Pronunciamento de Fabiano Contarato em 01/06/2022
Fala da Presidência durante a 61ª Sessão de Debates Temáticos, no Senado Federal
Abertura da Sessão de Debates Temáticos destinada a debater os impactos da violência no trânsito e as possíveis soluções para um trânsito seguro.
- Autor
- Fabiano Contarato (PT - Partido dos Trabalhadores/ES)
- Nome completo: Fabiano Contarato
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Fala da Presidência
- Resumo por assunto
-
Direito de Trânsito,
Segurança Pública:
- Abertura da Sessão de Debates Temáticos destinada a debater os impactos da violência no trânsito e as possíveis soluções para um trânsito seguro.
- Publicação
- Publicação no DSF de 02/06/2022 - Página 12
- Assuntos
- Jurídico > Direito de Trânsito
- Soberania, Defesa Nacional e Ordem Pública > Defesa do Estado e das Instituições Democráticas > Segurança Pública
- Matérias referenciadas
- Indexação
-
- ABERTURA, SESSÃO DE DEBATES TEMATICOS, DESTINAÇÃO, DEBATE, RESULTADO, VIOLENCIA, TRANSITO, POSSIBILIDADE, CRIAÇÃO, SOLUÇÃO, SEGURANÇA.
- REFERENCIA, ACIDENTE DE TRANSITO, VITORIA (ES), CRIME, AUMENTO, NUMERO, VITIMA, MORTE, ENFASE, UTILIZAÇÃO, MOTOCICLETA, BICICLETA, PEDESTRE, MOTORISTA, BEBIDA ALCOOLICA, EMBRIAGUEZ, PSICOTROPICO.
- COMENTARIO, NECESSIDADE, ATENDIMENTO, FAMILIA, VITIMA, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS).
- DESTAQUE, IMPORTANCIA, FISCALIZAÇÃO, EDUCAÇÃO, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, TRANSITO.
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES. Fala da Presidência. Por videoconferência.) – Declaro aberta a sessão.
Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.
A presente sessão remota de debates temáticos foi convocada, nos termos do ato da Comissão Diretora nº 8, de 2021, que regulamenta o funcionamento das sessões e reuniões remotas e semipresenciais no Senado Federal e a utilização do Sistema de Deliberação Remota, e em atendimento ao Requerimento 317, de 2022, de minha autoria e de outros Senadores, aprovado pelo Plenário do Senado Federal.
Esta Presidência informa que os cidadãos podem participar desta sessão de debates temáticos através do endereço www.senado.leg.br/ecidadania. É esse serviço que propicia que as pessoas entrem aqui na audiência conosco ou também podem participar pelo telefone 0800 0612211.
A Presidência se informa ainda que as apresentações e os arquivos exibidos durante esta sessão ficarão disponibilizados na página do Senado Federal referente à tramitação do requerimento que originou esta sessão.
A sessão é destinada a receber os seguintes convidados a fim de debater os impactos da violência no trânsito e as possíveis soluções para um trânsito seguro. Convidados: Sr. José Aurelio Ramalho, Diretor-Presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária; Sra. Sheila Sibaldo Zambone, Gerente de Educação de Trânsito e Estatística do Detran - ES; Sr. Luís Carlos Paulino, Coordenador Socioeducativo da Associação Brasileira de Educação de Trânsito (Abetran); Sr. Alysson Coimbra, representante da Comissão de Assuntos Políticos da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet); Sra. Juliana de Barros Guimarães, especialista em psicologia do trânsito e Diretora Científica da Associação Brasileira de Psicologia de Tráfego (Abrapsit); Marcos Paulo Silva Duarte, Presidente da Federação Espírito Santense de Ciclismo (Fesc) e a Sra. Elvina de Carvalho Littig, representante das famílias do grupo folclórico alemão Bergfreunde.
A Presidência informa ao Plenário que serão adotados os seguintes procedimentos para o andamento da sessão: será inicialmente dada a palavra aos convidados, por até 10 minutos; após, será aberta a fase de interpelação pelos Senadores inscritos, organizados em blocos, dispondo cada Senador de 5 minutos para suas perguntas; os convidados disporão de 3 minutos para responder à totalidade das questões do bloco; os Senadores terão 2 minutos para a réplica; as inscrições dos Senadores presentes remotamente serão feitas através do sistema remoto.
As mãos serão abaixadas no sistema remoto e, neste momento, estão abertas as inscrições.
Caras e caros convidados, caras colegas Senadoras, caros colegas Senadores, bom dia a todos e todas. Em 15 de abril deste ano, data em que foi atropelada, a estudante universitária Luísa Lopes tinha apenas 24 anos e a vida inteira pela frente. Ciclista, Luísa pedalava pela Av. Dante Michelini, uma das mais importantes de Vitória, no Espírito Santo, quando teve a vida subitamente e estupidamente ceifada ao ser abalroada por um veículo automotor.
Segundo relatos, a motorista e a acompanhante que seguia no carona do veículo apresentavam sinais de embriaguez. Demonstravam dificuldade para comunicar-se e balbuciavam palavras sem sentido. A motorista de 33 anos de idade recusou-se a passar pelo teste do etilômetro, mas foi autuada, mesmo assim, por dirigir sob influência do álcool.
Luísa Lopes, que Deus a tenha, agora integra a absurda, inaceitável e certamente subdimensionada lista de crimes com vítimas fatais ou não, envolvendo ciclistas – lista que, apenas neste ano, no meu Estado do Espírito Santo, já soma mais de 160 registros.
Entre 2010 e 2019, conforme dados da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego, a quantidade de acidentes envolvendo ciclistas, no Brasil, aumentou quase 60%. Cerca de 14 mil internações hospitalares decorreram desses acidentes, o que gerou ao Sistema Único de Saúde, a cada ano, gasto da ordem de R$15 milhões. Pelo menos 13 mil ciclistas perderam a vida durante os dez anos abarcados pela pesquisa, a maioria atropelados, como aconteceu com a jovem Luísa Lopes.
Senhoras e Senhores, esta sessão de debates temáticos se destina, nos termos do Requerimento nº 317, a discutir os impactos da violência no trânsito e as possíveis soluções para um trânsito seguro. “Violento” e “inseguro” são adjetivos intensos, mas que carecem de força necessária para descrever a barbárie, a loucura, a brutalidade vivida nas ruas, avenidas e estradas brasileiras.
Perdemos todos os dias 89 vidas em decorrência de acidentes de trânsito. Uma média de três vítimas fatais por hora. Em 2020, das 33.716 vítimas fatais de acidentes de transporte, 1.352 eram ciclistas, como a Luísa Lopes; 5.120 eram pedestres; e 11.853 eram motociclistas. Os números do Datasus são estarrecedores: mais da metade das vítimas fatais em acidentes de transportes registrados em 2020 veio de um desses três grupos. Ciclistas, pedestres e motociclistas representam as categorias mais vulneráveis da epidemia da insegurança viária em nosso país.
O caso de Luísa Lopes levanta, também, mais uma vez, a questão da embriaguez ao volante e do consequente sentimento generalizado de impunidade dos condutores alcoolizados.
Um dos últimos levantamentos da Pesquisa Nacional de Saúde, de 2019, evidenciou que quase 20% dos motoristas brasileiros admitiam ter ingerido bebida alcoólica antes de conduzir veículo automotor.
No enfrentamento dessa questão, a Lei 14.071, de 2020, trouxe algumas inovações importantes. Quando da votação do projeto que deu origem a essa lei, tive a felicidade de ver aprovada emenda de minha autoria que determinou a impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, nos casos de condenação por homicídio culposo ou lesão corporal culposa na direção de veículo automotor, quando o condutor estava sob influência de álcool ou qualquer substância de efeito psicoativo que determine dependência. Em termos mais simples e diretos: quem bebe e dirige, quem usa drogas psicoativas e dirige, se matar ou lesionar alguém, agora vai preso e vai permanecer preso.
Senhoras e senhores, meus mais de dez anos de experiência como delegado de trânsito ensinaram-me que o maior custo da violência no trânsito é de natureza psicossocial. Por trás dos números macabros e surreais da quantidade de crimes, para além de quaisquer milhões ou bilhões que se possam calcular, existe a dor da perda, existe o trauma do familiar que se vai, do amigo, da pessoa que perdeu a vida, de forma violenta e inesperada, em um crime de trânsito. E existe, também, o trauma de quem sofreu um crime de trânsito e sobreviveu.
O Departamento Estadual de Trânsito do Espírito Santo vem realizando, há mais de dez anos, serviço pioneiro de acolhimento especializado às vítimas de crimes de trânsito e aos seus familiares. Essas pessoas precisam de atendimento humanizado, precisam de ajuda para enfrentar a perda, para enfrentar o sofrimento emocional. Precisam de ajuda para lidar e para viver com possíveis – diria, até mesmo, prováveis – sequelas psicológicas. É um tipo de serviço, senhoras e senhores, que poderia muito bem ser estruturado e expandido no plano nacional. Apresentei, nesse sentido, sugestão formal ao Ministério da Saúde para que determine a criação de serviço de atendimento psicológico às vítimas de acidentes de trânsito no âmbito do Sistema Único de Saúde.
Na verdade, a humanização do atendimento às vítimas e aos familiares de vítimas de acidentes de trânsito é questão que vai além até mesmo da vasta competência do SUS. Tal tratamento deveria ser ofertado nas delegacias e nos departamentos médico-legais, bem como nos demais órgãos públicos que têm de receber e atender, com a devida atenção, com compaixão, sensibilidade e empatia, as centenas – senão milhares – de brasileiros e brasileiras que se acidentam diariamente em nossas estradas. Ao encerrar minha manifestação, reforço, mais uma vez, que a segurança no trânsito é, de todas, minha principal preocupação como Parlamentar e que os recursos, as portas de meu gabinete estarão sempre abertas e disponíveis para a discussão de quaisquer temas relacionados ao trânsito.
Por ora, era o que eu tinha a dizer, mas, antes de finalizar a minha fala, eu quero simplesmente fazer um relato sobre a minha experiência na delegacia de delitos de trânsito.
Foge à lei natural um pai sepultar um filho. O último lugar que um pai pensa em procurar um filho é na delegacia ou no DML, que cheira à morte. Infelizmente, muitos policiais ficam embrutecidos pelo tempo e não têm aquela empatia de acolher as famílias das vítimas de trânsito.
Eu presenciava lá a dor de um pai ou de uma mãe que estava liberando a vítima fatal. Passavam-se três meses, e só vinha a mãe. Eu perguntava: "Cadê seu esposo?". Ela falava: "Nós nos separamos". O Estado não dá apoio psicossocial a essas famílias. Aquela família se desmantelava. Toda a família adoece quando ocorre um crime de trânsito. Eu lembro que, lá, muitas vezes, o avô que perdia a neta entrava em depressão. Aquela é uma morte resultante de um crime de trânsito. O irmão sente a falta da irmã. Cai seu rendimento escolar, e ele começa a usar a uma droga lícita ou ilícita. Essa é outra morte decorrente do trânsito, sem falar no impacto no Sistema Único de Saúde, na previdência social, na economia. É de mais de R$50 bilhões o custo desses crimes de trânsito por ano. E são mais de R$200 milhões também, sob o aspecto econômico, sob o aspecto do SUS, que esses crimes geram ao país. E quem está pagando a conta somos todos nós.
Como delegado, registro que há três fatores que são fundamentais para se mitigar ou reduzir qualquer crime; primeiro, fiscalização; segundo, educação; e, terceiro, legislação eficiente. Infelizmente, no Brasil, o Estado falha na fiscalização. O motorista teria de sair de casa com a certeza de que ele seria parado em uma blitz, mas isso não acontece. O Estado falha na educação.
O art. 76 do Código de Trânsito diz que a educação para o trânsito será promovida nas escolas de ensino fundamental, médio e superior, e até hoje a letra da lei está lá deitada eternamente em berço esplêndido. Essa disciplina deveria ser inserida na grade curricular, seja como disciplina eletiva, seja para trabalhar a transversalidade.
Eu apresentei uma proposta para implementar, nos cursos de graduação de Direito, uma disciplina de Direito de Trânsito, porque, só no Código de Trânsito, nós temos mais de 300 artigos e quantas resoluções? É necessário que, também na educação básica, se trabalhe trânsito de forma contínua e permanente, porque só assim o motorista vai mudar o comportamento.
Então, se o poder público falha na fiscalização, se o poder público não educa e se o poder público, através do Parlamento, se nós não legislamos de forma eficiente, esses três elementos são fundamentais, infelizmente, para que nós ostentemos, em nível mundial, a terceira colocação entre os países que mais matam pessoas no sistema viário, sem falar na dor de como trabalhar a autoestima de uma moça de 19 anos que, da noite para o dia, ficou paraplégica; de um jovem que ficou com deformidade permanente; de um jovem que ficou tetraplégico; que teve uma deficiência mental com o impacto, com aquele crime de trânsito.
Então eu defendo que dentro do DML deveria ter uma equipe humanizadora com alunos de Psicologia, alunos de Serviço Social, uma equipe de acolhimento, para acolher no momento pior, que é quando um pai procura o DML para liberar aquela sua filha ou aquele seu filho ou aquele seu pai ou aquela sua mãe. Eu defendo que dentro das delegacias de delitos de trânsito estejam permanentemente alunos do curso de Direito para dar uma orientação sobre a responsabilidade penal, civil ou administrativa decorrente daquele crime de trânsito. Eu defendo que dentro dos DETRANs deva haver três grupos de atendimento psicológico: um para trabalhar as famílias no luto, aquelas famílias que perderam alguém nos crimes de trânsito; outro para trabalhar a sequela do crime para as vítimas que sobreviveram; e um terceiro para trabalhar a conduta dos motoristas, para aqueles motoristas que estavam lá – eu presenciava mulheres, por exemplo, que, quando se envolviam em crimes de trânsito, não queriam mais dirigir.
É necessário que o poder público dê vida àquilo que está na Constituição Federal, no art. 37, onde se fala que são princípios que regem a administração pública a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência. O poder público tem de ser eficiente, ele tem que ter empatia, se colocar na dor do outro. Então eu defendo que o Detran tenha três grupos de atendimento psicossocial, que trabalhem em rede com alunos de Serviço Social e com alunos de Psicologia para fazer esse trabalho de monitoramento: a família está recebendo a pensão pela morte? A família está recebendo a pensão por invalidez? Aquele jovem recebeu uma prótese? Aquele jovem está tendo fisioterapia? Aí, sim, o Estado estaria dando efetividade àquela eficiência como uma garantia constitucional expressa no art. 37 da Constituição Federal.
Esse dia ainda não chegou, mas eu estarei aqui. Como diz o nosso Hino: "Verás que o filho teu não foge à luta.". Contem sempre comigo!
Muito obrigado. Por agora, essa é a minha manifestação.
Concedo a palavra aos convidados. Inicialmente, ao Sr. José Aurelio Ramalho, Diretor-Presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária, por até dez minutos.
Muito obrigado, querido José Aurelio Ramalho, mais uma vez é uma grata surpresa revê-lo.