Presidência durante a 171ª Sessão Especial, no Senado Federal

Abertura da Sessão Especial destinada a homenagear o Ofício das Paneleiras de Goiabeiras.

Autor
Fabiano Contarato (REDE - Rede Sustentabilidade/ES)
Nome completo: Fabiano Contarato
Casa
Senado Federal
Tipo
Presidência
Resumo por assunto
Homenagem, Trabalho e Emprego:
  • Abertura da Sessão Especial destinada a homenagear o Ofício das Paneleiras de Goiabeiras.
Publicação
Publicação no DSF de 14/12/2021 - Página 7
Assuntos
Honorífico > Homenagem
Política Social > Trabalho e Emprego
Matérias referenciadas
Indexação
  • ABERTURA, SESSÃO ESPECIAL, HOMENAGEM, PROFISSÃO, MULHER, FABRICAÇÃO, UTENSILIOS, BARRO.

    O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. PDT/CIDADANIA/REDE/REDE - ES) – Declaro aberta a sessão.

    Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.

    A presente sessão especial remota foi convocada nos termos do Ato da Comissão Diretora nº 8, de 2021, que regulamenta o funcionamento das sessões e reuniões remotas e semipresenciais no Senado Federal e a utilização do Sistema de Deliberação Remota, e em atendimento ao Requerimento 2.170, de minha autoria e de outros Senadores, aprovado pelo Plenário do Senado Federal.

    A sessão é destinada a homenagear o Ofício das Paneleiras de Goiabeiras, em Vitória, no Estado do Espírito Santo.

    A Presidência informa que esta sessão terá a participação das seguintes convidadas: Sra. Patrícia Bragatto Guimarães, Gerente de Patrimônio da Secretaria de Cultura do Estado do Espírito Santo; Sra. Elisa Machado Taveira, Superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Espírito Santo; Sra. Beatriz Lindenberg, especialista em literatura brasileira contemporânea e Diretora do documentário Griôs de Goiabeiras, realizado pelo Instituto Marlin Azul, em parceria com a Associação de Cultura e Lazer Panela de Barro de Goiabeiras; Sra. Jamilda Bento, bibliotecária do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) e membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas; Sra. Jecilene Correa Fernandes, Presidente da Associação das Paneleiras de Goiabeiras; Sra. Berenícia Corrêa Nascimento, ex-Presidente da Associação das Paneleiras de Goiabeiras.

    Convido a todos para, em posição de respeito, acompanharmos o Hino Nacional.

(Procede-se à execução do Hino Nacional.)

    O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. PDT/CIDADANIA/REDE/REDE - ES) – Sras. e Srs. Senadores, convidados e todos aqueles que estão nos acompanhando, é com alegria que estamos aqui para realizar esta sessão especial, a fim de homenagear o Ofício das Paneleiras de Goiabeiras, que completará, em 20 de dezembro, 19 anos de registro na condição de patrimônio imaterial, um registro realizado no Livro de Registro dos Saberes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

    No valoroso dossiê do Iphan, que antecede o registro, constam a explanação a respeito do ofício de paneleira, seguido da pré-história e história, isto é, da herança ancestral das paneleiras, a respeito do ambiente da riqueza do manguezal e seus barreiros, das matérias-primas, dos instrumentos de trabalho, das etapas de produção e, claro, a essencial menção às moquecas e à torta capixaba produzidas nessas preciosas panelas.

    Porém, antes de entrarmos nessa matéria, queremos saudar essa política pública, que é das mais relevantes, que é o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, no qual figura o registro de bens culturais de natureza imaterial que constitui o patrimônio cultural brasileiro. Em tempos tão carrascos para o Brasil, para os brasileiros e para a identidade cultural de nosso povo, é bom que exista uma política permanente de Estado para nos lembrar de quem somos.

    São quatro os livros de registro e os dos saberes, onde são escritos conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades; o das Celebrações, em que são inscritos rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social; o das Formas de Expressão, em que são inscritas manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas; e o dos Lugares, em que são inscritos mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas.

    A beleza desta celebração está também no fato de que, com o Ofício das Paneleiras de Goiabeiras, foi empregada, pioneiramente, a metodologia do Inventário Nacional de Referências Culturais. Graças àquele reconhecimento feito há 19 anos, foi possível criar e manter o Plano de Salvaguarda, isto é, um instrumento de apoio e incentivo a ações que valorizem as cidadãs paneleiras e que favoreçam a manutenção das condições básicas, materiais, para o seguimento do Ofício das Paneleiras de Goiabeiras.

    É certo que muitas das senhoras e dos senhores já terão experimentado a deliciosa moqueca feita numa panela dessas. O que poucos sabem é que esse é um fazer de mulheres – em particular, as moradoras do Bairro Goiabeiras Velha, em Vitória, no Espírito Santo –, um fazer feminino que é transmitido de mãe a filha naquela comunidade.

    Para quem vive querendo apagar a memória da presença dos povos ancestrais, é necessário lembrarmo-nos de que essa arte da cerâmica provém dos indígenas, com modelagem manual, queima a céu aberto e aplicação de tintura de tanino. Essa arte foi aprendida por ocupantes da margem do manguezal e seguirá adiante, graças a esse reconhecimento como Patrimônio Imaterial.

    Ofício das Paneleiras de Goiabeiras! Não deixa de haver poesia no próprio título do Patrimônio Imaterial registrado. E a poesia nasce da singularidade, do exclusivo, do único. Aliás, permitam-me recitar um poema de Elisa Lucinda:

Todo capixaba tem

Um pouco de beija flor no bico

Uma panela de barro no peito

Uma orquídea no gesto

Um cafezinho no jeito

Um trocadilho na brincadeira

Um congo no andar

Um jogo de cintura

Um chá de cidreira

Uma moqueca perfeita

E uma rede no olhar.

    O Ofício das Paneleiras de Goiabeiras começa por pertencer àquele grupo local, mas, pelo reconhecimento do Iphan, é de todo o Brasil e, por extensão, de todo o mundo – fortuna nossa, portanto.

    Por incrível que pareça, mesmo com o adensamento populacional daquele bairro, a arte das paneleiras tem sido mantida como ofício familiar feito em casa na comunidade envolvente. A raiz desse ofício, pois, está num grupo de pouco mais de 120 famílias, nucleares, muitas das quais aparentadas entre si, segundo o dossiê do Iphan. E, pelo reconhecimento e pela promoção do turismo cultural, se expande cada vez mais: da “aldeia” do Bairro de Goiabeiras Velha para o mundo.

    Em expansão a essa arte e ofício, a culinária capixaba tem também ganhado cada vez mais notoriedade. Essas famosas panelas, por serem usadas para fazer as moquecas de peixe e de outros frutos do mar e também torta capixaba, estão ligadas fortemente à identidade cultural, a ponto de ser reconhecida como sendo “a mais brasileira das cozinhas”.

    E essa força organizativa, familiar e comunitária se expande para outras esferas da cultura, pois o bairro é conhecido por ser lugar de reza e benzedura; por abrigar a Banda de Congo Panela de Barro e também a Folia de Reis Goiabeiras Velha; e pelo Boi Estrela, grupos de brincantes que preenchem com música, dança e alegria aquela comunidade.

    Nossa homenagem é ao ofício, que confere dignidade e identidade ao Bairro de Goiabeiras Velha, mas, principalmente, às mulheres, as paneleiras. O dossiê chega a descrever os sobrenomes: são as mulheres Corrêa, que estão presentes nesta Sessão Especial e a quem agradeço fortemente pela participação, Lucidato, da Victória, Alves, Ribeiro, Gomes, Fernandes, Barbosa e Rodrigues, Salles, dos Santos, de Moura, da Silva, Ferreira, Siqueira, Alvarenga, Nascimento, Dias, Rosa, entre outros clãs, com intrincado parentesco mútuo.

    É a essas pessoas, em suas identidades familiares e seus vínculos com a natureza e sua arte e ofício, que homenageamos hoje, na esperança de que sejam asseguradas as condições de preservação desse patrimônio.

    É o que tenho a dizer.

    Antes de conceder a palavra a cada convidada, gostaríamos de apresentar o primeiro episódio da websérie "Griôs de Goiabeiras", intitulado: "É da Mão de Quem? Paneleiras", das diretoras Beatriz Lindenberg e Jamilda Bento.

    A websérie foi selecionada pelo Edital “Cultura Digital” (Apoio à Produção de Conteúdos Digitais no Estado do Espírito Santo) e conta com recursos da Lei Aldir Blanc. A realização é do Instituto Marlin Azul, em parceria com a Associação de Cultura e Lazer Panela de Barro de Goiabeiras/Banda de Congo.

    Assistiremos agora ao vídeo: "É da Mão de Quem? Paneleiras", da websérie "Griôs de Goiabeiras", de autoria de Jamilda Bento e Beatriz de Lindenberg.

(Procede-se à exibição de vídeo.)

    O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. PDT/CIDADANIA/REDE/REDE - ES) – É muito emocionante quando a gente assiste a um vídeo desse, retratando a história, passa um filme na cabeça da gente. Eu sou do Espírito Santo, nasci no interior do Estado, mas, quando eu tinha de 3 para 4 anos, minha família se mudou para a capital. Sempre passei por ali, por Goiabeiras, por aquela região do manguezal vendo aquelas mulheres, aqueles trabalhadores. Essa relação com a natureza é uma relação espiritual, é uma relação transcendente. Então, quando eu ouvi esse relato da mulher falando "eu sinto quando elas chegam, eu sei o momento"... É inexplicável isso, só quem passa efetivamente por isso sabe o valor que tem.

    Hoje eu me sinto extremamente privilegiado por ter proposto esta sessão em homenagem ao Ofício das Paneleiras. Eu quero me colocar à disposição de vocês, humildemente colocar o gabinete à disposição, colocar minha equipe aqui em Brasília à disposição para aquilo de que vocês precisarem e para, no que eu puder, divulgar, estimular, incentivar.

    Quero parabenizar a Secult e essas mulheres aguerridas, guerreiras, a universidade e o instituto federal, que sempre têm sido atores fundamentais na preservação cultural. Às vezes são mulheres sofridas que mantêm suas vidas com tanta dignidade... E aí eu falo não por vitimismo – por favor não me queiram mal –, mas eu, que venho de uma família muito pobre, quando eu vejo essas mulheres, eu me vejo nelas, me vejo nessas famílias – e não há dinheiro que pague isso, não há cargo que pague isso.

    Eu estou aqui, no Senado – é o meu primeiro mandato –, e, às vezes, esta Casa é impregnada por vaidade. São políticos que querem saber de status, salários, cargos, funções, e essa vida da gente é tão curta. A pandemia está aí, nos dando uma lição. E qual é a digital que nós vamos deixar para construir um Brasil melhor, um Espírito Santo melhor, mais inclusivo, mais acolhedor, que mantenha e fortaleça a cultura da nossa sociedade?

    Então, eu quero aqui deixar e reafirmar meu compromisso, meu comprometimento com essa cultura, com o Ofício das Paneleiras, com a população capixaba. Muito obrigado por tudo o que vocês têm feito, e que vocês passem essa cultura de gerações em gerações, e nós, aqui, temos que nos empenhar para proporcionar dignidade, para proporcionar o que for de melhor para vocês. Isso não é fala de um político da boca para fora, porque vocês sabem que eu nunca fui político; eu amo ser delegado de polícia, há 27 anos, e ser professor na universidade. Eu estou como Senador, mas enquanto Deus me der vida e saúde e eu estiver no Senado, esta Casa é a casa de vocês, podem ter certeza disso.

    Concedo a palavra à Sra. Patrícia Bragatto Guimarães, Gerente de Patrimônio da Secretaria de Cultura do Estado do Espírito Santo, por cinco minutos. E obrigado por ter aceitado o convite.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/12/2021 - Página 7