Fala da Presidência durante a 88ª Sessão Especial, no Senado Federal

Abertura de sessão especial semipresencial destinada a celebrar os 10 anos da Lei de Cotas.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Fala da Presidência
Resumo por assunto
Homenagem:
  • Abertura de sessão especial semipresencial destinada a celebrar os 10 anos da Lei de Cotas.
Publicação
Publicação no DSF de 30/08/2022 - Página 10
Assunto
Honorífico > Homenagem
Matérias referenciadas
Indexação
  • ABERTURA, SESSÃO ESPECIAL, COMEMORAÇÃO, LEI FEDERAL, RESERVA, MATRICULA, CURSO DE GRADUAÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL, INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO CIENCIA E TECNOLOGIA, ALUNO, ENSINO MEDIO, ENSINO PUBLICO, EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA).

    O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fala da Presidência.) – Declaro aberta a sessão.

    Sob a proteção de Deus iniciamos os nossos trabalhos.

    A presente sessão especial semipresencial foi convocada nos termos do Ato da Comissão Diretora nº 8, de 2021, que regulamenta o funcionamento das sessões e reuniões remotas e semipresenciais no Senado Federal e a utilização do Sistema de Deliberação Remota, em atendimento ao Requerimento nº 23, de 2022, de autoria desta Presidência e de outros Senadores, aprovado pelo Plenário do Senado Federal.

    Esta sessão é destinada a celebrar os 10 anos da Lei de Cotas.

    Nós vamos fazer o primeiro encaminhamento. Vamos chamar a primeira mesa – serão três mesas – e, após chamar a primeira mesa, em seguida, a nossa querida cantora, que gentilmente aceitou o nosso convite, Kika Ribeiro, vai executar o Hino Nacional.

    Então, para a primeira mesa eu chamo: Bruna Chaves Brelaz, Presidenta da União Nacional dos Estudantes – seja bem-vinda. (Palmas.); Frei David dos Santos, da Educafro Brasil – acho que ele não chegou ainda; Douglas Belchior, Professor de História e Cofundador da Uneafro Brasil e membro da Coalizão Negra por Direitos – participação presencial (Palmas.); Rita Cristina de Oliveira, Defensora Pública Federal e Coordenadora do Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União – está aí a Rita? (Palmas.); José Vicente, Reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, cuja participação será remota; Nelson Inocêncio, escritor e Professor da UnB – presencial. (Palmas.)

    Se algum dos membros desta primeira mesa chegar, poderá de imediato subir aqui à mesa e usará da palavra neste período.

    Eu convido agora, de imediato, a cantora Kika Ribeiro.

(Procede-se à execução do Hino Nacional.) (Palmas.)

    A SRA. KIKA RIBEIRO – Muito obrigada pelo convite! Foi uma honra fazer parte de dez anos de cotas. Gratidão!

    O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Para discursar - Presidente.) – Eu reafirmo: aqueles que fazem parte da primeira mesa, ao chegarem, se dirijam à mesa para registrar sua presença e fazer uso da palavra no momento adequado.

    Neste momento, em nome da Presidência do Senado, do Senador Rodrigo Pacheco, que, de pronto, atendeu à nossa solicitação e botou o requerimento em votação, eu falarei, claro, dando a minha posição sobre este momento histórico e, ao mesmo tempo, também a posição da Casa, que aprovou, por ampla maioria, essa política.

    Amigos e amigas, sejam todos bem-vindos – tanto aqueles que estão à distância como os que estão presentes.

    Celebramos hoje aqui os dez anos da Lei de Cotas em universidades públicas e institutos federais.

    O país da esperança que buscamos no verbo amar e nas suas conjugações tem que ter um olhar para o passado, o presente e o futuro, para resgatar a dívida histórica com a nossa gente, ouvindo o coração, resgatando o beijo da dignidade humana, abraçando a luta contra o racismo e todas as formas de preconceito. O amor – início, meio e fim – não é um sonho provável, é uma utopia legítima de direito, de perspectiva, de mudança, de liberdade e está ao nosso alcance. As cotas são um dos caminhos.

    Não há país, não há pátria, não há nação quando existe exclusão social, econômica, cultural e política, quando há miséria, pobreza, desumanidade, quando a fome eleva o choro de uma criança, quando há racismo e se mata pela cor da pele.

    Com a democracia, alcançamos a justiça, transformamos os descaminhos em caminhos. Sem ela é a barbárie. Vida longa à democracia!

    Quando apresentamos o Estatuto da Igualdade Racial, já tínhamos colocado, lá no projeto, a política de cotas e o fundo para combater o racismo estrutural no Brasil. Mas, infelizmente, para aprová-lo, exigiram que tirássemos o fundo e também a política de cotas. Retiramos de forma estratégica. Assim, no dia 20 de julho de 2010, o Presidente Lula sanciona o Estatuto da Igualdade Racial, num belo evento no Itamaraty. Ali estão as diretrizes para as políticas públicas.

    Esse debate não termina ali, esse debate foi para o Supremo. Eu, como único Senador negro naquela época, fui ao Supremo, numa audiência pública, para defender a política de cotas, e um outro, não negro, foi lá para ser contrário. Ganhamos no Supremo Tribunal Federal.

    Faço um registro, aqui, histórico: os produtores do filme Raça filmaram todo aquele debate, que depois foi passado em todo o Brasil. Minha homenagem – e eu peço uma salva de palmas – ao Diretor Joel Zito. (Palmas.)

    A partir daí, ficou mais fácil tramitar a proposta no Congresso.

    No Senado, fui Relator do PLC 180, de 2008, política de cotas, na Comissão de Direitos Humanos, na CDH, e, depois, também no Plenário. Foi a vitória da gente brasileira. Destaco que a Senadora Ana Rita presidia a CDH à época, eu era Vice, e ela relatou na CCJ. Destaco também que veio da Câmara, como autora, a Deputada Nice Lobão.

    Avançamos dizendo, no momento em que vivemos, da importância desse debate de combate a todo tipo de racismo e preconceito, que, com a democracia, nossas aquarelas são coloridas, como devem ser, pintadas pela essência do nosso povo, com os mesmos direitos para todos e todas, com a mesma igualdade de oportunidades, na amplitude do esperançar.

    Não há meias verdades. Não há versões dos fatos quando o sangue preenche os sulcos da terra. As cicatrizes ficam nos corpos de negros e de negras, de índios, da nossa gente. Um dia, neste país, espero eu, a saga dos lanceiros negros e de João Cândido, o nosso almirante negro, serão reconhecidas, contadas, e eles estarão numa batalha que estamos travando aqui, já aprovamos.

    Por isso, a resistência está em nós, no silêncio que fala, no grito que não cala, na história de homens e mulheres do nosso país que deveriam sim estar entre os heróis da pátria. Mesmo os dois que eu citei como exemplo ainda não estão, como tantos outros não estão.

    Devemos sempre acreditar e perseverar. Jamais desistir. Transpor montanhas, cruzar desertos. Disse o poeta: "O nosso destino é seguir em direção ao mar".

    A boa luta é um ato de amor que nos leva à conquista da felicidade. Reafirmo: sim, a boa luta é um ato de amor que nos leva à conquista da felicidade. Reafirmo aqui a minha esperança no governo que virá.

    Sim, repito, celebramos hoje, neste Plenário, os dez anos da Lei de Cotas nas universidades públicas e institutos federais, que foi sancionada no dia 29 de agosto de 2012 pela Presidenta Dilma Rousseff. Eu tenho a ousadia de pedir uma salva de palmas à minha querida amiga, que eu tive a honra de naquela tribuna defender pelo massacre cometido com o impeachment. (Palmas.)

    Um marco no nosso país da dignidade humana e de um novo cenário: o da inclusão social, com a política de cotas. Destinam-se 50% das vagas para negros, pretos, pardos, indígenas, pessoas com deficiência, estudantes de família com renda igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita – os mais pobres.

    Entre 2010 e 2019, o número de alunos negros no ensino superior cresceu quase 400%, provando que cota já é um sucesso – 400%. Merece os seus aplausos. (Palmas.)

    A USP conseguiu quadruplicar o número de estudantes de graduação pretos, pardos ou indígenas entre 2010 e 2019.

    No ano de 2021, o Instituto Insper declarou, baseado no Enem e no Censo da Educação Superior, que as universidades federais não tiveram redução no padrão acadêmico. A Lei de Cotas, repito, é um sucesso. Aqueles que diziam que ia diminuir a qualidade dos nossos formandos quebraram a cara. O sonho se tornou realidade.

    A inclusão por meio da educação é um grande passo para a cidadania, para a igualdade – para a igualdade, sim, porque a educação liberta. A educação liberta.

    Destaco que a Lei de Cotas – vocês vão aprofundar o debate aqui – não perde a vigência. Claro que terá que ser reavaliada, com a participação do Ministério da Educação, da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Fundação Nacional do Índio, para o seu aprimoramento e seus avanços. Melhorar, por exemplo, como o PLS 214, de 2010, que já aprovamos no Senado, que garante assistência estudantil e assegura aos estudantes em situação de vulnerabilidade moradia, alimentação, transporte, inclusão social, entre outros. Da mesma forma, o PL 3.434, de 2020, que também já encaminhamos aqui pelo Senado, que promove a reserva de vagas em programa de pós-graduação.

    Ainda em 2020, elaboramos – sempre com os movimentos negros e suas articulações, que sempre sustentaram nossos projetos aqui, e com a sociedade civil organizada – o PL 4.656, ampliando as cotas para as instituições privadas.

    A Lei de Cotas muda a vida das pessoas para melhor, oferece oportunidades, horizontes, fortalece o direito de ter sonhos e de torná-los realidade.

    Precisamos de cotas, sim, para que o Brasil deixe de ser o segundo país do mundo mais desigual.

    Precisamos de cotas, sim, para combater o racismo estrutural. Ele, o racismo estrutural, está no olhar, nos gestos, na sociedade, em todos os lugares.

    Esta luta, meus amigos e minhas amigas, é de todos nós: negros, brancos, índios, quilombolas, refugiados, sociedade, poder público, setor privado.

    Para finalizar, eu quero dizer: eu venho de uma origem muito simples. O meu sonho era ser advogado. O direito a uma cadeira na academia me foi negado pela história e pelo meu país, mas o destino escreve os nossos caminhos, o destino me levou para outras situações. Fiz ensino técnico, fui sindicalista, fui constituinte, com quatro mandatos de Deputado Federal e três de Senador.

    Uma vez, um jovem cotista falava comigo, e eu disse para ele: somos aquilo que acreditamos ser. (Palmas.)

    Isso ninguém tira de nós, está na nossa alma e navega em harmonia com nossas inquietudes e com nossas lutas. É pura intensidade de vida e sentimentos. Não há sonho impossível.

    Seremos, sim, queiram ou não queiram alguns, doutores, médicos, advogados, engenheiros, jornalistas, economistas, professores, Deputados, Senadores, Governadores, Presidentes da República. Seremos o que queremos ser.

    Sou um dos poucos Parlamentares negros no Congresso e um dos pouquíssimos Senadores negros da história brasileira.

    Quero aqui saudar o grande Senador Abdias Nascimento, que foi um expoente pelo sistema de cotas e políticas afirmativas, como também foi a ex-Senadora e até hoje grande Deputada Federal Benedita da Silva. A esse homem e a essa mulher, eu rendo aqui as minhas homenagens. (Palmas.)

    Precisamos de negras e negros na política, sim. Precisamos de mais indígenas, mais mulheres, mais diversidade nas instâncias de poder.

    Aos poucos, estamos melhorando. Hoje somos 49,9%. Eu diria que 50% das candidaturas do país são deste campo de atuação: negros, negras e índios.

    Os movimentos negros foram fundamentais neste processo, no avanço legislativo das leis que dão garantias, na própria concepção que veio lá do Estatuto da Igualdade, assim como o foram na questão do Fundo Eleitoral para mulheres e negros e também do tempo de rádio e TV.

    Mudou a lei? Mudou, porque houve essa mobilização, aqui dentro, de parte dos movimentos sociais. Agora teremos uma estrutura melhor na disputa eleitoral. Aqui fica o meu reconhecimento também ao Tribunal Superior Eleitoral e ao Supremo Tribunal Federal, a quem eu tenho a ousadia de pedir uma salva de palmas, porque eles foram fundamentais para essa lei ser regulamentada nos moldes que é hoje.

    Terminando, nesses últimos anos, resgatamos e elaboramos mais de 30 matérias raciais e aprovamos no Senado mais de 16, entre elas o 5.231, de 2020, a abordagem dos agentes de segurança públicos e privados. É um absurdo a abordagem que sofrem índios, negros e negras neste Brasil. A Coalizão Negra por Direitos ajudou muito na elaboração desse projeto que tipifica como crime de racismo a injúria racial.

    A injúria racial, já aprovamos duas vezes neste Plenário. Vai para a Câmara, volta, e não se aprova. Por que não se aprova? Em um, eu fui autor; no outro, eu fui Relator, mas não é isso. Eu dei parecer favorável de uma outra Deputada, mas foi para lá e parou. Nós não podemos mais suportar a injúria. Tudo vira injúria, e não há uma penalidade como teria que ser considerado crime inafiançável e imprescritível para quem comete o crime de injúria.

    Há muito ainda por fazer no Congresso, nas políticas públicas, nos governos. Há muito por fazer para o nosso povo. É uma longa jornada construída por muitos, por todos nós, por todos vocês. Tenhamos o entendimento de que, a cada minuto e cada hora, a raiz dessa luta se fortalece.

    Daqui a alguns dias, nós estaremos na primavera. Sim, a primavera vai chegar: a estação das flores; floração da alma; vida que renasce; dos pássaros que encantam com seus cantares; das estrelas, pois elas brilham mais, trazendo luzes de mudanças; das mil fontes e bandeiras a revoar pelo país.

    Adiante vamos com a esperança dos jovens e dos idosos e as geografias que cortam pelo tempo as mãos calejadas do nosso incansável povo brasileiro.

    Os sonhos que sonhamos são eternos; aquecidos de afeto, buscam um país justo – é só o que queremos –, igualitário, construído com palavras de paz, de amor e de justiça, um país do sentimento estendido ao outro em solidariedade e fraternidade.

    Igualdade de oportunidades sempre! Inclusão para todos e todas!

    Não ao ódio! Sim ao amor!

    Vida longa à política de cotas!

    Abraço a todos vocês! (Palmas.)

    Eu sei que é um pouco longo, mas para nós é uma data histórica, Frei David, que chegou aqui.

    Vejo o Thiago aqui, vejo tantos outros aqui desta primeira mesa que já chegaram.

    Já estão aqui, então, na primeira mesa, Bruna Chaves, Frei David, Douglas Belchior, Rita Cristina – eu já vou citar o nome deles e dar um pequeno histórico deles –, José Vicente, Nelson Inocêncio.

    Então, de imediato, eu passo a palavra à Presidente da União Nacional dos Estudantes, a líder Bruna Chaves Brelaz.

    Escolha. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/08/2022 - Página 10