Discurso durante a 109ª Sessão Especial, no Senado Federal

Sessão Especial destinada a homenagear o centenário de nascimento de Dom Paulo Evaristo Arns (1921-2016), frade franciscano e cardeal brasileiro.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Homenagem, Religião:
  • Sessão Especial destinada a homenagear o centenário de nascimento de Dom Paulo Evaristo Arns (1921-2016), frade franciscano e cardeal brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 14/09/2021 - Página 19
Assuntos
Honorífico > Homenagem
Outros > Religião
Matérias referenciadas
Indexação
  • SESSÃO ESPECIAL, HOMENAGEM, CENTENARIO, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, DOM EVARISTO ARNS, CARDEAL, FRADE, IGREJA CATOLICA.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para discursar.) – Sr. Presidente Izalci Lucas; Sr. Senador Flávio Arns, inspirador da realização desta sessão tão importante; eminente Cardeal D. Odilo Scherer; eminente Bispo D. Joel Portella, Secretário-Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; Sra. Anita Wright; Padre Júlio Lancellotti; Frei Fidêncio; Sr. Presidente; Sras. Senadoras e Srs. Senadores; convidadas e convidados, estamos aqui reunidos nesta sessão especial para celebrar o centenário de D. Paulo Evaristo Arns, um dos símbolos da resistência e da esperança em nosso País.

    Reconhecido mundialmente por sua atuação para garantir os direitos civis e humanos, D. Paulo Evaristo Arns destacou-se por seus trabalhos voltados aos mais pobres, aos trabalhadores, à formação das comunidades eclesiais de base e, sobretudo, à defesa e promoção dos direitos da pessoa humana.

    Ordenado Sacerdote na década de 40, D. Evaristo Arns tornou-se Arcebispo de São Paulo na década de 70, marcada por um momento crítico para a história social e política brasileira. A ditadura militar jamais enfraqueceu, jamais dobrou D. Paulo Evaristo Arns; pelo contrário, esse período nefasto nos mostrou quão forte era esse homem.

    A atuação desse importante ator da história brasileira ganhou destaque quando religiosos eram perseguidos e presos, porque se opunham às crueldades e aos desmandos de militares que foram alçados ao poder após o golpe de 1964 ou simplesmente porque ajudavam os militantes e as militantes que lutavam bravamente pela democracia no Brasil. D. Paulo, que nunca teve medo de encarar aqueles que comandavam o País no desastroso período da ditadura, liderou o "Testemunho de paz", documento que trazia duras críticas à ditadura militar. Em 1973, dando mais um passo em busca das garantias civis e humanas, D. Evaristo presidiu a Celebração da Esperança, missa em memória do estudante universitário Alexandre Vannucchi Leme, morto pelos ditadores.

    Sras. Senadoras, Srs. Senadores, quero aqui, neste momento, lembrar um outro ator muito importante para a nossa história: Vladimir Herzog. O mês de outubro próximo marcará 46 anos do assassinato deste jornalista, que é mais um símbolo da luta pela democracia no Brasil. Chamo a atenção para o nome de Herzog porque D. Evaristo deixou viva a memória e a honra deste herói ao celebrar, em 1975, na Catedral da Sé, um culto ecumênico para homenagear este grande brasileiro.

    Outro grande símbolo que D. Evaristo Arns nos deixou foi o projeto Brasil: nunca mais. Coordenado também pelo Pastor Jaime Wright, este trabalho realizado, de forma sigilosa, resulta da cópia de mais de 1 milhão de páginas de processos da Justiça Militar. O Brasil: nunca mais é ainda hoje um dos principais registros das sangrentas violações de direitos humanos cometidas por militares durante a verdadeira ditadura que se instalou no nosso País, durante os anos de chumbo. O Brasil: nunca mais além de evitar que os processos judiciais por crimes políticos fossem destruídos com o fim da era militar, assim como ocorreu em outros períodos da história, é uma rica fonte de informações sobre os crimes legitimados pelo Governo sangrento e possui grande importância acadêmica notadamente na educação em direitos humanos. D. Paulo foi ainda um dos criadores da Comissão Justiça e Paz de São Paulo e incentivou a criação da Pastoral da Moradia e da Pastoral Operária.

    O compromisso de D. Paulo com a população mais vulnerável não se restringia à tirania que tinha se instalado no Brasil, nos anos mais duros da nossa história. Em São Paulo, promoveu a venda do Palácio Episcopal com o objetivo de arrecadar dinheiro para a construção de centros comunitários nas periferias da capital paulista. E, ao lado de sua irmã, a médica Zilda Arns – outra grande liderança social nas áreas da saúde e dos direitos humanos –, criou as Pastorais da Criança, da Pessoa Idosa e de DST/Aids.

    Símbolo da resistência e da esperança, D. Paulo é, sem sombra de dúvidas, uma das maiores lideranças da Igreja Católica no Brasil. Foi o homem que enfrentou os militares e ouviu as vozes das periferias. D. Arns demonstrou, até o seu último dia de vida, sua fidelidade àquilo que acreditava ser um dos principais ideais da vida sacerdotal: fé e vida em comunhão com a comunidade. D. Paulo sempre militou ao lado daqueles que escolheram apostar na esperança, ao lado daqueles que escolheram dar voz aos que sempre foram silenciados pelo Estado, pelos tiranos que nunca tiveram um verdadeiro projeto de país. D. Paulo sempre gritou pelos excluídos.

    Esta sessão, Senador Flávio Arns, é importante para que também possamos lembrar as lições de D. Paulo Evaristo Arns para não cometermos hoje os erros que outrora cometemos, para lembrarmos o quanto foi difícil chegar até aqui e pelo que temos de lutar diariamente, seja aqui no Parlamento, seja nas ruas. D. Arns segue vivo e cada vez mais presente na nossa história. Falar de D. Paulo é falar sobre o Brasil do passado e o Brasil atual, já que as atrocidades e o desrespeito aos direitos humanos que outrora sangraram nosso País estão novamente sendo escancarados diante de nossos olhos; mas nós estamos cada vez mais fortes e essa força vem de todos os ensinamentos deixados por D. Paulo Evaristo Arns.

    Como Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal quero deixar registrado aqui nesta sessão, senhoras convidadas e senhores convidados, que é com o espírito de D. Paulo que hoje lutamos contra a violência do Estado, contra a violência aos direitos humanos, contra os sistemáticos ataques à nossa democracia, contra a perseguição aos movimentos sociais, à cultura, aos jornalistas, contra aqueles que insistem em cercear o direito à liberdade de expressão e à liberdade de gênero.

    Sras. Senadoras, Srs. Senadores, gostaria de finalizar aqui a minha fala com o trecho da apresentação do livro Brasil: Nunca Mais:

De esperança em esperança esse mesmo povo em outras épocas peregrinou por caminhos semelhantes, de aberturas políticas que acabaram durando pouco. Anos de mais tolerância frente a opiniões discordantes e maior preocupação com nossos problemas sociais deram lugar, já antes de 64, a outras etapas de intransigência, perseguições e até mesmo desprezo pelas reivindicações dos marginalizados. Isso não pode se repetir agora, mais uma vez. A esperança que renasce hoje não pode ser novamente passageira.

    D. Paulo Evaristo Arns presente!

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/09/2021 - Página 19