Discurso proferido da Presidência durante a 107ª Sessão de Debates Temáticos, no Senado Federal

Sessão de Debates Temáticos destinada a debater o tema da descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal.

Autor
Efraim Filho (UNIÃO - União Brasil/PB)
Nome completo: Efraim de Araújo Morais Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso proferido da Presidência
Resumo por assunto
Direito Penal e Penitenciário:
  • Sessão de Debates Temáticos destinada a debater o tema da descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal.
Publicação
Publicação no DSF de 18/08/2023 - Página 29
Assunto
Jurídico > Direito Penal e Penitenciário
Indexação
  • DEFESA, PRERROGATIVA, CONGRESSO NACIONAL, DISCUSSÃO, LEGISLAÇÃO, LEGALIZAÇÃO, PORTE DE DROGAS, CONSUMO, DROGA, MACONHA, USO PROPRIO.
  • CRITICA, DESCRIMINALIZAÇÃO, PORTE DE DROGAS, MACONHA, CONSUMO, USO PROPRIO, INCENTIVO, TRAFICO, DROGA.

    O SR. PRESIDENTE (Efraim Filho. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PB. Para discursar - Presidente.) – A Mesa procederá à inscrição de V. Exa., Senador Mecias.

    Presidente Rodrigo Pacheco, ainda presente aqui no recinto, na sua pessoa saúdo os Senadores e as Senadoras. Estamos realizando hoje esta sessão para discutir um tema que exige coragem e lucidez por parte deste Congresso Nacional e que vai muito além das convicções pessoais de cada Parlamentar. É um tema que ultrapassa as meras pautas de costume, é um tema que envolve a proteção da família, das crianças e que não permite achismos. E esse tema é o tema da descriminalização das drogas para uso pessoal.

    Sabemos, desde já, e há uma consciência pública sobre isso, que o tráfico de drogas é a maior e mais nefasta transgressão social que destrói famílias, desarranja a própria definição de unidade familiar e patrocina, em muitos casos, a barbárie da sociedade moderna. (Palmas.)

    Enfrentaremos, Senador Magno Malta, esse tema com duas abordagens: uma abordagem de conteúdo e uma abordagem de forma; conteúdo, sobre o tema das drogas, propriamente dito, e forma, sobre a competência do Congresso Nacional para poder legislar sobre a matéria. Sobre a forma, iniciamos com uma provocação e fica uma pergunta: como descriminalizar o consumo se, ao mesmo tempo, a produção e a distribuição das drogas seguem sendo crimes? Vejam a complexidade da matéria, Srs. Senadores. A Constituição de 1988 equipara o tráfico de entorpecentes ao crime hediondo.

    E continuamos perguntando: apenas a quantidade de drogas seria suficiente para determinar a diferenciação entre o usuário e o traficante? E se o traficante começar a comercializar pequenas quantidades de droga dentro do limite do tal "uso pessoal", sobre o qual o STF se dispõe a fixar esse entendimento? É uma pergunta que fica.

    E por fim pergunto: como é que seremos capazes de determinar a diferença entre o usuário e o traficante? Qual dose poderia determinar a diferença entre a vítima e o criminoso? Como proteger a vítima e penalizar o criminoso?

    Ora, se eu estabeleço uma quantidade em que portar a droga seja legal, eu legalizo o usuário. Se eu legalizo o uso e torno factível a figura do usuário, também precisaria legalizar o fornecedor e, neste caso, como se daria o fornecimento? É essa a grande dúvida que fica.

    Se legalizo o uso, quem usa droga ilícita precisará adquirir e vai adquirir de quem? Do crime organizado, vai adquirir do tráfico, estará fortalecendo, financiando e tornando mais robusta uma grande afronta a nossa sociedade. É o alcance que vai além da causa, chega na consequência. E é por isso que é preciso, sim, ter serenidade, ter maturidade para poder definir a abordagem desse tema.

    Vai muito além do caráter simplesmente jurídico da norma. E é por isso que de uma coisa estamos absolutamente convictos: qualquer que venha a ser o entendimento sobre o assunto a resposta precisa ser construída por este Congresso Nacional dentro das suas competências constitucionais, é esse o sentimento que prevalece hoje no Plenário do Senado Federal. E é por isso que, além de ser a nossa competência, é mais do que isso, é a nossa responsabilidade, e não vamos declinar desta responsabilidade perante as expectativas com que a sociedade nos aguarda. (Palmas.)

    Preocupa-me, de forma muito grave, as previsíveis e catastróficas consequências sociais, em especial para as políticas públicas de saúde, de segurança e de proteção da infância e da juventude, como foram abordadas aqui nas falas que me antecederam. Se o entendimento do Judiciário apontar o critério quantitativo para a tipificação do tráfico, nosso país terá que lidar com as consequências de um aumento exponencial do consumo, como aconteceu em diversos países que optaram por essa política de descriminalização. A história está aí para registrar: a primeira consequência é o aumento do consumo.

    Para se ter uma ideia, em Portugal, que adotou essa prática, as recaídas na dependência e as mortes por overdose aumentaram em 45% apenas de 2020 a 2021, conforme dados publicados em jornal de grande circulação no dia 12 de julho deste ano. A insegurança em Portugal também aumentou com repetidos casos de furto, depredações cometidas por dependentes químicos, e a polícia não tem braços suficientes para lidar com tantos crimes derivados do consumo de drogas, e é por isso que é importante posicionar o debate nesse momento.

    Muitas vezes, a gente vê estes argumentos girando por aí: o de que o Estado brasileiro, o poder público brasileiro não teria condições de combater o tráfico. E aí quer dizer que, com a ineficiência, a ineficácia do Estado, praticamente decretadas a sua falência e a sua incapacidade de combater e de fiscalizar, a solução é liberar? A solução é trazer para os jovens, principalmente, uma mensagem de liberdade? Porque podem ter certeza – e essa não é uma questão da geração passada, da minha, da de muitos senhores e senhoras – que, se está liberado, muitas famílias perderão inclusive o argumento de dizer ao seu filho que não pode. (Palmas.)

    Essa é a mensagem que fica posta.

    E aí, iniciando a parte do debate da forma, Senador Girão, recorro à minha formação jurídica, aos bancos de direito da Universidade Federal da Paraíba. Lá, no primeiro período, aprendemos que lei é muito mais do que norma. Lei é fato, valor e norma. E por que lei é fato, valor e norma? Dizia Hans Kelsen: é porque o valor está na sociedade. A sociedade também participa da elaboração da lei. E como é que a sociedade participa da elaboração da lei? É através dos tribunais? Não. É através do Congresso, que tem a competência para representar e ecoar a voz das ruas. (Palmas.)

    É esse o debate que está posto, e ele é maior.

    E o chamamento aqui hoje, a iniciativa do Senador Rodrigo Pacheco, Presidente dessa Casa, em pautar esse debate, através do nosso requerimento, é para que se permita esse diálogo entre as instituições, entre os Poderes da República, para dizer que é preciso preservar essas competências, para que se tenha, no Congresso Nacional, o fórum adequado, para que você possa evoluir, porque não é simplesmente descriminalizar ou não as drogas, mas há toda uma política pública acessória que precisa ser levada em consideração.

    Como foi dito pelo feliz pronunciamento convicto e forte do Presidente Pacheco, no início da sessão, é preciso que se compreenda que não se pode cobrar desta Casa a omissão ou a inércia. Fazemos a autocrítica. Em diversos temas essa Casa pode ter se equivocado – faz parte, é falha. Deixamos de enfrentar alguns temas que são importantes e que levaram muitas vezes à provocação do Judiciário, e o Judiciário teve que se pronunciar. Não é o caso. Esse caso foi enfrentado por essa Casa... (Palmas.)

    ... foi enfrentado por esse Congresso e a voz da sociedade foi posta, porque essa é a beleza da democracia.

    A tripartição dos Poderes... A nossa Constituição, quando estabelece Poder Executivo para governar, Poder Legislativo para legislar e o Poder Judiciário para julgar, reconhece as competências. Por que ela não dá ao Governo o poder de legislar, mesmo o Governo representando a maioria? Em regra, no nosso sistema, quem está sentado na cadeira de Presidente, Senador Magno Malta, é porque teve o apoio da maioria dos brasileiros e é legítimo que governe. Mas com o Congresso Nacional é diferente: ele não tem 51%, ou 52%, ou 55% da população aqui presente. Aqui, estão 100% da sociedade, está quem ganhou e está quem perdeu as eleições. (Palmas.)

    São 100% de todos que estão aqui. Ele é um reflexo, sim. É tão reflexo que, não tenho dúvida, se esta matéria, em vez de ser decidida nos tribunais, for colocada em votação, ali, naquele painel, vai ter um resultado muito parecido do que, hoje, se percebe da sociedade. Serão 70%, 80% contrários ao tema... (Palmas.)

    ... e reconhecendo a legitimidade de quem faz a defesa.

    A beleza da democracia é permitir, sim, os argumentos contrários.

    Temos, muitas vezes, que atravessar esse ambiente da polarização em que a intolerância quanto ao argumento contrário prevalece. Não. Quem defende tem todo o direito de buscar convencer e ser convencido.

    Mas é por isso que o Congresso Nacional é a Casa que, através do voto, deu o direito ao poder público de legislar sobre um tema que, como a gente disse, afeta a vida de todos.

    Já caminhando para a conclusão, quero dizer que nesta democracia imperfeita em que vivemos, é preciso trazer para o Congresso Nacional esta responsabilidade.

    Este ato aqui, neste momento, é dotado de um simbolismo muito forte. Ele é dotado de uma mensagem clara de que o Congresso Nacional ecoa a voz das ruas, de que o Congresso Nacional, mesmo diante das imperfeições da nossa democracia, é o que há de mais legítimo para que possa transmitir o posicionamento sobre um tema que afeta todos.

    As convicções pessoais, nós respeitamos, seja de governantes, seja de juristas, seja de magistrados. A contribuição, inclusive, é bem-vinda. Um posicionamento, seja do STF, seja do STJ, seja de entidades, para tentar subsidiar o Congresso de elementos para que se provoque este debate, é bem-vindo.

    Este debate não será impedido aqui. Este debate não pode ser interditado. Ele deve existir. Mas a decisão tem de caber ao Congresso Nacional.

    Diante desta legitimidade, aqui encerro, com a deferência do Presidente Rodrigo Pacheco de poder dar continuidade, presidindo esta sessão, porque eu trago os meus princípios, trago as minhas raízes, trago a educação que eu recebi, de que é preciso, sim, proteger a infância, proteger a juventude, proteger a família, defender aqueles que estão próximos de nós.

    O meu convencimento é de que o caminho das drogas é uma porta aberta para que outras barbáries possam vir a tomar conta das nossas famílias, da nossa sociedade.

    Nós já temos, hoje, um momento de inversão de valores muito forte.

    Eu sou do tempo – e via isto com meus pais, meus avós, e vocês aqui vão lembrar disto – em que, nas calçadas das nossas casas, eles conversavam até altas horas da noite. Hoje, isso não existe mais, porque, naquele tempo, as calçadas, as ruas eram das famílias, e lugar de bandido era na cadeia. (Palmas.)

    Hoje, tem o inverso. O crime, o tráfico, o crime organizado tomaram conta das ruas. E as pessoas, cada vez mais, se encarceram dentro das suas próprias casas, que estão, cada vez mais, para quem pode, parecidas com uma prisão: é muro alto, é grade, é cadeado, é cerca elétrica, é observação de câmeras, e as pessoas se afastam das ruas para tentar se defender dentro de suas casas.

    E a gente não pode permitir que o Estado reconheça sua falência e sua incapacidade de fiscalizar, apesar da luta diária de autoridades de segurança pública de todas as vertentes que tentam, mas o sentimento de enxugar gelo, com decisões que podem levar abaixo, muitas vezes, o trabalho de combate ao tráfico... Porque a maconha é, muitas vezes, apenas o crime menos ofensivo de algo muito maior.

    Então, encerro aqui meu pronunciamento dizendo que foi uma grande honra, até como um dos mais jovens Senadores desta Casa, poder ter esse olhar sobre o tema, até porque, como já dizia o poeta Victor Hugo, se, nos olhos dos mais experientes, brilha uma luz, nos olhos dos jovens arde uma chama, e a chama é de ver a nossa democracia mais forte, o Congresso Nacional cumprindo o seu papel e representando com força a voz da sociedade brasileira, que rechaça a descriminalização das drogas no Brasil.

    Meu muito obrigado. (Palmas.)

    Convidando os Senadores para fazer uso da palavra, a primeira inscrita... Será por bloco de cinco, e já vou anunciar os cinco primeiros: Senadora Margareth Buzetti, Senador Marcos Rogério, Senador Esperidião Amin, Senador Eduardo Girão e Senador Jorge Seif.

    Aproveito, antes do início da Senadora Margareth, para registrar a presença também de Deputados Federais presentes: Prof. Paulo Fernando, Deputada Silvia, Deputado Sóstenes Cavalcante e Deputada Bia Kicis. (Palmas.)

    Com a palavra a Senadora Margareth.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/08/2023 - Página 29