Fala da Presidência durante a Sessão Especial, no Senado Federal

Abertura da Sessão Especial destinada a homenagear e relembrar as vítimas do Holocausto e realizar a cerimônia do Yom HaShoá,”Dia da Lembrança do Holocausto”.

Autor
Jaques Wagner (PT - Partido dos Trabalhadores/BA)
Nome completo: Jaques Wagner
Casa
Senado Federal
Tipo
Fala da Presidência
Resumo por assunto
Direitos Humanos e Minorias, Homenagem:
  • Abertura da Sessão Especial destinada a homenagear e relembrar as vítimas do Holocausto e realizar a cerimônia do Yom HaShoá,”Dia da Lembrança do Holocausto”.
Publicação
Publicação no DSF de 11/02/2022 - Página 13
Assuntos
Política Social > Proteção Social > Direitos Humanos e Minorias
Honorífico > Homenagem
Matérias referenciadas
Indexação
  • ABERTURA, SESSÃO ESPECIAL, DESTINAÇÃO, HOMENAGEM, VITIMA, HOLOCAUSTO, REALIZAÇÃO, CERIMONIA, JUDAISMO.

    O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Fala da Presidência.) – Declaro aberta esta sessão.

    Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.

    A presente sessão especial foi convocada nos termos do Ato da Comissão Diretora nº 8, de 2021, que regulamenta o funcionamento das sessões e reuniões remotas e semipresenciais no Senado Federal e a utilização do Sistema de Deliberação Remota, em atendimento ao Requerimento nº 12, de 2022, da minha autoria e de outros Senadores, aprovado pelo Plenário do Senado Federal.

    A sessão é destinada a receber os seguintes convidados, a fim de homenagear e relembrar as vítimas do Holocausto e realizar a cerimônia do Yom HaShoá, Dia da Lembrança do Holocausto.

    Esta sessão tem como convidados: que está aqui ao meu lado, o Sr. Embaixador Daniel Zohar Zonshine, Embaixador de Israel no Brasil; a Sra. Marlova Jovchelovitch Noleto, representante da Unesco no Brasil; e o Sr. Claudio Lottenberg, Presidente da Confederação Israelita do Brasil.

    Neste momento, eu peço que todos, onde estiverem, fiquem em posição de respeito para acompanharmos o Hino Nacional Brasileiro.

(Procede-se à execução do Hino Nacional.)

    O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Para discursar - Presidente.) – Sessão temática do Senado Federal. Homenagem às vítimas do Holocausto.

    O Yom HaShoá, Dia da Lembrança do Holocausto, é realizado anualmente com o propósito de recordar os milhões de vítimas do Holocausto – a iniciativa, organizada pelos nazistas, que pretendia assassinar todos os judeus do mundo; não só os judeus: todos aqueles que eram considerados raça inferior, como ciganos, homossexuais, testemunhas de Jeová, na medida em que os nazistas se consideravam uma raça superior.

    A ocasião também é lembrada em todo o planeta a fim de homenagear as vítimas que pereceram, bem como todos aqueles que resistiram à opressão homicida dos nazistas – particularmente milhares de não judeus que socorreram e apoiaram os perseguidos.

    Mais do que nunca, parece-nos que devemos insistir na tarefa de manter viva a lembrança do que aconteceu. Embora mais de 75 anos já se passaram desde o final da Segunda Guerra Mundial, ainda restam vivas as sementes do mal. É preciso combatê-las para que não prosperem.

    O antissemitismo, com maior ou menor sutileza, resiste em toda a sua brutalidade. Os judeus, em todo o mundo, continuam a ser ofendidos e agredidos. As sinagogas continuam a ser ameaçadas e atacadas. Nada disso é por acaso. Resiste o espírito de ressentimento que pariu o nacional-socialismo. Ao descrever tal movimento político em 1933, o então Subsecretário de Estado norte-americano assim descreveu os líderes do nazismo, aspas: “Com raras exceções, os homens que comandam esse governo [nazista] têm um jeito de pensar que eu e você não somos capazes de entender. Alguns deles são casos psicopáticos e, em condições normais, estariam recebendo tratamento em algum lugar” – fecho aspas. Hoje, indivíduos com o mesmo perfil psicopatológico doentio comandam governos ao redor do mundo. Consigo trazem, disfarçadamente ou não, a semente do antissemitismo.

    Nesta semana, com muita preocupação, acompanhamos declarações de pessoas ditas influenciadoras defendendo abertamente a criação de um partido nazista – para a minha tristeza, incluo também a presença nessa lista de um Deputado Federal do Parlamento brasileiro – e uma rádio demitindo comentarista depois de gesto similar ao da salvação nazista.

    Essa ideologia autoritária, segregadora e intolerante é inaceitável, além de criminosa. Precisamos de respeito e harmonia entre os diferentes. É isso que cabe na democracia.

    O Holocausto não poupou ninguém: bebês, crianças, mulheres, homens, jovens, velhos e doentes – talvez a face mais cruel do nazismo. Para os nazistas, todos deveriam ser assassinados.

    O escritor russo Vassili Grossman foi um dos primeiros a tomar conhecimento dos campos nazistas de extermínio. Relatou o que encontrou na reportagem "O inferno chamado Treblinka", publicado em novembro de 1944, ainda antes, portanto, do final da guerra. A partir de relatos de ex-prisioneiros fugidos em uma revolta acontecida em 1943, assim como de moradores dos arredores do campo de concentração, descreveu, com detalhes aterradores, as práticas dos nazistas, a quem ele se referia como – aspas – "animais", contra os prisioneiros, a quem ele se referia como – aspas – "homens": estupros, assassinatos, torturas, mutilações, humilhações praticadas de forma metódica. Nesse processo, os algozes nazistas tornavam-se mais animais enquanto tentavam roubar a humanidade de suas vidas.

    Algumas passagens de Grossman eu vou citar:

Primeiro, tiravam da pessoa a liberdade, a casa, a pátria, e levavam-na para um vazio sem nome, na floresta. Depois, na praça da estação, tiravam seus pertences, cartas, fotografias dos entes queridos; em seguida, atrás da cerca do campo, tiravam-lhe a mãe, a mulher, o filho. Depois, tomavam os documentos da pessoa nua e os jogavam na fogueira: agora ela não tinha mais nome. Era empurrada para um corredor com teto baixo de pedra; tinham-lhe tirado o céu, as estrelas, o vento, o sol.

[...]

Cabe assinalar [continua Grossman] aqui que essas criaturas [nazistas] não estavam simplesmente satisfazendo de forma mecânica vontades alheias. Todas as testemunhas destacam como traços comuns a todos eles o amor por elaborações teóricas, pela filosofia. Todos tinham um fraco por proferir discursos diante dos condenados, por se vangloriar perante eles, explicando a grande ideia e o significado para o futuro daquilo que ocorria em Treblinka.

    Continua Grossman:

Todos estavam profunda e sinceramente convictos de que faziam algo justo e necessário. Explicavam em pormenores a superioridade de sua raça sobre todas as outras, proferiam tiradas sobre o sangue alemão, o caráter alemão, a missão dos alemães. Sua fé estava exposta nos livros de Hitler, Rosenberg, nas brochuras e artigos de Goebbels.

Uma coisa impressionante: os animais [como se referia Grossman aos nazistas] utilizavam tudo. Couro, papel, tecido: tudo que servia ao homem [prisioneiros] era também necessário e útil aos animais, só o bem mais precioso do mundo – a vida humana – era pisoteado por eles.

Pois o abatedouro de Treblinka não era um abatedouro comum. Era um abatedouro com esteira rolante, organizado segundo o mesmo método de produção em cadeia da grande indústria moderna.

    Creio que o Holocausto foi a maior tragédia humanitária da história da humanidade. Cito apenas alguns números de mortes: de judeus foram 6 milhões; de civis soviéticos foram 7 milhões, entre os quais 1,3 milhão de judeus soviéticos; de prisioneiros de guerra foram 3 milhões; de civis poloneses não judeus, 1,8 milhão; de civis sérvios da Croácia, da Bósnia e Herzegovina, 312 mil; de pessoas com deficiência que viviam em instituições – eu vou repetir, de pessoas com deficiência que viviam em instituições –, 250 mil; ciganos, entre 250 e 500 mil; testemunhas de Jeová, cerca de 2 mil; delinquentes criminais, pelo menos 70 mil; opositores políticos alemães e ativistas da resistência, é indeterminado esse número; homossexuais, milhares, nunca foi precisado.

    "Sabemos os nomes dos assassinos profissionais. Eram eles que divertiam um ao outro, atirando em prisioneiros quando esses voltavam ao trabalho ao anoitecer. Matavam vinte, trinta, quarenta pessoas todos os dias."

    Senhoras e senhores, sabemos de todos os horrores nazistas, são todos muito bem documentados. Os nazistas eram obsessivamente meticulosos para registrar os seus crimes.

    Fracassaram, como fracassarão todos aqueles que insistirem em negar aos seres humanos os seus direitos fundamentais.

    Sabemos de tudo que ocorreu. O nosso desafio e o desafio das gerações futuras é impedir que tudo isso caia no esquecimento. Recordar é impedir que o mal se repita, ainda que tente retornar com disfarces mais contemporâneos.

    Era o que eu tinha a dizer.

    Muito obrigado a todos que nos acompanham nesta sessão.

    Senador Lasier, eu questiono se V. Exa. tem premência. Se não, eu seguirei a ordem natural, em que falará o Embaixador de Israel no Brasil, depois a representante da Unesco e, finalmente, o Presidente da Confederação Israelita do Brasil.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/02/2022 - Página 13