Como Relator - Para proferir parecer durante a 146ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Como Relator - Para proferir parecer sobre o Projeto de Lei (PL) n° 2353, de 2021, que "Altera a Lei nº 10.205, de 21 de março de 2001, para proibir a discriminação com base na orientação sexual de doadores de sangue".

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Como Relator - Para proferir parecer
Resumo por assunto
Direitos Humanos e Minorias, Saúde Pública:
  • Como Relator - Para proferir parecer sobre o Projeto de Lei (PL) n° 2353, de 2021, que "Altera a Lei nº 10.205, de 21 de março de 2001, para proibir a discriminação com base na orientação sexual de doadores de sangue".
Publicação
Publicação no DSF de 05/11/2021 - Página 33
Assuntos
Política Social > Proteção Social > Direitos Humanos e Minorias
Política Social > Saúde > Saúde Pública
Matérias referenciadas
Indexação
  • RELATOR, PARECER, PROJETO DE LEI, ALTERAÇÃO, LEI FEDERAL, DOAÇÃO, SANGUE, PROIBIÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, ORIENTAÇÃO, SEXO, CARACTERIZAÇÃO, IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para proferir parecer. Por videoconferência.) – Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, inicialmente, Senador Rodrigo Pacheco, quero agradecer a V. Exa. a generosidade da indicação do meu nome para relatar essa matéria que é da autoria do Senador Fabiano Contarato, sem dúvida um dos melhores Parlamentares que nós temos na Casa e que sempre traz propostas importantes.

    Esse projeto altera a Lei 10.205, de 21 de março de 2001, para proibir a discriminação com base na orientação sexual de doadores de sangue.

    O relatório é o seguinte, Sr. Presidente:

    Vem ao exame do Plenário, em substituição às Comissões, o Projeto de Lei (PL) nº 2.353, de 2021, de autoria do Senador Fabiano Contarato, que altera a Lei nº 10.205, de 21 de março de 2001, para proibir a discriminação com base na orientação sexual de doadores de sangue.

    A proposta tem dois artigos: o art. 1º acrescenta o inciso XIII, para incluir a não discriminação em função da orientação sexual de doadores de sangue no rol de princípios e diretrizes da Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados, e o §4º, que prevê a punição aos que desrespeitarem o disposto no inciso adicionado; o art. 2º estabelece que a lei, eventualmente originada da proposição, passará a viger a partir de sua publicação.

    Na justificação da matéria, o autor afirma que a impedição de doação de sangue, seus componentes e derivados por homens que se relacionam sexualmente com outros homens é uma grave manifestação homofóbica vigorando em inúmeros países pelo mundo. Para o proponente, abrem-se aspas: “[...] Trata-se de uma restrição absolutamente injustificada que não se baseia em critérios técnicos, mas na discriminação por orientação sexual.”.

    Ainda segundo o autor, o Brasil avançou consideravelmente nesta temática quando o Supremo Tribunal Federal, no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 5.543/DF, declarou inconstitucional a Portaria nº 158/2016, do Ministério da Saúde, e da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 34/2014, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa. Estes instrumentos normativos determinavam que homens que tivessem tido relações sexuais com outros homens (e suas eventuais parceiras sexuais) fossem submetidos à quarentena de 12 meses para que pudessem doar sangue, isto é, eram considerados inaptos para doação neste período.

    A justificação da matéria que ora apreciamos traz, ainda, uma significativa questão: a decisão da Suprema Corte não esgota este debate. A proposta, segundo o autor, figura-se relevante pelas seguintes razões:

(i) Do ponto de vista simbólico, o direito a realizar a doação de sangue precisou, frente à omissão deste Congresso Nacional, ser garantido por decisão judicial. É mister que este Senado Federal assuma seu papel constitucional no combate às desigualdades e, especialmente, ao preconceito contra a comunidade LGBTQIA+;

(ii) Em se tratando de uma decisão judicial tomada por apertada maioria (7 votos contra 4), há inegável risco de que, com modificações na composição da Suprema Corte, esta venha a ser revertida, restabelecendo-se dispositivos que consagram o cenário de discriminação indevida contra homens gays, bissexuais e transexuais;

(iii) Há risco de descumprimento disseminado ou pontual da decisão judicial por agentes públicos e privados, razão pela qual propõe-se explicitar as sanções aplicáveis àqueles que negarem o direito de homens gays, bissexuais e transexuais a doarem sangue com base unicamente em sua orientação sexual.

    O autor conclui ressaltando que o PL 2.353, de 2021, não pretende interferir nos critérios técnicos e científicos utilizados no tratamento do material coletado, mas impedir que se utilizem regras sem fundamentos científicos e que resultam em clara discriminação social.

    A matéria foi distribuída para análise do Plenário, em substituição às Comissões, nos termos do Ato da Comissão Diretora nº 8, de 2021.

    Não foram apresentadas emendas.

    Análise.

    A competência deste Plenário para apreciar o Projeto de Lei nº 2.353, de 2021, em substituição às Comissões, está fundamentada no art. 7º do Ato da Comissão Diretora nº 8, de 2021, que regulamenta o funcionamento das sessões e reuniões remotas e semipresenciais neste Senado Federal.

    De início, convém destacar que a proposição ora em análise atende aos requisitos de constitucionalidade, vez que compete à União legislar privativamente sobre seguridade social (art. 22, XXIII, da Constituição Federal), juridicidade, regimentalidade e técnica legislativa.

    No mérito, a matéria merece ser acolhida.

    A Lei nº 10.205, de 21 de março de 2001, que “Regulamenta o §4º do art. 199 da Constituição Federal, relativo à coleta, processamento, estocagem, distribuição e aplicação do sangue, seus componentes e derivados, estabelece o ordenamento institucional indispensável à execução adequada dessas atividades, e dá outras providências” dispõe que a utilização exclusiva da doação voluntária, não remunerada, do sangue, cabendo ao poder público estimulá-la como ato relevante de solidariedade humana e compromisso social (grifos nossos) é uma das diretrizes da Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados.

    Por outro lado, o inciso IV, do art. 64, a Portaria nº 158/2016, do Ministério da Saúde, a alínea “d”, do inciso XXX, do art. 25, da Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 34/2014, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), dispõem que – abrem-se aspas:

“Art. 64 - Considerar-se-á inapto temporário por 12 (doze) meses o candidato que tenha sido exposto a qualquer uma das situações abaixo:

..............................................................................................

IV - homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes.

E “Art. 25. O serviço de hemoterapia deve cumprir os parâmetros para seleção de doadores estabelecidos pelo Ministério da Saúde, em legislação vigente, visando tanto à proteção do doador quanto à do receptor, bem como para a qualidade dos produtos, baseados nos seguintes requisitos:

..............................................................................................

XXX - os contatos sexuais que envolvam riscos de contrair infecções transmissíveis pelo sangue devem ser avaliados e os candidatos nestas condições devem ser considerados inaptos temporariamente por um período de 12 (doze) meses após a prática sexual de risco, incluindo-se:

..............................................................................................

d) indivíduos do sexo masculino que tiverem relações sexuais com outros indivíduos do mesmo sexo e/ou as parceiras sexuais destes”

    Não observamos na legislação atual qualquer menção que pudesse ser utilizada como subterfúgio que justificasse os atos infralegais discriminatórios implementados por órgãos do Governo brasileiro. No entanto, apesar de haver decisão do Supremo Tribunal Federal, essas normas espúrias clamam por um posicionamento firme deste Congresso Nacional, e tal firmeza está no escopo deste projeto de lei apresentado pelo Senador Fabiano Contarato.

    Notem que o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária agiram por anos na contramão do que a legislação vigente trazia como diretriz da Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados, ou seja, ao invés de estimularem a doação de sangue como um ato relevante de solidariedade humana e compromisso social, criavam um estigma social e estimulavam um preconceito que já está enraizado na sociedade brasileira: a discriminação contra orientação sexual.

    O Governo brasileiro estabeleceu critérios para doação de sangue com base em grupos e não a partir de condutas de risco que podem ser praticadas por qualquer cidadão brasileiro. Essa lamentável decisão é um flagrante ato discriminatório que viola princípios e fundamentos constitucionais básicos: a dignidade da pessoa humana e o direito à igualdade.

    Ainda que de forma não intencional, a portaria do Ministério da Saúde e a RDC da Anvisa imputaram aos homens homossexuais e bissexuais e/ou seus parceiros e suas parceiras a proibição da fruição livre da própria sexualidade no momento em que exigiram uma quarentena de 12 meses para que estas pessoas pudessem praticar o ato empático e solidário de doar sangue.

    O Governo não pode tratar a comunidade LGBTQIA+ como um grupo formado por pessoas que representam perigo à saúde pública; não se pode restringir a qualquer grupo o direito de ser solidário, o direito de participar ativamente da sociedade, o direito de ser como se é. Não podemos deixar que atos como este continuem vigendo em nosso País. É inconcebível imaginar que agentes governamentais determinem que cidadãos brasileiros por si só representem um grupo de risco, sem sequer debruçar por questões verdadeiramente relevantes que possam impedir a doação de sangue.

    Doar sangue é, antes de qualquer coisa, um ato pela vida. As restrições e os critérios técnicos e científicos para doação de hemoderivados devem ser aplicados igualmente a todos, sem que haja qualquer tipo de discriminação, avaliando-se de forma justificada e individualmente as condutas que possam colocar em risco a saúde pública.

    Os atos do Ministério da Saúde e da Anvisa, que foram objetos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.543/DF, impetrada pelo Partido Socialista Brasileiro e outros, trouxeram para o centro do debate uma questão que, infelizmente, ainda reflete, sobremaneira, a sociedade atual; um pensamento arcaico e absurdo que relaciona a orientação sexual a vetores de transmissão de enfermidades.

    O Ministro Edson Fachin foi incisivo em sua decisão: “Orientação sexual não contamina ninguém; condutas de risco, sim”.

    Ouso aqui fazer uma releitura do que fora postulado pelo Ministro: orientação sexual não contamina ninguém; condutas de risco e preconceito, sim.

    É importante destacar que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, em consonância com a decisão da Corte Suprema, atualizou, em agosto de 2020, o guia com os critérios para a triagem clínica e epidemiológica de candidatos a doação de sangue, com base na Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 399/2020, que eliminou a restrição que acima pontuamos.

    A Agência promoveu, ainda, a publicação de um material destinado à sociedade com informações sobre a doação e a transfusão de sangue. A produção do material contou com a participação de representantes da Hemorrede nacional e da comunidade LGBTQIA+.

    Temos de reconhecer que a decisão do Supremo Tribunal Federal representa mais um passo no combate ao preconceito contra a comunidade LGBTQIA+ no Brasil.

    É importante reconhecer também a importância de todas as entidades civis que representam esta comunidade em nosso País, sobretudo porque elas lutam pelo não silenciamento de tantas vozes que por vezes são obrigadas a se calarem diante de tanto ato discriminatório, inclusive pelo próprio Governo brasileiro.

    Por fim, não podemos deixar de enaltecer o Senador Fabiano Contarato pela importante iniciativa.

    Esta proposição tem dois grandes objetivos: acabar com a homofobia institucionalizada e garantir o aumento nas doações e a manutenção dos bancos de sangue em nosso País.

    Estamos analisando, neste momento, um projeto fundamental para a saúde pública brasileira, que garante o direito à vida e combate o preconceito.

    Voto: ante o exposto, o nosso voto é pela aprovação do Projeto de Lei nº 2.353, de 2021.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.

    Meus parabéns ao Senador Fabiano Contarato por mais esta contribuição importante não somente à saúde pública do nosso País, mas também à luta pela construção da igualdade no nosso País.

    Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/11/2021 - Página 33