Discurso durante a 93ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Comentários sobre a diferença da repercussão de filmes internacionais e nacionais. Defesa da chamada cota de tela, que obriga a inclusão de obras cinematográficas nacionais na programação dos cinemas brasileiros para estimular o setor audiovisual do País.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Cultura:
  • Comentários sobre a diferença da repercussão de filmes internacionais e nacionais. Defesa da chamada cota de tela, que obriga a inclusão de obras cinematográficas nacionais na programação dos cinemas brasileiros para estimular o setor audiovisual do País.
Publicação
Publicação no DSF de 04/08/2023 - Página 10
Assunto
Política Social > Cultura
Indexação
  • COMENTARIO, DIFERENÇA, MERCADO, FILME ESTRANGEIRO, FILME NACIONAL, DEFESA, COTA, OBRIGAÇÃO, INCLUSÃO, OBRA ARTISTICA, AUTORIA NACIONAL, PROGRAMAÇÃO, CINEMA, PAIS, OBJETIVO, DESENVOLVIMENTO, SETOR, AUDIOVISUAL.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, telespectadores da TV Senado, ouvintes que nos acompanham pela Rádio Senado, internautas que nos seguem pelas redes sociais, nós temos visto, nestas últimas semanas, um verdadeiro frenesi no Brasil em torno do cinema com a exibição e a disputa de público entre os filmes Barbie e Oppenheimer, onda jocosamente batizada de "Barbenheimer."

    Disparadamente à frente, o filme Barbie bate recorde atrás de recorde no Brasil e já bateu a audiência de 8,3 milhões de pessoas, a segunda maior do mundo, com arrecadação de mais de R$160 milhões em bilheteria, a maior do ano e a maior de todos os tempos na história da Warner Bros. no país.

    Mas, infelizmente, o cinema nacional não tem tido a mesma acolhida. No primeiro semestre deste ano, nossos filmes atingiram menos de 1% do público total dos cinemas brasileiros, enquanto os blockbusters dominam o mercado.

    Eu me pergunto: é essa a prioridade que nós damos ao nosso audiovisual? É esse o olhar que teremos sobre ele, seguindo a submetê-lo a uma concorrência feroz e desproporcional, sem qualquer mecanismo de incentivo que o promova e o estimule, como fazem os países empenhados em valorizar a sua cultura? Eu penso que nós podemos pegar esse cenário extremamente simbólico para torná-lo como exemplo necessário a uma verdadeira indução pelo Estado para a preservação e o reflorescimento da nossa indústria do audiovisual.

    Temos instrumentos públicos dos quais o Governo Federal pode lançar mão, como a cota de tela, para fazer face a esse desafio de investimento fundamental na cultura. A cota de tela é a obrigação que as empresas exibidoras possuem de incluírem em sua programação obras cinematográficas brasileiras de longa-metragem. O número de dias para o cumprimento da cota, a diversidade de títulos exibidos e o limite de ocupação máxima de salas de um mesmo complexo pela mesma obra são estabelecidos anualmente por meio de um decreto do Presidente da República. Ocorre que, desde dezembro de 2019, não há decreto presidencial. A medida provisória que o regulamentava venceu há dois anos. Então penso que é hora de o nosso Governo, por meio do Ministério da Cultura, trabalhar urgentemente sobre essa pauta. Disse-me, inclusive, o Líder do Governo no Congresso, o nosso companheiro Randolfe Rodrigues, que estaria apresentando um projeto exatamente para definir essa questão neste momento.

    O compromisso do Presidente Lula com o setor é inquestionável. O Ministério da Cultura foi recriado no nosso Governo, depois de ter sido extinto pelo Governo anterior, e recebeu o maior orçamento da sua história. Somente a Lei Paulo Gustavo, aprovada por este Congresso, assegurou quase R$3 bilhões para o audiovisual, razão pela qual são necessárias políticas públicas consistentes para assegurar um retorno sustentado da aplicação desses recursos.

    Um novo instrumento normativo para restabelecer a cota de tela viria, seguramente, ao encontro desse esforço para resgatar nossas produções audiovisuais e o nosso cinema desse ambiente de terra de ninguém e devolvê-los ao cenário de destaque, relevo e impulsionamento que merecem.

    Não é aceitável que um país que tenha um setor audiovisual tão pujante e criativo como o nosso, com tantos talentos e tão espetaculares produções, possa assistir a seus filmes sendo exibidos nos cinemas em horários anteriores às 4h da tarde, quando as salas ficam praticamente às moscas. É um desprestígio, uma verdadeira agressão tratar o que é nosso, a nossa cultura, com tanto desprezo, com tanto desdém, ao passo em que o cinema hollywoodiano, em especial, ocupa massivamente todos os espaços nobres, deixando às produções brasileiras apenas o sobejo dos seus horários de funcionamento, sem que haja qualquer regra de proteção ao conteúdo de origem nacional.

    Um levantamento mostrou que um filme nacional, lançado recentemente, teve, no seu primeiro fim de semana de estreia, 160 sessões por dia, na cidade de São Paulo, das quais 55% foram jogadas para horários anteriores às 3h da tarde e somente 12%, nos horários nobres, em que pese todas elas registrarem lotação das salas. Com a entrada em cartaz de Barbie e de Oppenheimer, o filme teve o circuito restringido e a exibição foi toda baixada a horários anteriores às 2h da tarde, em desprezo total à audiência que vinha tendo. Tanto ele quanto Barbie são da Warner Bros., mas o título estrangeiro foi privilegiado, em prejuízo do nacional.

    Dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine) compravam que, entre 2018 e 2019, enquanto vigia a cota de tela, os filmes brasileiros correspondiam a 14% das sessões realizadas após às 5h da tarde. No ano passado, já sem a vigência da medida, esse percentual caiu para menos da metade. O relatório da Ancine mostra também que as produções nacionais são exibidas em maior número nos dias úteis, quando menos gente vai ao cinema e os ingressos são mais baratos, o que gera uma arrecadação menor de bilheteria para nosso cinema.

    É uma política massacrante, deliberadamente asfixiante, que impõe novos prejuízos ao setor audiovisual brasileiro em um momento em que ele ainda sente os trágicos reflexos da acentuada queda de público e de participação de mercado desde 2020, período em que as salas fecharam devido à pandemia e as plataformas de streaming explodiram.

    Quando as salas começaram a reabrir e o público, a retornar, os filmes brasileiros já davam sinais de que haviam sentido o tombo. No ano passado, apenas 4,2% dos frequentadores de cinema compraram ingresso para um título nacional. A média de participação de mercado da produção local, nos 15 anos anteriores, tinha sido de 15%, quatro vezes mais.

    E essa queda sensível não tem relação com o número de lançamentos. No ano passado, chegaram às telonas 246 longas-metragens brasileiros, número que corresponde...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... a bem mais de um terço do total de filmes lançados.

    Peço a V. Exa. uma pequena tolerância.

    Neste ano, até o fim de junho, foram exibidas 152 produções, que venderam 512 mil ingressos. É uma porcentagem que equivale a 0,9% do público total, quase 8 milhões a menos de tíquetes do que foram vendidos para o filme Barbie.

    A cota de tela é o mais antigo e experimentado mecanismo de proteção aos filmes nacionais, uma medida cujas origens remontam ao Governo Vargas, em 1937. É uma forma mundialmente aceita, acolhida inclusive pelo GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), de 1947, por entender que o audiovisual e o cinema merecem um mecanismo efetivo de proteção contra a ocupação predatória.

    Então, é preciso, Sr. Presidente, que façamos face a esse cenário desalentador, que vem especialmente se desenrolando por falta de normativa legal desde setembro de 2021. Há a necessidade de nova lei que incorpore mudanças feitas em decretos anteriores e em uma instrução normativa que adequaram a cota às mudanças do mercado, como a da chamada Lei da Dobra, que impedia que um filme fosse retirado de cartaz se estivesse fazendo determinada média de público por sala.

    Por fim, Sr. Presidente, temos...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... a absoluta convicção de que este tema receberá desta Casa e de V. Exa., em particular, uma atenção especial, porque estamos falando – entre outros temas que também dizem respeito ao audiovisual brasileiro – de uma legislação que se faz urgente, sob pena de, em não existindo, o nosso cinema estar condenado a um processo rápido de perda da sua relevância, da sua importância.

    Parte disso também, Sr. Presidente, pois creio que esta Casa deve fazê-lo na segunda semana de agosto, é o preenchimento de uma vaga da Agência Nacional do Cinema. Eu sou Relator dessa indicação do Sr. Paulo... Agora me deu um branco aqui. Perdão, Sr. Presidente, e perdão especialmente a ele, mas já tive a oportunidade de apresentá-lo...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... a vários Senadores da Comissão de Educação e aqui no Plenário.

    O SR. ESPERIDIÃO AMIN (Bloco Parlamentar Aliança/PP - SC. Fora do microfone.) – Alcoforado.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Alcoforado, Paulo Alcoforado.

    E esperamos que possamos votar essa matéria muito brevemente.

    Desculpe-me, Presidente.

    O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MG) – Obrigado, Senador.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Desculpe-me, especialmente, o Dr. Paulo...

    O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MG) – Senador Humberto Costa...

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Pois não.

    O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MG) – V. Exa., além de Relator da indicação da Ancine, é Relator também do projeto referente a essa questão da cota de tela, parece-me, não é?

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Não, porque o projeto parece que não foi apresentado ainda.

    Parece-me que o Senador...

    O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MG) – Parece-me que foi formalizado pelo Senador Randolfe...

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Exatamente.

    O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MG) – ... e há um prazo em que precisa ser aprovado, até o início de setembro, não é isso?

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Pois não.

    O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MG) – Portanto, vamos ter senso de urgência em relação a esse projeto.

    Eu recebi essa reivindicação do setor da cultura, do segmento da cultura. O próprio Senador Randolfe Rodrigues nos advertiu a respeito dessa questão do prazo.

    Então, além da indicação da Ancine, termos também esse senso de urgência em relação a esse tema, que é muito caro para a cultura brasileira, para o cinema brasileiro, que é expressão, sobretudo, de proteção a uma indústria nacional, que precisa ser protegida e precisa ser valorizada.

    Então, quero cumprimentar muito o pronunciamento de V. Exa. E vamos, no decorrer de agosto, nos desincumbir dessas duas missões, tanto da Ancine, da indicação da Ancine, quanto do projeto.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Com certeza, Sr. Presidente.

    Se eu tiver a honra de ser indicado Relator desse projeto do Senador Randolfe Rodrigues, eu me comprometo com a Casa que o farei no espaço de tempo mais curto possível, obviamente com a discussão que se faz necessária.

    Muito obrigado a V. Exa.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/08/2023 - Página 10