Discurso durante a Sessão Solene, no Congresso Nacional

Sessão Solene destinada a comemorar o Dia Internacional da Mulher.

Autor
Simone Tebet (MDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Simone Nassar Tebet
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Data Comemorativa, Homenagem, Mulheres:
  • Sessão Solene destinada a comemorar o Dia Internacional da Mulher.
Publicação
Publicação no DCN de 10/03/2022 - Página 11
Assuntos
Honorífico > Data Comemorativa
Honorífico > Homenagem
Política Social > Proteção Social > Mulheres
Matérias referenciadas
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, MULHER, DEFESA, GARANTIA, DIREITOS, PROTEÇÃO, PROMOÇÃO, IGUALDADE, GENERO.
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNALISTA, GUERRA, VIOLENCIA, MULHER, CRITICA, DEPUTADO ESTADUAL, ARTHUR DO VAL.

    A SRA. SIMONE TEBET (Bloco/MDB - MS. Para discursar. Sem revisão da oradora.) – Obrigada, Eliziane querida, nossa Líder da Bancada Feminina, que preside esta sessão solene em que comemoramos o Dia Internacional da Mulher. Na sua pessoa, na pessoa da Senadora Leila, na pessoa das Deputadas Tereza e Celina, eu gostaria de cumprimentar todas as autoridades que aqui se encontram, todas as mulheres guerreiras e homens que aqui se somam conosco.

    O tempo é curto. Então, permitam-me a informalidade. Eu confesso que tive que deixar meu discurso de lado e hoje redigi alguma coisa que pudesse de alguma forma expressar o sentimento que tenho neste dia de hoje.

    Este deveria ser um tempo de reconstrução, um tempo em que a pandemia está nos deixando, dando uma trégua, em que pese ainda nos rondar e todos os malefícios e consequências dela, mas o mundo se vê novamente às voltas de uma nova guerra, movida pela cobiça, pelo poder e pela falta dos melhores conceitos da humanidade.

    Eu trago este tema guerra porque enquanto assistimos, ainda chocados, perplexos, sem sequer entender o que está acontecendo, ao êxodo das famílias ucranianas que têm que deixar o seu lar, especialmente as mulheres, as mães, as avós, com filhos no braço, saindo à busca de um novo lar, de uma nova história, sem saber para onde ir, quando nós ainda estamos diante de tentar traduzir o que o Ministro das Relações Exteriores da Ucrânia quis dizer, na língua dele, quando disse que há denúncias gravíssimas de mulheres ucranianas sendo violentadas, estupradas por soldados russos, eis que não precisamos de tradução para entender a fala de um Deputado que, na língua pátria, em português, diz que as mulheres ucranianas pobres são fáceis. Vejam o momento a que nós chegamos.

    Eu que vinha para falar de outra coisa deparo-me... E ontem chegou às minhas mãos um texto, que preciso ler, Senadora Eliziane, nem que seja no pedaço, no tempo que tenho, de um jornalista de nome Jamil Chade, que cobriu três guerras, numa carta aberta ao autor daquela gravação, o Deputado Estadual. Entendo que acabou por escrever um novo hino nacional, um hino em defesa das mulheres. É muito forte, mas é muito importante que essa leitura seja feita, Senadora Zenaide, para que entre nos Anais da história do Senado Federal.

    O gesto do jornalista me moveu a abandonar o meu discurso inicial, e vocês entenderão a importância dele, ainda que – repito, pedindo desculpa ao jornalista – eu o faça de forma picada, porque o texto é muito longo. Entre aspas:

Ao longo da história, a violência sexual é uma das armas de guerra mais recorrentes para desmoralizar uma sociedade. Ela não tem religião, nem raça. Ela destrói. Demonstra o poder sobre o destino não apenas das vidas, mas também dos corpos e almas.

[...] Não precisamos sair do Brasil para saber que as mulheres, simplesmente por serem mulheres, precisam passar a vida se explicando. Como se necessitassem de chancela ou justificativa para determinar o destino de seu corpo ou coração, se podem trabalhar ou ter tesão. [...]

Conheci certa vez uma garota yazidi. Ela me contou como, depois de sua cidade ser tomada por islamistas, ela foi transformada em escrava sexual. Aqueles olhos verdes intensos se enchiam de lágrimas quando contava que, num calabouço, ela e as demais meninas se dividiam em dois grupos.

Aquelas que rezavam...

(Soa a campainha.)

    A SRA. SIMONE TEBET (Bloco/MDB - MS) –

Aquelas que rezavam para sobreviver e aquelas que rezavam para morrer logo.

Ela também me contou que, num ato de solidariedade com as outras mulheres que viriam depois delas, foi iniciado um gesto espontâneo de escrever mensagens nas paredes daqueles quartos imundos, inclusive com dicas de como agir. Escreviam com a única cor que tinham. O vermelho do sangue de suas vaginas estupradas. (Pausa.)

    Desculpa.

[...]

Em Dadaab, no Quênia, entendi toda a minha ignorância quando fui perguntar para um grupo de crianças do que elas tinham mais medo. Achei que a resposta seria: as bombas [...]. Mas era do escuro do campo de refugiados. Quando pedi para saber o motivo, uma delas sussurrou: "não podemos nem ir ao banheiro pela noite. Um homem pode fazer coisas ruins com nosso corpo".

[...] nas proximidades de Bagamoyo [...]. Oficialmente, não havia uma guerra. Não havia um acampamento de refugiados. Mas eu logo descobriria que nem por isso o desespero deixava de estar presente naquela população.

Eu fazia uma visita a um hospital [...].

[...] num dos pátios [...], vi duas garotas brincando. Não tinham mais de 10 anos de idade. E o único momento em que olharam para o chão, sem resposta, foi quando perguntei o que faziam ali. [...] Expliquei que era jornalista [...] [dei-lhe o] meu nome [...] [e um crachá] de visita. [...]

Alguns meses depois, já na Suíça, abri minha caixa de correio de forma despretensiosa ao chegar em casa. Num envelope surrado e escrito à mão, chegava uma carta de Bagamoyo.

[...] [Quem escrevia] com uma letra visivelmente infantil [...] explicava que tinha me conhecido diante do hospital e que tinha meu endereço [...] [pelo] cartão que eu lhe havia deixado.

[...] o conteúdo daquela carta era um verdadeiro pesadelo. A garota me escrevia com um apelo comovedor. "Por favor, case-se comigo e me tire daqui. Prometo que vou cuidar de você, limpar sua casa e sou muito boa cozinheira."

[...] "Preciso sair daqui" [...]. A cada tantas frases, uma promessa se repetia: "Eu vou te amar."

Uma observação no final parecia mais um atestado de morte: "Com as últimas moedas que eu tinha [disse ela], comprei este envelope, este papel e este selo. Você é minha última esperança."

[...] chorei de desespero e de impotência diante daquele pedido de resgate. [...]

É nossa obrigação, portanto, [termina ele] desmontar o processo de profunda desumanização de uma guerra e da miséria. Cada um com suas armas [...] para que haja alguma insurreição de consciências sobre a condição feminina. Na guerra e na paz. [fecho aspas]

    Senadora Eliziane, nada mais preciso acrescentar nesse dia de hoje, apenas pedir ao jornalista que todas nós possamos subscrever esta carta, porque esta carta toca o coração de todas as mulheres do planeta. É disso que estamos falando. É disso que estamos falando no Dia Internacional da Mulher, em que temos tanto que comemorar, mas temos tanto pelo que lutar.

    Mas a minha palavra final não poderia ser de tristeza, mas de esperança. Eu faço política consecutiva com mandato há vinte anos, fora os quinze anos que milito na vida pública. Eu falo que vim aqui hoje com uma palavra de esperança porque eu encontro esperança na luta de cada uma de vocês. Vocês, com a luta de vocês, nos dão esperança, força e coragem para continuar. Esperança na força das mulheres que vêm e que encontro ao longo da minha caminhada.

    E aí encerro, fazendo uma homenagem, homenageando todas as mulheres do Brasil em nome da Luciana Temer, que tem um projeto maravilhoso – ela vai falar sobre isso – de combate à violência sexual infantil, do grupo Liberta, e da Suéli, do pavilhão social da comunidade de Paraisópolis, dois exemplos que precisam ser estendidos para o mundo. Porque, se somos a maioria da população, ainda somos a minoria em quase tudo. A minoria nos espaços de poder, no espaço de fala, de voz e de vez. Isso nós não podemos admitir. Só há um jeito de combatermos a desigualdade, só há um jeito de nós mulheres podermos elevar as nossas vozes para dizer: "Não é este o Brasil que queremos, muito menos para tão poucos como os que aí estão. O Brasil que queremos e para quem queremos, nós mulheres temos que dizer". E é por isso que eu defendo mais mulheres na política.

    Eu não vou descansar enquanto cada mulher brasileira não tiver um teto para abrigar os seus filhos. Eu não vou descansar enquanto houver uma criança passando fome no Brasil. Nós, mulheres do Congresso Nacional, não vamos descansar. Por quê? Porque tiramos a nossa força, a nossa coragem da força e da coragem do espelho de cada uma de vocês. Vocês são o nosso exemplo, vocês são a nossa fortaleza.

    Parabéns às mulheres pelo seu dia! (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DCN de 10/03/2022 - Página 11