Fala da Presidência durante a 15ª Sessão Especial, no Senado Federal

Abertura de Sessão Especial destinada a celebrar o Dia Internacional da Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Fala da Presidência
Resumo por assunto
Data Comemorativa, Direitos Humanos e Minorias:
  • Abertura de Sessão Especial destinada a celebrar o Dia Internacional da Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.
Publicação
Publicação no DSF de 21/03/2023 - Página 8
Assuntos
Honorífico > Data Comemorativa
Política Social > Proteção Social > Direitos Humanos e Minorias
Matérias referenciadas
Indexação
  • ABERTURA, SESSÃO ESPECIAL, COMEMORAÇÃO, HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, COMBATE, OBJETIVO, ELIMINAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
  • COMENTARIO, PESSOAS, LESBICAS GAYS TRAVESTIS TRANSSEXUAIS E TRANSGENEROS (LGBT), INDIO, MULHER, PESSOA COM DEFICIENCIA, PESSOA IDOSA.

    O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fala da Presidência.) – Bom dia a todos e a todas, Senadores, Deputados, autoridades, Embaixadores, Ministros, representantes de ministros, sociedade civil organizada.

    Neste momento, vamos dar abertura à nossa sessão.

    Declaro aberta a sessão.

    Sob a proteção de Deus, iniciamos nossos trabalhos.

    A presente sessão especial foi convocada em atendimento ao Requerimento nº 47, de 2023, de nossa autoria e de outros Senadores e Senadoras, aprovado pelo Plenário do Senado Federal.

    A sessão é destinada a celebrar o Dia Internacional da Luta pela Eliminação da Discriminação Racial e todo tipo de preconceito.

    Convidados. A Presidência informa que esta sessão terá a participação dos seguintes convidados: Sra. Roberta Eugênio, Secretária-Executiva do Ministério da Igualdade Racial, representando a Ministra de Estado Anielle Francisco da Silva;

    Sra. Marina Lacerda, Chefe de Gabinete do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, representando o Ministro de Estado Luiz de Almeida; Sra. Nilma Lino Gomes, Ministra das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos no período de 2015 a 2016; Sra. Mariana dos Santos, massoterapeuta, atleta e deficiente de baixa visão; Sra. Lívia Santana e Sant'Anna Vaz, Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia; agora o meu querido amigo, Vossa Reverência, o Sr. Frei David Santos, fundador e Diretor-Executivo da ONG Educafro-Brasil; Sra. Lilian Oliveira de Azevedo Almeida, Procuradora do Município de Salvador, Bahia; Sr. Douglas Belchior, cofundador do movimento por educação popular e do combate ao racismo da Uneafro Brasil; Sr. Martvs Chagas, Secretário Nacional de Combate ao Racismo do Partido dos Trabalhadores; e Sr. Toni Reis, Diretor-Executivo da Organização Brasileira LGBTQIA+, chamada Grupo Dignidade.

    Neste momento vamos cantar o Hino Nacional.

    Todos em posição de respeito, por favor.

(Procede-se à execução do Hino Nacional.) (Pausa.)

    O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Neste momento, anuncio que teremos duas mesas. Cada convidado terá em torno de oito a dez minutos para fazer a sua exposição.

    Nessa primeira mesa, chamamos a nossa querida amiga, a jovem Deputada Federal Dandara. (Palmas.)

    Chamamos a Secretária-Executiva do Ministério da Igualdade Racial, Sra. Roberta Eugênio, representando a Ministra de Estado da Igualdade Racial. (Palmas.)

    Convidamos a Promotora de Justiça do Estado da Bahia, Sra. Lívia Santana e Sant’Anna Vaz. (Palmas.)

    Neste momento, faço um breve pronunciamento em nome da Presidência da Casa.

    Senhoras e senhores, celebramos nesta sessão especial do Senado o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, 21 de março, que é no caso amanhã, data instituída pela ONU (Organização das Nações Unidas) em 1960.

    Queremos fazer uma fala muito realista, dizendo de imediato que, apesar dos esforços individuais e coletivos de décadas de muita luta e persistência, o racismo, o preconceito e a discriminação continuam a impregnar de ódio, de violência e de intolerância a sociedade e as instituições.

    Estão enraizados, presos às cotidianas estruturas políticas, sociais e econômicas. Agridem, reprimem, verbalizam iras e sentimentos viscerais de repulsa e aversão contra negros e negras, quilombolas, indígenas, LGBTQI+, mulheres, pessoas com deficiência, idosos, pobres, asiáticos, judeus, palestinos, migrantes e refugiados, as chamadas minorias étnicas.

    Lembro aqui que a obra Kaputt – quebrado, calado, destroçado –, de Curzio Malaparte, lançado em 1944, já dizia sobre o relato das crueldades da Segunda Guerra, do extermínio de pessoas, do racismo e da xenofobia. Um oficial nazista diz a um menino que não foi ele quem inventou os conflitos, a discriminação, os preconceitos. Então, propôs um desafio ao menino: "Escuta [disse ele], eu tenho um olho de vidro. É difícil distingui-lo do verdadeiro, mas, se você acertar qual o verdadeiro, você não será sacrificado; se você descobrir qual é, eu deixo você ir embora, você estará livre". O menino não hesita e diz: "É o olho esquerdo". O oficial espantado pergunta: "Mas como você descobriu?". Então, o garoto explica: "Porque, dos dois olhos, somente um tem algo de humano, de humanitário, é o olho esquerdo". E assim ele acerta e salva sua vida.

    Quando nos afastamos da condição da natureza e da existência humana, perdemos toda a essência da humanidade. A verdade é que deixamos de ser gente, perdemos a excelência da alma e nos transformamos em monstros. Ninguém nasce odiando ninguém. A criança não nasce racista, preconceituosa, ela é ensinada a discriminar; da mesma forma os mais jovens, conscientes ou de súbito. São ensinamentos por mentes e corações sem amor, gente com olhos desumanos, gente sem compaixão, sem bondade, sem generosidade, sem tolerância, gente aprisionada em pensamentos doentios.

    Somos reféns de uma educação... Infelizmente – e eu sempre digo que a educação liberta –, somos reféns ainda de uma educação que não liberta, que não inclui, que não questiona, que não expõe as tragédias humanas do preconceito e do racismo. Até hoje a verdadeira história da formação do povo negro no Brasil... Nós temos uma lei que manda e até hoje ela não é aplicada. Nós não temos 20% dos municípios que aplicam essa lei. Somos reféns de um Estado que se cala ao arbítrio covarde de uma sociedade, que se cala aos donos do poder e aos seus aparatos políticos e administrativos de governos que, por séculos, modelaram, formaram ou plasmaram métodos e discursos de que uma pessoa negra, uma pessoa deficiente ou uma pessoa com outra orientação sexual é inferior às outras. Uma pessoa por ter a pele diferente e ser pobre não tem os mesmos direitos de um cidadão, segundo eles.

    O racismo é, sim, de todas as formas na sociedade brasileira muito forte, está em todos os cantos, está no ar, está aqui dentro, está lá fora, está nas empresas, está nas praças, nas ruas, no campo e na cidade, no setor público e privado, nas falas, muitas vezes, entre familiares e vizinhos.

    É só vocês verem que está explodindo, em pleno século XXI, em praticamente todos os estados – eu estive com você numa região do Rio Grande – o trabalho escravo. Hoje mesmo, o Ministro Luiz Marinho está se deslocando para uma região do nosso país para ver in loco o trabalho escravo. Li, hoje de manhã, que descobriram, nessa semana, aqui em Goiás, mais de 212 trabalhadores sob o regime de escravidão – podem crer que 90% são negros e negras. Aí vai Pernambuco, aí vai aqui em Minas Gerais. Não tem um estado em que, se você for a fundo, não vai encontrar trabalhadores sob o regime de escravidão.

    O racismo é repugnante, traiçoeiro, mesquinho, desumano. Digo-lhes que ninguém deve ser neutro nessa luta. Quem é neutro é cúmplice. Por isso, todos nós temos que ter uma posição muito firme nesse combate. Não podemos desistir, em hipótese alguma, de combater esse mal que nos envergonha tanto. Somos muitas vezes como aquela criança tão bem descrita pelo poeta célebre do desassossego: em momento de extrema dor, de amargura, de vazio, de alma ferida, de vida no fundo do poço, em vez de dizer, "tenho vontade de chorar", eu vos digo que tenho vontade de lágrimas e lágrimas.

    Nossa negritude e nossa brasilidade impõem uma condição única que é de não nos calar, jamais, jamais, frente às injustiças e aos descaminhos. Que nossas lágrimas que caem pelos jovens negros que morrem por balas perdidas façam sempre o bom combate!

    Lembramos aqui as mães santas negras. Escorrem, pelas nossas pálpebras, lágrimas quentes conscientes pelo menino negro ou pela menina negra, pelas injustiças, pelos que foram constrangidos por seguranças, por exemplo, no shopping, como foi o caso de Porto Alegre. Meu amigo Beto foi morto dentro do shopping, porque ele era negro. O negro tem direito, sim, como todos têm, a entrar no supermercado, fazer suas compras e que a mãe não tenha que dizer: "Ah, vai para a aula, mas se cuide muito. Você pode morrer se acontecer qualquer movimento maior nas ruas. Se cuide". O negro infelizmente é o primeiro alvo. Temos o direito de ser tratados como seres humanos. Inclusive, aqui eu destaco...

    Estou vendo no Plenário o meu querido amigo Deputado Lindenmeyer.

    Está lá na Câmara um projeto que nós aqui aprovamos. A Coalizão Negra por Direitos fez um papel fundamental – não é, Douglas? –, que foi a abordagem policial. Não podemos...

    Estou com o cartão para não errar seu nome, Lindenmeyer. Alexandre Lindenmeyer, não é?

    Não podemos permitir que a abordagem policial continue como é hoje. É um absurdo o que acontece na abordagem policial quando se refere a um cidadão negro. Aprovamos, por unanimidade, aqui neste Plenário e agora está na Câmara. Então, eu faço um apelo para que a gente, como outros países estão fazendo no mundo todo, mude a abordagem policial, porque, no Brasil, é o seguinte: a abordagem policial, quando é negro ou negra, é de uma forma – vocês todos sabem disso, não estou contando novidade aqui – e, quando não é negro ou negra, principalmente num bairro nobre, aí é totalmente diferente.

    Mas, enfim, mata-se no Brasil pelo olhar, pelo silêncio, pela omissão; mata-se com a destreza dos abatedouros, com o fio afiado em pedra úmida.

    Neste país de muitas reticências e idolatrias nas esquinas, palácios e porões, mata-se a mulher negra, a mulher branca. O feminicídio queima como o fogo da inquisição. É o país onde mais são assassinadas mulheres, negras e brancas. Discriminam as pessoas com deficiência, os migrantes, os refugiados, os ciganos, os pobres; discriminam pela orientação sexual, pela escolha de religião. Discriminam até mesmo aqueles que desistiram de viver: mesmo mortos eles continuam sendo discriminados. Forjam testemunhas, enterram os miseráveis, os humildes, os esquecidos. Que país é esse em que vivemos em que a verdade e a memória são violentadas?

    A vida humana deve ser prioridade; jamais a barbárie. Não, não à barbárie! Buscamos sempre os direitos humanos na sua totalidade. Quando uma vida é levada, sangrada, esquartejada, quando famílias inteiras são destruídas pelo vil racismo brasileiro, pela estupidez da discriminação, todos nós – todos nós – perdemos um pouco da nossa alma e da nossa própria vida.

    O Senado tem agido para combater o racismo, a discriminação e os preconceitos. Aprovamos muita coisa, mas é pouco ainda; temos que aprovar mais. Dois mil e vinte e dois foi um ano produtivo para esta Casa: aprovamos mais de 20 projetos de lei, que estão na Câmara dos Deputados. Mas estamos muito aquém. É preciso avançar.

    O Congresso brasileiro tem que ser exemplo nesta luta constante que todos nós temos que fazer. Os projetos são tantos que eu vou destacar somente três aqui, porque a minha fala é muito na linha de acharmos caminhos para combater a discriminação, o racismo, a violência contra o povo brasileiro.

    O PL 5.231, de 2020, já aprovado no Senado, tramitando na Câmara, trata do que destaquei, abordagem policial. Esse, para mim, é um dos principais projetos.

    Outro projeto: 482, de 2017, que prevê 20 de novembro, dia de Zumbi dos Palmares, feriado nacional. Seria um dia de reflexão: como trata esse país os refugiados, como trata os imigrantes, como trata os negros, as negras, as mulheres, os idosos, as crianças, os adolescentes? Enfim, como trata toda a nossa gente? Seria um dia de reflexão, pegando o símbolo maior que é o nosso líder Zumbi dos Palmares, feriado em nível nacional. Aprovamos aqui, Dandara – refiro-me a você porque você é negra como eu e está lá na Câmara dos Deputados. Aprovamos por unanimidade; e a Câmara não vota também. Não votou também, Lindenmeyer. Fica aqui esse apelo, não de crítica, mas um apelo de carinho, de solidariedade ao nosso povo, à nossa gente, para que a Câmara também avance nessas políticas.

    PL 859, de 2023, que proíbe a terceirização da atividade fim. Por quê? Porque ela é a porta, ela potencializa o trabalho escravo. Vou dar um dado para vocês aqui, rapidamente, da terceirização: de cada dez trabalhadores da terceirização... De cada dez trabalhadores que são salvos do trabalho escravo, de cada dez, nove são terceirizados. De cada dez trabalhadores encontrados no trabalho escravo neste país, nove são terceirizados.

    Nós lutamos tanto contra a terceirização na atividade fim! Viajamos nos 27 estados, arrancamos cartas de cada estado, trouxemos para o Senado, e o Senado, então, não aprovou aqui a terceirização da atividade fim, mas, infelizmente, a Câmara desarquivou um projeto lá – de lá atrás, antigo, tirou não sei de onde – e aprovou que se podia terceirizar a atividade fim. E, assim, o que aconteceu? Cada vez mais, escancarou-se o trabalho escravo no Brasil!

    Lembro que, no dia 11 de abril, com a participação de todos os senhores e as senhoras –a Dandara foi fundamental na coleta de assinaturas –, vamos lançar a Frente Parlamentar Mista Antirracismo, composta até o momento por mais de cem Parlamentares, Câmara e Senado.

    Eu queria agradecer a todos vocês por estarem aqui. Eu sei que é um dia de semana em que cada um deixou suas atividades e se deslocou para cá, mas podem saber que sempre vale a pena quando a causa não é pequena. É uma causa justa, é uma causa nobre, é política humanitária, é salvar um povo que até hoje, infelizmente, ainda sofre os grilhões da escravidão!

    Quando eu estou visitando algum estado onde se encontra trabalho escravo, Martvs, chega a me vir à mente: "Será que voltamos à peleia entre abolicionistas e escravocratas?". Nós somos – todos vocês aqui – abolicionistas, mas os escravocratas estão aí, estão no chamado grande mercado... Nessa aqui que eu vi hoje, em Goiás, são grandes grupos econômicos, e 212 foram lá salvos pelos fiscais – eu digo "salvos", porque iam morrer do jeito que estavam lá.

    Por fim, eu quero aqui, neste momento, além de agradecer a presença de todos vocês neste dia, agradecer aqui também à equipe daqui, do Senado. Eu agradeço à Secretaria-Geral da Mesa e ao Cerimonial – eles estavam preocupados ainda aqui, pois faltavam alguns, já eram 9h, mas todos os nossos convidados foram chegando – pelo excelente trabalho de preparação desta sessão.

    No meu encerramento, em que a gente sempre faz uma fala um pouquinho mais forte e busca o aplauso, eu queria que, neste meu encerramento, vocês batessem palmas não para mim, mas para o nosso povo, tão sofrido, para toda a nossa gente; que batessem palmas para os fiscais de trabalho que foram massacrados há 19 anos aqui, em Unaí... Eu apresentei um projeto para que fossem heróis da pátria os quatro que foram massacrados há 19 anos por um fazendeiro aqui, em Unaí; o fazendeiro está solto, os que fizeram o crime estão presos e disseram: "A ordem era matar um. E nós perguntamos para o mandante...". Assim me contaram as viúvas do massacre de Unaí, que disseram que eles mesmos contaram que o mandante disse: "Mate os quatro. Torre todos!". É a expressão que eles usam. Eu queria que a gente desse uma salva de palmas a todos aqueles que morreram nessa luta permanente. Lembro aqui o nome por quem eu tenho o maior carinho, fiz o poema mais bonito da minha vida, que é o do Abdias. Grande Abdias! Então, eu queria que nós, todos de pé, déssemos uma grande salva de palmas às políticas humanitárias e a todos aqueles que lutam contra o racismo e todo tipo de preconceito!

    E aqui encerro o meu pronunciamento! (Palmas.)

    Houve uma unanimidade aqui na mesa. Como a Dandara está com todo pique, coletou mais de cem assinaturas, e eu aqui as outras no Senado, com muita satisfação, a essa jovem negra vou passar a palavra.

    Concedo a palavra a S. Exa. a Sra. Deputada Dandara, Deputada Federal pelo Estado de Minas Gerais. Aqui diz que é por cinco minutos, mas são oito, dez; nós estamos em casa.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/03/2023 - Página 8