Discurso durante a 162ª Sessão Especial, no Senado Federal

Sessão Especial destinada a celebrar o dia Vinte de Novembro, Dia da Consciência Negra, e o lançamento no Senado Federal do Observatório de Equidade nos Legislativos Federal e Estaduais.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Direitos Humanos e Minorias, Homenagem:
  • Sessão Especial destinada a celebrar o dia Vinte de Novembro, Dia da Consciência Negra, e o lançamento no Senado Federal do Observatório de Equidade nos Legislativos Federal e Estaduais.
Publicação
Publicação no DSF de 27/11/2021 - Página 31
Assuntos
Política Social > Proteção Social > Direitos Humanos e Minorias
Honorífico > Homenagem
Matérias referenciadas
Indexação
  • SESSÃO ESPECIAL, CELEBRAÇÃO, DIA NACIONAL, CONSCIENTIZAÇÃO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, NEGRO, LANÇAMENTO, SENADO, OBSERVATORIO, EQUIDADE, REPRESENTAÇÃO POLITICA, LEGISLATIVO.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Para discursar.) – Eu diria que que não vale, na minha hora de falar. Estou rindo para não chorar. Estou dando uma risadinha aqui para disfarçar o choro. Eu sempre digo que, no dia em que a gente perder as emoções, está na hora de parar. Se depender de mim, não paro nunca. Poderei não ser candidato, como já anunciei, mas estarei sempre na militância das grandes causas que vocês defendem.

    Eu queria iniciar – até porque eu preparei esse pronunciamento para outro dia... É por você, Leila, você foi uma valente, uma corajosa, no vôlei, no esporte, defendendo o Brasil. Você continua sendo a mesma, isso é muito bom. Às vezes, dizem que é um grande esportista, mas não é um grande político. Vocês estão vendo aqui uma grande esportista e uma grande política. Você tem dado ensinamentos para muita gente com a sua forma de atuar e de trabalhar. Por que é que eu digo isso? Estávamos com dificuldades para termos hoje, em Brasília... Tem que ser presencialmente. A Leila tinha uma série de agendas. A assessoria dela me falou: "Senador, acho que não vai dar, ela tem uma série de agendas no dia de hoje". Aí na cidade dela, no DF. Aí eu disse: mas vou falar com ela um pouquinho. Falei com ela. Ela me disse: "Paim, eu vou dar um jeito, vou cortar para cá, vou cortar para lá, e vou presidir essa sessão". Então, Leila, muito obrigado. Aceite uma salva de palmas. (Palmas.)

    Se não fosse por você, nós não estaríamos aqui agora. Nós íamos ter de transferir outra vez.

    A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) – Você não imagina o quanto isso aqui, para mim, está sendo revigorante. Ao mesmo tempo, saio daqui com mais sangue nos olhos para continuar trabalhando com o senhor, ao seu lado, na CDH, no Senado, para a gente trabalhar essas políticas, essa legislação e essa dívida histórica – porque ela ainda continua sendo histórica – com as mulheres, com os negros, com os índios. Nós temos dívidas históricas aqui. Se Deus quiser – Ele vai me dar muita saúde –, o senhor vai ficar muito tempo, mesmo falando que não vai para a reeleição. Eu já estou triste com tudo isso, mas sei que o senhor vai continuar sempre contribuindo. Uma vez na política, sempre. Realmente, o senhor é a personificação da boa política, da política bem feita, comprometida. É um exemplo para todos nós.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Obrigado, Leila, obrigado mesmo.

    Eu queria rapidamente cumprimentar: a Diretora-Geral do Senado Federal, Ilana Trombka, pelo trabalho belíssimo que vem fazendo; a Nilma Gomes, uma militante da história, que não é só contar história, é fazer história – por isso, Nilma, meu abraço carinhoso a você que foi ex-Ministra, que é professora universitária, enfim, que tem uma história bonita, quem agradece a você somos nós, por tudo o que você tem feito; o Devair Sebastião Nunes, analista legislativo que, com competência, equilíbrio e qualidade, mostrou a realidade brasileira com números; o Douglas não pôde vir, mas é um grande militante também da nossas caminhadas; e, Rita Oliveira, Coordenadora do Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública, deixe-me eu lhe dizer, você, como diz o outro, me quebrou. Você me quebrou aqui com essa verdadeira poesia que você fez, e me coloca no meio. Aí, a emoção toma conta.

    Eu me lembro – e permitam que eu diga isso – quando o Abdias fez, Nilma, Leila, enfim, todos vocês, 92 anos, eu escrevi a melhor poesia da minha vida: Abdias um homem além do seu tempo, acima e além do seu tempo. E foi a homenagem que eu fiz, no Itamaraty, em nome do Congresso, a ele. Jamais vou esquecer. Ele, de cadeira de rodas, a companheira dele ao lado, eu fiz a poesia e entreguei a cópia para ele.

    Mas eu não posso falar muito tempo, porque eu sei que a Leila tem outros compromissos ainda...

    A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) – Fique tranquilo. Tranquilo.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Mas eu queria expor um pouquinho dessa caminhada de todo o povo negro, que eu tento colocar no papel.

    Eu começaria dizendo: salve o 20 de novembro!

    Estou segurando aqui e a culpada é você – viu, Rita? Agora aqui, na hora de eu ir para o papel, eu começo...

    Salve o 20 de novembro, Dia da Consciência Negra e de Zumbi dos Palmares!

    A jornada de combate ao racismo é longa e precisa de muita perseverança. Acreditar é esperançar que o Brasil pode, sim, se transformar em um país justo e com direitos iguais para todos, onde ninguém, ninguém seja – esse é o sonho – discriminado pela cor da pele, pelo cabelo, pela escolha da religião, por cantar e dançar as músicas da sua pátria mãe África, das suas origens.

    As nobres causas são guiadas por sentimentos, como foi dito por vocês, de amor, fraternidade e de coragem na busca da justiça, que todos vocês aqui representam muito bem.

    Nesta sessão especial dos 50 anos em que nasceu o Dia da Consciência Negra, somos aqui um grande quilombo de brancos, de negros, de resistência daqueles que buscam o debate e o diálogo na busca de um país melhor para todos.

    Que o grito de Zumbi dos Palmares, morto em martírio, venha pelo tempo, nos dê inspiração e seja ele o nosso guia; ele que tombou por quê? Porque queria liberdade, sonhando para a sua gente o mesmo voo de pássaros livres.

    Que esse mesmo grito mostre ao Brasil que a verdadeira história do povo negro tem que ser contada nas salas de aula, em todos os lugares, no campo e na cidade, como diz a Lei n° 10.639, e que somente 20% dos Municípios adotam. E por quê? É lei! Não precisa fazer mais nada, é só adotar em toda sala de aula.

    Que as nossas gargantas não se ressequem jamais diante da imposição daqueles que discriminam e não aceitam a diversidade.

    A consciência negra é herança dos nossos antepassados, que vieram da África, e é preciso honrá-la. Somos construtores deste País, abrimos estradas, caminhos, atiramos semente ao solo, levantamos paredes e edifícios, mas, de forma cruel, nossa gente foi açoitada pela desumanidade dos homens insensíveis à própria humanidade.

    Essa verdade não pode ser escondida, precisa vir à tona, preencher as páginas dos livros, estar no convívio do povo brasileiro. Tem que se contar, sim, que o 20 de novembro nasceu lá em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, sob a batuta de seis jovens estudantes negros, liderados pelo poeta, já falecido, Oliveira Silveira e Antônio Carlos Côrtes – eu tive a alegria, por uma provocação positiva da TV Senado, de estar recentemente com ele.

    E quero dizer, por uma questão de justiça, que somente em 2011 foi transformado em lei o 20 de novembro. A autora foi uma Senadora que não está mais conosco, Serys Slhessarenko, e eu tive a honra porque ela me convidou para ser o Relator da matéria. Em 2011 é que transformamos em lei o 20 de novembro. E aqui a história não conta, mas sabe o que ele tinha lá, Leila? Tinha o feriado nacional. E, na hora da versão final – eu, Relator –, disseram para mim: "Ou tu tiras o feriado ou tu não terás nem o dia da consciência". Aí falei com a falei com a Serys, falei com o movimento... É por etapa – é isso que você falou, Rita –, é por etapa que a gente vai.

    E agora, felizmente, Randolfe Rodrigues apresenta, me convoca para ser Relator, fizemos a defesa e aprovamos, por unanimidade, Leila, com teu apoio Leila, porque tu estavas lá naquele dia histórico, e o projeto está lá na Câmara. Esperamos que agora avance.

    A nossa gente precisa conhecer os seus heróis e suas heroínas. Sim, nós temos heróis também. Eu quero ver heróis também da minha cor. E por que esconderam eles durante toda a nossas vidas?

    Sim, existem heróis e heroínas, negros e negras, homens e mulheres, que nos honram e que são nossos espelhos. Podia lembrar aqui da guerreira Dandara, Luísa Mahin, André Rebouças, Zumbi, João Cândido, Abdias Nascimento e tantos outros de uma lista interminável.

    A população brasileira é composta por 56,2% de negros, quase 120 milhões de pessoas. A grande maioria – isso tem que ser dito – é pobre. A escravidão de ontem está viva nos dias de hoje na fome, na miséria, na pobreza, no desemprego, na falta de acesso à educação para nossas crianças e jovens, na saúde precária, no descaso do Estado brasileiro.

    A escravidão de ontem se faz presente no olhar que reprime – o olhar! Por que não lembrar o shopping, não é? Tenho um filho, que, se não fosse um colega dele branco que estava perto, ele teria sido espancado dentro de um shopping, aqui em Porto Alegre.

    Ele até falou, num dia desses, num vídeo. Eu disse: "Ah, vamos tocando". Está nas palavras que agridem ou nos gestos. Eu diria que os grilhões seculares estão no ódio, na violência e no dia a dia da abordagem policial.

    Ah, sim, conseguimos, Leila, aprovar um projeto em relação à abordagem policial. Aprovamos. O Contarato foi o Relator, você me ajudou muito. Está lá na Câmara para mudar, para educar ou para reeducar como é que se faz uma abordagem.

    Teremos que sonhar aqui. Quero lembrar que, infelizmente, a abordagem policial era um sonho. Espero que a Câmara aprove o que Senado aprovou por unanimidade. Temos que nos lembrar das balas perdidas que atingem a cabeça e o coração de meninos e meninas negros, acabando com os sonhos; do assassinato de homens negros, com sangue negro; de estupro de mulheres negras; do feminicídio; das lágrimas do idoso negro.

    A nossa consciência negra nos leva para batalhas. Por isso, não fugimos do nosso destino, da nossa própria vida, da nossa história. É através da boa luta, da boa política que alcançaremos as transformações necessárias. O Senado está acenando ao Estado brasileiro a urgência da implantação de públicas integradas que combatam as desigualdades, o racismo e todas as formas de discriminação no nosso País.

    Homenageio o nosso Senado e digo isso, Leila, para que todos no Brasil entendam que está havendo um avanço. Como eu diria, fizemos muito, mas temos muito por fazer.

    Em 2020 e 2021, apresentamos – não fui só eu – em torno de 27 projetos de combate ao racismo estrutural. O Senado já aprovou dez. Foram autores e Relatores os Senadores. Já foram aprovados dez. Vou citá-los rapidamente: o que tipifica como crime de racismo a injúria racial o Supremo já decidiu; o que cria o selo Zumbi dos Palmares, que aqui foi lembrado; o do Randolfe, do qual eu tive a alegria de ser Relator; o que reconhece o sítio arqueológico do Cais do Valongo, aprovado; o que cria o feriado nacional no Dia de Zumbi e da Consciência Negra, repito, aprovado; o que criou a Convenção Interamericana contra o Racismo, repito, aprovado na Câmara e no Senado; o que escreve o nome de João Cândido Felisberto no livro dos Heróis da Pátria, aprovado; o que trata, mais uma vez repito, da importância da abordagem, aprovado no Senado e na Câmara; o que garante a bolsa de um salário mínimo aos cotistas, no mínimo, aprovado no Senado – está na Câmara.

    Precisamos aprovar o 3.434, de 2020, que garante reserva de vagas para estudantes nos programas de pós-graduação – Dra. Rita Oliveira ajudou nessa construção. Por um detalhe, ele não entrou naquele dia histórico em que aprovamos três – ele seria o quarto. Precisamos aprovar o 4.656, que estende a validade de cotas por dez, por vinte anos. Que se aprovem as cotas, uma proposta pública, uma lei de política pública, que é um sucesso – ninguém tem dúvida quanto a isso.

    Aprovamos a criação – Leila, você estava lá novamente – da Subcomissão da Igualdade Racial na CDH.

    Vou para o final, agora, com muito carinho, dirigindo-me a você, Ilana.

    Hoje, o Senado está lançando o Observatório Equidade no Legislativo, obra deste time que está aqui conosco, uma ação do Grupo de Trabalho de Afinidade de Raça e do Comitê Permanente pela Promoção da Igualdade de Gênero e Raça, com o que a Leila tem colaborado muito, não é, Leila?

    Uma das minhas assessoras, que está lá, tem falado toda a vez que te procuram. E ela foi a primeira a lembrar. A assessora é negra, a Isabel, que está com um probleminha de doença. Disse: "A Leila, Paim, a Leila".

    Sua missão é de coletar, como aqui mostrou muito bem o Devair, sistematizar o perfil da representação no Legislativo, seja no Congresso, seja nas Assembleias.

    A coordenação do grupo é de Henrique Talamoni Salles Pinto, a quem cumprimento.

    Parabéns!

    Parabéns, Diretora-Geral do Senado, Dra. Ilana, que é quem coordena todo esse trabalho.

    Parabéns, parabéns mesmo!

    Concluo, dizendo: a baixa representatividade de negros e mulheres nos Poderes constituídos é uma triste realidade. A implantação do Observatório Equidade reafirma que o Senado está no caminho certo, inovando, em uma conexão com a sociedade brasileira, que clama, que clama, que clama o sonho de todos nós: um país não racista, igualitário para todos e todas.

    Eu quero, um dia, que toda a sociedade brasileira vá nesse sentido.

    Registro, mais uma vez, Leila, olhando para o seu cartaz – não foi combinado, não é, Leila? –, também o lançamento da campanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra as Mulheres, com a liderança, aqui presente, da nossa querida Senadora Leila Barros, que está presidindo esta sessão.

    Leila Barros: presente! Presente!

    Parabéns, Leila, uma alegria estar contigo!

    Por fim, amigos e amigas, eu termino dizendo que a palavra mais linda, para mim, é a palavra "amor". Depois, vem paz, vem felicidade, vem alegria. Mas "amor", para mim, é a mais linda e a que mais mexe com a minha alma e com o meu coração.

     A humanidade anda solitária há muito tempo, em guerras, em desarmonia. Age de forma vil, violenta, discriminatória, racista, não assiste aos necessitados, aos que passam fome, aos refugiados, aos migrantes.

    Cobramos solidariedade, mas não estendemos a mão aos que precisam e aos que não têm mais força para abrir os olhos.

    Por isso vamos buscar com força a palavra "amor", "amor" para mudar este quadro!

    Agora, termino de verdade, Leila.

    Martin Luther King nos ensinou: o amor é a única força capaz de transformar inimigos em amigos.

    E, aqui, estamos nós, nós todos, nesta trincheira, pintando os nossos cenários coletivos, buscando, na verdade, o que queremos, que é a cidadania para todos, negros, brancos, índios, ciganos, mulheres, crianças, idosos, pessoas com deficiência, LGBTI+, todos e todas. É isso que nós queremos.

    Por isso eu termino dizendo: Temos pressa de seguir adiante, de escalar montanhas, de cantar ao vento, de conquistar a nossa conexão com o universo.

    Um grande abraço. Axé! E desculpem um pouco da emoção.

    Um beijo no coração de todos vocês.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/11/2021 - Página 31