Presidência durante a 61ª Sessão de Debates Temáticos, no Senado Federal

Sessão de Debates Temáticos destinada a debater os impactos da violência no trânsito e as possíveis soluções para um trânsito seguro.

Autor
Fabiano Contarato (PT - Partido dos Trabalhadores/ES)
Nome completo: Fabiano Contarato
Casa
Senado Federal
Tipo
Presidência
Resumo por assunto
Direito de Trânsito, Segurança Pública:
  • Sessão de Debates Temáticos destinada a debater os impactos da violência no trânsito e as possíveis soluções para um trânsito seguro.
Publicação
Publicação no DSF de 02/06/2022 - Página 32
Assuntos
Jurídico > Direito de Trânsito
Soberania, Defesa Nacional e Ordem Pública > Defesa do Estado e das Instituições Democráticas > Segurança Pública
Matérias referenciadas
Indexação
  • SESSÃO DE DEBATES TEMATICOS, DESTINAÇÃO, DEBATE, RESULTADO, VIOLENCIA, ACIDENTE DE TRANSITO, POSSIBILIDADE, CRIAÇÃO, SOLUÇÃO, SEGURANÇA, TRANSITO.
  • REFERENCIA, ACIDENTE DE TRANSITO, CAMINHÃO, ONIBUS, GRUPO, FOLCLORE, DOMINGOS MARTINS (ES), RODOVIA, MIMOSO DO SUL (ES), DEFESA, JULGAMENTO, MOTORISTA, CRIME, JUSTIÇA, CRITICA, POSSIBILIDADE, IMPUNIDADE.

    O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES. Por videoconferência.) – Obrigado, D. Elvina.

    Quero deixar claro para a senhora que eu estive nessa caminhada em Domingos Martins. Eu já não fazia parte mais da delegacia de trânsito, mas essa é uma pauta que me toca muito, tanto é que o que me fez postular uma vaga no Senado foi a temática do trânsito, porque eu fico triste quando as pessoas não conseguem ter a empatia de se colocar na dor do outro. Essa dor que você muito bem relatou não é uma dor invisível, é uma dor que está estampada no seu rosto, estampada na sua vida. Eu fico muito triste quando eu vejo que quem pode fazer alguma coisa não está fazendo.

    Como eu explico para vocês, familiares, que um crime de trânsito dessa natureza, que matou 11 pessoas e vitimou mais 9, ocorreu em 2017 e até hoje não teve a primeira sentença? Veja que eu não estou falando nem que está sendo julgado pelo Tribunal de Justiça, que é segunda instância, nem pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), nem pelo STF. Eu estou falando a primeira instância. O primeiro julgamento até hoje não foi feito.

    Ruy Barbosa falava que justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta.

    Então, essas famílias... A D. Elvina é um dos inúmeros, dos milhares exemplos, porque no Brasil essas estatísticas estão subdimensionadas. Na verdade, nós temos mais de 50 mil pessoas que morrem por ano, mais de 300 mil que ficam com sequelas irreparáveis. O Brasil é o terceiro país que mais mata no trânsito no mundo – no mundo! E nós banalizamos o principal bem jurídico que é a vida humana. Quando a senhora relata essa dor, eu imagino, eu tento me colocar na dor da senhora, mas só quem vive isso para retratar. Não tem como eu ter esse local de fala, por mais que eu tenha vivido a minha vida dentro do Detran, dentro do DML, dentro da Delegacia de Trânsito. Como que eu explico para uma mãe que perdeu uma filha e perdeu um neto, de quem foi retirado o direito de comemorar o dia do aniversário, o Natal, o Ano-Novo, o Dia das Mães, o Dia da Avó? Como se explica isso? Como que eu explico para a população que a nossa lei garante não a sensação, mas a certeza da impunidade, porque ninguém fica preso por crime de trânsito no país?

    Nós políticos temos que fazer a nossa reflexão e dar uma resposta à população. Não é ser punitivista exacerbado, não, mas tratar igualmente os iguais na medida em que eles se desigualem, ou seja, dar tratamento uniforme a comportamento uniforme, mas eu não posso achar razoável que um motorista embriagado, seja pelo álcool ou qualquer substância de efeito psicoativo que determine dependência, ocasione a morte ou uma lesão corporal de natureza grave ou gravíssima e não fique um dia preso. Isso mudou agora com uma emenda minha, mas só depois da sentença condenatória, porque, antes disso, a todos os indiciados e acusados em geral serão assegurados o contraditório e a ampla defesa. Então, as pessoas não têm a percepção de que uma coisa é a prisão cautelar, que é aquela oriunda do auto de prisão em flagrante, do decreto de prisão preventiva, do decreto de prisão temporária, e outra é aquela prisão pena decorrente de uma sentença condenatória transitada em julgado. Então, apenas após a sentença condenatória transitada em julgado – com a emenda que eu fiz e que hoje é lei, no Código de Trânsito – é que não pode mais haver substituição quando o motorista matar ou lesionar estando em estado de embriaguez.

    Agora, é muito triste! E é isso que me tocou, D. Elvina. E pode contar comigo, independentemente de qualquer coisa. Eu vou sair daqui de Brasília, eu quero voltar aí a Domingos Martins, vamos nos reunir com os familiares não só desse bárbaro crime de trânsito, mas com todas as famílias vítimas de acidente de trânsito.

    Quero falar também que eu, antes de ser político, como delegado, consegui instituir o Dia em Memória das Vítimas de Acidentes de Trânsito, que é no primeiro domingo de agosto, de que o Detran sempre participa. Vamos fazer um grande movimento nesse dia, no domingo, em memória às vítimas de acidente de trânsito.

    E aí eu faço um apelo à Sheila e ao Luís Carlos, para mobilizarem em suas redes ou onde couber; à Juliana, para mobilizar lá na Psicologia; ao Marcos; à D. Elvina, com os familiares; ao Alysson, lá na Abramet: vamos nos contagiar, vamos fazer uma grande corrente, vamos nos unir, porque só assim nós vamos mudar esse triste quadro.

    Eu lembro, D. Elvina, que, dos inúmeros crimes de trânsito que eu apurei, houve um em que uma mãe perdeu as duas filhas – as duas únicas filhas. Ela só tinha duas filhas, um motorista bêbado e sem habilitação matou as duas filhas. Todo dia aquela mãe ligava para mim, porque até hoje eu tenho aqui no meu celular. Se você pegar o meu celular pessoal, você vai ver aqui: Dete, mãe do Maycon; Emeri, pai do Gabriel; e, assim, sucessivamente com todas as vítimas fatais ou não fatais que estão aqui, porque essa é uma pauta para mim.

    Eu amo ser policial, servidor público, e amo ser professor no curso de Direito, eu estou como Senador. Eu vim para cá com uma mola propulsora: o que me motivou foi alterar esse Código de Trânsito, em que, infelizmente, a único condenada é a família da vítima, que sofre pela dor da perda e pela certeza da impunidade. Então, vamos nos unir, vamos nos mobilizar, mas para isso é necessário que as famílias das vítimas também parem um pouco, com todo o respeito, de ficar chorando por seus filhos em casa e venham para as ruas. Vamos nos mobilizar, vamos pedir justiça, vamos chegar e vamos cobrar, vamos cobrar do Poder Judiciário, vamos cobrar do Ministério Público, porque não é razoável eu falar para uma família que, desde 2017, um crime de trânsito até hoje não teve a primeira sentença. Como eu explico isso para a D. Elvina? Como se explica isso para todas as milhares de vítimas? Isso é a certeza da impunidade, e nós não podemos permitir isso.

    Então, naquilo que for de competência aqui do Senado Federal, mais uma vez, eu quero deixar claro que o nosso mandato está aberto. Por quê? O que me trouxe aqui foi a dor dessas famílias que, infelizmente, sofrem diuturnamente, perdendo seus pais, mães, avôs, tios, sobrinhos, netos, filhos, irmãos, irmãs, e, infelizmente, ninguém fica preso neste Brasil, porque o Congresso Nacional é elitista, é patrimonialista, banaliza a vida humana, não quer ver os filhos da classe média alta atrás das grades, porque, infelizmente, o Estado brasileiro criminaliza a pobreza, porque, infelizmente, quem está preso é pobre, preto e afrodescendente.

    Eu fui utilizado pelo Estado por 27 anos só para agir com o rigor da lei contra pobres e pretos, quando os crimes de maior prejuízo são crimes praticados por políticos, porque, quando um político desvia verba da saúde, ele está matando milhões de pessoas, e a saúde pública está esse caos; quando um político desvia verba da educação, ele está matando o sonho de milhões de jovens e não pensa naquele morador lá da favela, cujo sonho daquele jovem ou daquela jovem é fazer um curso de Direito ou um curso de Medicina e que, se não for pelo sistema de cotas, ele não entra na universidade federal, pois não tem dinheiro para pagar. Hoje 80 milhões de brasileiros estão em situação de pobreza ou extrema pobreza, 30 milhões estão desempregados, subutilizados. Nós somos um dos primeiros países que mais matam no trânsito e ninguém fica preso.

    Então, é necessário que nós não percamos a capacidade de indignação. Nós temos que nos unir, unir o setor público, o setor privado, a sociedade civil, a universidade, os movimentos sociais, os movimentos estudantis e falar que não queremos isso mais, queremos um Estado eficiente, que cumpra o art. 37 da Constituição Federal. São princípios que regem a administração pública: a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência. E é por essa eficiência que eu estou lutando aqui com toda a minha força, com saúde, com determinação para que nós possamos mudar essa triste realidade. Porque, quanto vale uma vida humana? Quanto vale uma perda de uma função locomotora? Eu tive casos de pais em que o filho ficou tetraplégico e que morava no terceiro andar de escada, em que a mãe e o pai tiveram que sair do emprego. E quem vai manter aquela família? Quem vai manter? E nós banalizamos isso tudo.

    Eu lembro que, quando eu era Delegado de Trânsito, as pessoas ficavam lá porque eu era rigoroso com motorista bêbado, apenas com bêbado que dirigia alcoolizado. Eu fixava R$10 mil de fiança. A lei, o Código de Processo Penal, me falava que eu tinha de um a cem salários mínimos. Eu falava: "R$10 mil. Se pagou, sai; se não pagou, vai para a cadeia. Aí eu quero ver". Entrava com medida cautelar – porque o Detran demora cinco anos para suspender uma carteira –, e a Justiça determinava a suspensão cautelar da CNH. E quem não tinha habilitação? Entrava com medida cautelar para impedir que ela tirasse. Aí, sim, representei a todos os ministérios públicos do estado e dos municípios para entrar com uma ação de improbidade contra as secretarias de escola que não implementassem educação para o trânsito, conforme determina o art. 76. Aspas: "A educação para o trânsito será promovida nas escolas de ensino fundamental, médio e superior". Então, se o Estado não educa, se o Estado não fiscaliza e se a legislação é falha, nós vamos ter que continuar ostentando a terceira colocação em nível mundial em crimes de trânsito.

    Agora, além dessa morte real lá que a D. Elvina está sentindo, existem outras mortes para as quais o Estado faz vistas grossas, que são essas mortes que doem tanto quanto a morte real. Quem vai mensurar essa tortura emocional e psicológica que D. Elvina e tantas famílias sofrem diuturnamente? Então, é preciso que nós tenhamos essa percepção.

    Agora, eu faço um apelo: minha gente, ser cidadão não é apenas viver em sociedade, mas é transformar essa sociedade. Volto a falar: se as famílias das vítimas ficarem em casa, enlutadas, chorando a morte dos seus entes queridos, nada vai mudar. Você tem que sair e pedir, participar, cobrar do Detran, cobrar da polícia, cobrar do Ministério Público, do Poder Judiciário, cobrar do seu Parlamentar, do seu Vereador, do seu Prefeito, do seu Deputado Estadual, do seu Deputado Federal, do seu Senador, do seu Governador, do seu Presidente da República, mas você tem que cobrar, porque todo poder emana do povo e deve ser exercido pelos seus representantes legitimamente eleitos.

    Agora, eu não me furto em dizer que este Congresso é elitista. Este Congresso banaliza a vida humana. Basta você verificar a composição do Congresso Nacional, a grande maioria: homens, brancos, ricos, engravatados, decidindo a vida de milhões de pobres. Nós tínhamos que ter uma representatividade maior das mulheres, da população quilombola, dos índios, da população LGBTQIA+, das pessoas com deficiência, dos pretos, dos pardos. Infelizmente, não é essa a realidade.

    Vocês me perdoem o desabafo, mas eu não tenho como mensurar uma dor de uma mãe como a de D. Elvina, que eu presenciei dez anos dentro do DML quando aquela mãe que perdeu as duas únicas filhas toda semana ia à delegacia e falava: "Dr. Fabiano, eu perdi minhas filhas. Eu sonho em ver minhas filhas e sonho para esse dia chegar logo".

    É muito ruim ouvir isso, muito ruim ouvir uma mãe que já não tem mais sentido na vida por ter perdido tudo que era a vida dela. Por isso que eu dei meu nome para que a população capixaba pudesse avaliar, para estar aqui hoje, para lutar para mudar essa triste realidade, porque eu aprendi que o principal bem jurídico que tem que ser protegido pelo Estado brasileiro é a vida humana, o respeito à integridade física e à saúde, e esse bem jurídico está sendo violado diuturnamente, com a digital do Estado brasileiro.

    Nesse momento, concedo a palavra ao Sr. Marcos Paulo Silva Duarte, Presidente da Federação Espírito Santense de Ciclismo. (Pausa.)

    Por gentileza, habilite o som.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/06/2022 - Página 32