado Palácio Capanema]. A reação dele foi muito violenta. A princípio tive a impressão de que não gostou daquilo, ele era um sujeito muito temperamental. E me disse: "Como esses jovens conseguiram fazer num país como o Brasil uma coisa que não consigo fazer aqui na Europa? Todos os meus projetos são frustrados, me combatem, ninguém executa meus projetos, e esses novos fazem isso?"

Claro que não respondi nada, fiquei olhando para ele. E ele continuava olhando os diapositivos. Cada um que olhava, ele se danava mais: porque tudo estava lá. Não estava o Le Corbusíer do livro, não, estava o Le Corbusier da obra, do edifício. Quando ele acabou, veio outra reação. Já estava mais calmo e percebi que ele ficou não só calmo como contente, ele já tinha mudado. E começou a conversar muito comigo, e me mostrou seu ateliê.

    Essa, Ministro Paulo Guedes, é a importância e a história da obra do Palácio Capanema, ícone do Modernismo na cidade do Rio de Janeiro e sede, já foi, do Ministério da Educação e da Cultura, do MEC. Por isso o meu apelo, como sobrinho-neto de Carmen Portinho, que acompanhou com Affonso Reidy toda a obra e toda a magia da arquitetura construída por brasileiros sobre o projeto de Le Corbusier. E aí eu peço, Sr. Ministro: tire esse prédio desse leilão. É a história do nosso País e ela deve ser preservada como a nossa cultura.

    Segunda-feira eu tenho um encontro com a equipe do Ministro Paulo Guedes. Vou poder levar a ele diretamente esse pedido e acrescentar algo sobre os 13 milhões de lance inicial que se cogitou para o leilão do prédio do Ministério da Educação e da Cultura no Rio de Janeiro. Eu tenho a solução: trocá-lo por R$15 milhões da venda do campo de aviação de Saquarema para a Prefeitura de Saquarema, que está disposta a pagar R$15 milhões por um terreno que ocupa a metade do centro da cidade de Saquarema, no Estado do Rio de Janeiro, onde será feito um grande parque para a população. Troquemos a história, o leilão da nossa história, R$13 milhões, por um projeto importante em Saquarema no campo de aviação que renderá aos cofres valor até superior, R$15 milhões. A troca é justa.

    Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/08/2021 - Página 40