Discurso durante a 105ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a suposta usurpação da competência do Congresso Nacional pelo Governo Federal e pelo STF, destacando, por um lado, a criação de comissão de juristas indígenas para sugerir alterações legislativas no Estatuto do Índio e, por outro, o julgamento da descriminalização do porte de drogas.

Autor
Plínio Valério (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Francisco Plínio Valério Tomaz
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Atuação do Congresso Nacional, Atuação do Judiciário, Direito Penal e Penitenciário, Governo Federal, População Indígena:
  • Preocupação com a suposta usurpação da competência do Congresso Nacional pelo Governo Federal e pelo STF, destacando, por um lado, a criação de comissão de juristas indígenas para sugerir alterações legislativas no Estatuto do Índio e, por outro, o julgamento da descriminalização do porte de drogas.
Publicação
Publicação no DSF de 16/08/2023 - Página 65
Assuntos
Outros > Atuação do Estado > Atuação do Congresso Nacional
Outros > Atuação do Estado > Atuação do Judiciário
Jurídico > Direito Penal e Penitenciário
Outros > Atuação do Estado > Governo Federal
Política Social > Proteção Social > População Indígena
Indexação
  • PREOCUPAÇÃO, POSSIBILIDADE, USURPAÇÃO, COMPETENCIA, CONGRESSO NACIONAL, AUTORIA, GOVERNO FEDERAL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), CRIAÇÃO, COMISSÃO, JURISTA, GRUPO INDIGENA, OBJETIVO, ALTERAÇÃO, ESTATUTO, INDIO, JULGAMENTO, DESCRIMINALIZAÇÃO, PORTE DE DROGAS, COMENTARIO, ATUAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).

    O SR. PLÍNIO VALÉRIO (Bloco Parlamentar Juntos pelo Brasil/PSDB - AM. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, mais duas agressões cometidas nas últimas semanas turbinam a grande turbulência institucional que vivemos em função das distorções ocorridas no exercício das prerrogativas constitucionais.

    A verdade é que, no Brasil de hoje, todo mundo quer legislar, usurpando assim o poder do Congresso Nacional – começou com o Supremo Tribunal Federal, que insiste ainda nisso. Uma sequência de atos fraturou o equilíbrio entre os três Poderes e colocou em risco, como continua colocando, a nossa nova, ainda jovem, democracia.

    Em seu ponto de partida está a conduta de ministros do Supremo Tribunal Federal, que se desviou da sua principal responsabilidade, que é a garantia do cumprimento e da estabilidade do ordenamento jurídico, para ocupar o espaço de outros poderes.

    É muito clara a interferência desses ministros em prerrogativas do Legislativo e do Executivo. O problema, porém, não fica por aí. Também no Executivo notam-se agora iniciativas de interferência. É o resumo, enfim, de que todos agora querem legislar. Era o Supremo legislando, e agora o Executivo também quer fazer o mesmo. Refiro-me aqui à esdrúxula pretensão de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal – primeiro o Supremo, depois o Executivo – de decidir o que constitui posse de drogas para consumo pessoal e, até mais, de mensurar qual é a exata quantidade da droga para essa finalidade. Mas me refiro também à pretensão do Ministério dos Povos Indígenas para criar um grupo de trabalho alegadamente formado por juristas indígenas com o objetivo de desenhar uma revisão do Estatuto do Índio. Criado em abril, com previsão para funcionar durante 180 dias, o comitê é formado por integrantes do ministério, sob o comando do gabinete da Ministra Sonia Guajajara, e tem como objetivo, abro aspas "elaborar propostas e ações visando o acesso diferenciado a programas, serviços e ações de proteção social pelos povos indígenas", fecho aspas. É evidente que essa iniciativa constitui motivo de preocupação, especialmente no momento em que o Congresso Nacional já discute o chamado marco temporal, e o Senado Federal avança com a CPI das ONGs.

    Medidas para aperfeiçoar o Estatuto do Índio são bem-vindas e salutares, mas o debate deve ser no Parlamento, por Legisladores eleitos pela população para representá-los. A ministra não me representa. Os ministros não me representam. Não são eleitos pelo voto popular. Nós, sim, Senadores, representamos a população brasileira.

    No momento, já existe uma forte e autoritária intervenção do Executivo nessa área. Os arts. 176 e 231 da Constituição Federal estabelecem já que as comunidades indígenas têm o direito de criarem as cooperativas para explorar riquezas de suas terras, e o Estatuto do Índio, em sua redação atual, também prevê que esses povos devem usufruir das riquezas naturais e de todas as utilidades de suas terras. No entanto – e infelizmente –, os povos originários vêm sendo impedidos de exercer esses direitos. São órgãos do Poder Executivo que confrontam sistematicamente esses direitos constitucionais. E mais ainda: foi só se perceber o fortalecimento de se produzir no meu estado, em Autazes, o potássio, de que o Brasil desesperadamente precisa, para se tomar a decisão de lá criar mais uma terra indígena. É exatamente por isso que a situação se torna realmente preocupante.

    O mesmo Poder que hoje ignora determinações constitucionais embarca no que pode se tornar uma tentativa de alterar a legislação em favor de interesses de ONGs internacionais que buscam tutelar os povos indígenas de forma questionável e sem respeitar as suas próprias decisões e aspirações. Existem motivos reais para se suspeitar desse processo, dadas as posturas adotadas por autoridades do Executivo nesse sentido.

    A CPI das ONGs, da qual eu tenho a honra e o prazer de presidir, tem exposto de forma clara e incontestável as práticas questionáveis de organizações que se autointitulam defensoras dos povos indígenas, mas que, na verdade, acabam perpetuando a miséria e a falta de oportunidade para essas comunidades, arrecadando recursos e enriquecendo em nome delas, dessas populações da floresta.

    Ao editar duas portarias, o Ministério do Povos Indígenas criou os grupos de trabalho de – mais uma vez aspeados – "juristas indígenas", que terão o objetivo explícito de elaborar e propor ações que visam buscar soluções relacionadas às questões de povos indígenas no país. Além disso, poderão propor medidas resolutivas sobre a situação fundiária. Olhe só o perigo aqui. É evidente que existe aí um risco, pois não há sequer um representante do Poder Legislativo a examinar proposições que visam alterar nosso Direito positivo. Agora é o Executivo que vai legislar, seguindo o exemplo do Supremo Tribunal Federal.

    Nesse sentido, aliás, o próprio Senado já criou um perigoso precedente, ao criar sua própria Comissão de Juristas, no caso, para apresentar alternativa a uma legislação, que é a legislação que visa o impeachment de ministros. O Senador Esperidião Amin foi precursor desse combate, naquela comissão de notáveis que elaborou nova lei relacionada ao impeachment de ministros.

    É o mesmo Supremo Tribunal Federal que está, neste exato momento, definindo a liberação do uso de entorpecentes, a pretexto de fixar o que seria a quantidade para uso próprio. Os ministros estão inclusive deliberando quais as drogas que poderiam ser liberadas sob esse critério de uso próprio. Isso é, evidentemente, uma prerrogativa do Poder Legislativo, e não deles.

    Registro aqui, até para fazer justiça, a oportuna, precisa e corajosa manifestação do nosso Presidente Rodrigo Pacheco a propósito desse absurdo, aqui há duas semanas passadas, quando ele tentou colocar um freio nisso.

    Vale lembrar também que acaba de ocorrer outra interferência de peso, quando o Ministro Alexandre de Moraes – sempre o Ministro Alexandre de Moraes – determinou que a União, os estados e os municípios adotem uma série de medidas em relação à população em situação de rua. O diagnóstico que levou à decisão é razoável: depois da pandemia, por vários fatores, cresceu muito o número de pessoas em situação de rua nas cidades brasileiras. O poder público, em suas diferentes esferas, tem sido incapaz e mesmo omisso no cuidado a essas pessoas e no respeito a seus direitos. O problema surge quando o Ministro entende que ele, sozinho, tem poderes para fixar obrigações concretas sobre o tema para a União, os estados e os municípios. Esse tipo de interferência não pode ser tolerado pelo Congresso Nacional. Existe aí um esforço para submeter a outros Poderes decisões inerentes ao processo legislativo. E pior, muito pior ainda: esse esforço se traduz em medida de ostensivo viés político, atendendo a interesses que podem ser extremamente distintos dos interesses nacionais.

    Eu vou dizer aqui de outra forma, Kajuru, o que já disse cem vezes: ou o Senado coloca um freio nessa carroça, ou vamos continuar descendo ladeira abaixo, e o desastre será inevitável. Esse desastre vai atingir a todos nós, brasileiros.

    Obrigado, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/08/2023 - Página 65