Fala da Presidência durante a 116ª Sessão Especial, no Senado Federal

Abertura da Sessão Especial destinada a comemorar o centenário do educador Paulo Freire, Patrono da Educação Brasileira.

Autor
Jean-Paul Prates (PT - Partido dos Trabalhadores/RN)
Nome completo: Jean Paul Terra Prates
Casa
Senado Federal
Tipo
Fala da Presidência
Resumo por assunto
Educação, Homenagem:
  • Abertura da Sessão Especial destinada a comemorar o centenário do educador Paulo Freire, Patrono da Educação Brasileira.
Publicação
Publicação no DSF de 21/09/2021 - Página 47
Assuntos
Política Social > Educação
Honorífico > Homenagem
Matérias referenciadas
Indexação
  • ABERTURA, SESSÃO ESPECIAL, DESTINAÇÃO, COMEMORAÇÃO, CENTENARIO, ORIENTADOR EDUCACIONAL, PAULO FREIRE, PATRONO, EDUCAÇÃO, BRASIL, ENFASE, RECONHECIMENTO, TRABALHO, PREMIO, AMBITO NACIONAL, AMBITO INTERNACIONAL.

    O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN. Fala da Presidência.) – Declaro aberta a sessão.

    Sob a proteção de Deus, iniciamos nossos trabalhos.

    A presente Sessão Especial Remota foi convocada nos termos do Ato da Comissão Diretora nº 8, de 2021, que regulamenta o funcionamento das sessões e reuniões remotas e semipresenciais no Senado Federal e a utilização do Sistema de Deliberação Remota; e em atendimento ao Requerimento nº 1.001, de 2021, deste Senador Jean Paul Prates e outros Senadores, aprovado pelo Plenário do Senado Federal.

    A Sessão é destinada a comemorar o Centenário do educador Paulo Freire.

    A Presidência informa que esta sessão terá a participação dos seguintes convidados:

    – Sra. Ana Maria Araújo (Nita Freire), Pedagoga e doutora em Educação, viúva de Paulo Freire;

    – Sr. Lutgardes Costa Freire, Sociólogo, Coordenador dos Arquivos Paulo Freire do Instituto Paulo Freire na Cidade de São Paulo (Filho de Paulo Freire);

    – Exma. Sra. Governadora Fátima Bezerra, Governadora do Estado do Rio Grande do Norte;

    – Senador Marcelo Castro, Senador pelo Estado do Piauí e Presidente da Comissão de Educação do Senado Federal;

    – Sr. José Fernandes de Lima, Educador, Reitor da Universidade Federal de Sergipe, pelo período de 1996 a 2004, Secretário da Educação do Estado de Sergipe, de 2007 a 2010, Presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), pelo período de 2008 a 2016;

    – Sr. Mário Sérgio Cortella, escritor, filósofo, educador e professor universitário;

    – Sr. Marcos Guerra, mestre em Direito Internacional do Desenvolvimento;

    – Sra. Maria Selma de Moraes Rocha, Professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – USP;

    – Sra. Luiza Cortesão, Professora Emérita e Catedrática da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, Portugal, e Presidente do Instituto Paulo Freire em Portugal;

    – Sr. Douglas de Jesus Gonçalves, representante da Rede Emancipa – Movimento Social de Educação Popular;

    – Sr. Heleno Araújo, Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e Coordenador do Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE);

    – Sr. Luiz Miguel Martins Garcia, Presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação (Undime);

    – Sra. Andressa Pellanda, Coordenadora–Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação; e

    – Sr. Lucas Fernandes, Líder de Relações Governamentais da Organização “Todos Pela Educação”.

    Convido a todos para, em posição de respeito, acompanharmos o Hino Nacional.

(Procede-se à execução do Hino Nacional.)

    O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) – Senhoras e senhores que nos assistem remotamente, senhoras e senhores convidados, muito obrigado por estarem conosco aqui, Sra. Governadora, senhores colegas Senadores, Senadoras, Senador Fabiano Contarato, que está aqui presencialmente prestigiando esta sessão especial. Sejam todos e todas muito bem-vindos a esta sessão especial do Senado da República, que celebra os cem anos de nascimento do Patrono da Educação do Brasil.

    Nascido em 19 de setembro de 1921, na capital do Estado de Pernambuco, o recifense Paulo Freire completaria seu centenário neste ano.

    Formado bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, desde sempre se interessou pelas áreas da educação, pedagogia e filosofia nas quais desenvolveu uma obra que o tornou uma referência mundial.

    O pesquisador e Professor Helliot Green, da Escola de Economia e Ciência Política de Londres, uma das mais prestigiosas instituições de ensino do planeta, realizou há alguns anos um importante levantamento, que é muito mencionado, acerca das publicações mais relevantes da história das ciências sociais.

    A Pedagogia do Oprimido, um livro icônico, que nosso homenageado escreveu, quando estava exilado no Chile, em 1968, ano em que eu nasci, despontou como o terceiro mais citado, em trabalhos acadêmicos, na área de humanidades, em todo o mundo. Este livro está tão gasto, Senador Contarato, da biblioteca do Senado, que já tiveram que reencaderná-lo duas vezes. Está aqui na minha mão.

    Na Finlândia, um país considerado um exemplo em termos de sistema educacional, suas obras, seu pensamento são rotineiramente utilizados, como testemunha a pedagoga Eeva Anttila, Professora da Universidade de Artes de Helsink.

    Detentor de dezenas de títulos, Dr. Honoris Causa, em universidades espalhadas por quatro continentes, recebedor de honrarias, como o prêmio de educação para pais da Unesco, nome de faculdades, departamentos de ensino, cátedras e bibliotecas, Paulo Freire é hoje um nome cuja relevância não sofre qualquer contestação acadêmica no exterior, contudo em sua Pátria, nos dias que correm, cada vez mais, as vozes da desinformação, do obscurantismo, procuram contestá-lo por suas ideias políticas. Tais vozes, no comando, às vezes sequer conhecem sua obra, mas tentam desmerecê-la atribuindo-lhe mazelas do País.

    Na última quinta-feira, dia 16, Senador Fabiano, a partir de uma ação movida pelo Movimento Nacional dos Direitos Humanos, a Justiça Federal do Rio de Janeiro concedeu liminar proibindo a União de praticar atos institucionais que atentassem contra, aspas, "a dignidade do Professor Paulo Freire na condição de patrono da educação brasileira", aspas.

    Imaginem vocês, foi preciso recorrer à Justiça para impedir o vilipêndio da memória de Paulo Freire. Creio que só isso já descreve, em linhas, infelizmente, traçadas à navalha, a escuridão do beco para onde o atual Governo insiste em tanger o Brasil.

    Mas essas trevas não são o Brasil que nos legou Paulo Freire e também Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes e muitos outros, muitas outras.

    Essa verdadeira marcha da insensatez precisa ser repelida, e isso será feito, trazendo à luz, a generosidade de sua pedagogia, alicerçada em sólida formação intelectual e também na crença de que se deve, aspas de novo, "educar para transformar", Paulo Freire.

    Paulo Freire cujo centenário comemoramos neste domingo 19 é um desses gigantes que o Brasil deu ao mundo. Por isso, em boa hora, o Senado Federal houve por bem homenageá-lo por meio desta sessão especial, originada do Requerimento 1.001, de 2021, já mencionado, iniciativa do Senador Jean Paul Prates e coassinado, agora sim, pelos Senadores e Senadoras Leila Barros, Zenaide Maia, Esperidião Amin, Fabiano Contarato, Flávio Arns, Humberto Costa, Jaques Wagner, Paulo Paim, Randolfe Rodrigues e Veneziano Vital do Rêgo.

    Sras. e Srs. Senadores, público que nos acompanha a distância, Paulo Freire ficou inicialmente conhecido por desenvolver um método de alfabetização para adultos que se mostrou eficaz, rápido e consistente. Mas é preciso dizer que sua obra extrapolou, e muito, os limites contidos num único método por mais brilhante e revolucionário que tenha sido. Na realidade, é mais exato falar de uma pedagogia paulofreiriana, centrada na percepção de que é imprescindível focar dialeticamente em quem aprende. Aspas – "Não há docência sem discência", e na valorização do arcabouço vivencial e imaterial circundante, com consciência crítica, visando a uma educação sinônima de prática de liberdade.

    Paulo Freire é por isso tudo também o Patrono da Educação do Brasil, título definido em lei, em 2012, e que as criaturas da sombra querem revogar por meio de iniciativas legislativas que não irão prosperar nesta Casa.

    Mas, afinal, qual é o pecado que faz os amantes da escuridão investirem contra esse patrimônio radiante que é o legado de Paulo Freire? O que torna a pedagogia de Paulo Freire tão revolucionária, tão desafiadora, tão necessária? É uma constatação simples: ele costumava afirmar que ninguém ignora tudo, ninguém sabe tudo. Na pedagogia de Paulo Freire, cabe a quem ensina reconhecer, acolher e respeitar o saber de quem aprende. Sim, porque não existe apenas um saber único, absoluto, intocável. Existem, isso sim, os saberes de cada um, de cada povo, de cada comunidade, de cada indivíduo. E é o conjunto de saberes plurais, diversos, contraditórios, inelutavelmente incompletos e tão vocacionados a se complementarem que constituem o sopro que anima essa instigante aventura que é a caminhada humana sobre a Terra.

    Mas perceber que um trabalhador rural conseguiria soletrar e reconhecer a representação escrita de "enxada", antes de ler e escrever "colarinho" assustou e ainda assusta a elite e os aspirantes a fidalgos. Promover um aprendizado atento ao conjunto de referências que cada um já carrega consigo empalidece o processo de mera transmissão de conhecimento de cima para baixo.

    A pedagogia de Paulo Freire começou a ser formulada no início dos anos 1960. Um exemplo inaugural de sua prática vem de Angicos, no meu Estado do Rio Grande do Norte, onde ele trabalhou na alfabetização de adultos, em 1963, com imenso sucesso. Para quem não conhece, Angicos tem hoje cerca de 12 mil habitantes e sua economia ainda tem como base a produção rural. Foi lá, entre janeiro e abril de 1963, às margens do mesmo Rio Pataxó, nos tempos do algodão mocó, que era o melhor do mundo, que Paulo Freire implementou um projeto de alfabetização para 380 trabalhadores e trabalhadoras. Esse projeto ficou conhecido como "As 40 horas de Angicos", pois foi exatamente essa a carga horária do curso, 40 horas, que sacudiu as velhas estruturas. Foi chamada de revolução pela educação, de alvorecer das reformas de base. Governava João Goulart, que foi a Angicos encerrar esse curso, que deu base para o projeto piloto de alfabetização, o Programa Nacional de Alfabetização, preparado por Paulo Freire, no Governo João Goulart. Seria iniciado esse plano em 1964.

    A caminhada libertadora, como todos sabem, foi abortada pelo golpe militar, e Paulo Freire chegou a ser preso pelo crime de ensinar gente a escrever e a ler criticamente, não só textos, mas o mundo ao seu redor. Passou 72 dias no cárcere antes de seguir para o exílio. O povo de Angicos, assustado, deu fim aos cadernos queimando-os e enterrando-os no muro, como a gente diz. Hoje, novamente, a concepção libertadora e a aposta do empoderamento, contidas na doutrina de Paulo Freire, estão, de novo, na mira do obscurantismo, mas, do lado de cá, há uma renhida, corajosa, generosa resistência.

    Cada vez que um professor insiste em dar aulas nesta pandemia, Senador Contarato, com internet precária, que ele mesmo tem que pagar, eu vejo um Brasil prestando um tributo a Paulo Freire. Todas as vezes que um profissional da educação, seja professora, merendeira, vigilante, faxineiro de escola pública, respira fundo e cumpre sua jornada, apesar do desmantelo de suas condições de trabalho, está honrando a luta de Paulo Freire.

    Eu vi Paulo Freire em cada um dos secundaristas que ocuparam suas escolas para resistir à reforma do ensino médio, um projeto que quer amestrar nossos adolescentes para apenas apertar parafusos e botões.

    Vejo Paulo Freire na luta das universidades e dos institutos federais para preservar a sua capacidade de produzir conhecimento, de fazer ciência, tecnologia e inovação. Nós honramos Paulo Freire em cada ato de resistência aos ataques à liberdade de cátedra.

    Os adoradores da escuridão fustigam, agridem, difamam, mas não adianta, a educação maiúscula, que tem Paulo Freire como seu patrono, é um sol que sempre vai vencer a treva e aquecer os corações e mentes vocacionados à liberdade e à felicidade que habitam a maioria do povo brasileiro.

    Finalizo citando o homenageado, aspas:

Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ter feito, sem fazer cultura, sem tratar sua própria presença no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência ou teologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem ensinar, sem ideias de formação, sem politizar não é possível.

    Paulo Freire presente hoje e sempre!

    Muito obrigado.

    Vamos assistir agora a um vídeo de uma entrevista concedida por Paulo Freire à TV Cultura, em que ele fala sobre educação de jovens e adultos e o contexto educacional da época. Acho interessante como contextualização, e, depois, seguiremos com os oradores.

(Procede-se à exibição de vídeo.)

    O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) – Meus amigos, a presença do meu querido colega Fabiano Contarato aqui me insta a dar a palavra a ele imediatamente – e peço a licença de todos – e, em seguida, começaremos aqui com os oradores convidados.

    Querido Senador Fabiano Contarato.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/09/2021 - Página 47