Pronunciamento de Sergio Moro em 17/08/2023
Interpelação a convidado durante a 107ª Sessão de Debates Temáticos, no Senado Federal
Sessão de Debates Temáticos destinada a debater o tema da descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal.
- Autor
- Sergio Moro (UNIÃO - União Brasil/PR)
- Nome completo: Sergio Fernando Moro
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Interpelação a convidado
- Resumo por assunto
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Direito Penal e Penitenciário:
- Sessão de Debates Temáticos destinada a debater o tema da descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal.
- Publicação
- Publicação no DSF de 18/08/2023 - Página 38
- Assunto
- Jurídico > Direito Penal e Penitenciário
- Indexação
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- CRITICA, LEGALIZAÇÃO, PORTE DE DROGAS, DEPENDENCIA, CRITERIOS, QUANTIDADE, DROGA.
- CRITICA, LEGALIZAÇÃO, PORTE DE DROGAS, CONSUMO, USO PROPRIO, DROGA, MACONHA, MOTIVO, AUMENTO, TRAFICO, ENTORPECENTE, VIOLENCIA.
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Para interpelar convidado.) – Bom dia. Boa tarde. Meio-dia e pouco, e a gente nunca sabe direito aí qual é o cumprimento.
Quero agradecer aos membros aqui da mesa e cumprimentá-los. Tomo a liberdade de, na pessoa do Senador Efraim Filho, que preside, cumprimentar a todos que estão aqui.
Olha, eu fui juiz 22 anos e, embora seja mais conhecido pelo trabalho na Operação Lava Jato, eu tive vários casos envolvendo organizações criminosas dedicadas ao tráfico de drogas, e são extremamente perigosas.
Eu, particularmente, tive um caso que envolvia o grupo criminoso do Fernandinho Beira-Mar, e isso envolveu uma apreensão, em 12 meses, de toneladas de maconha, mais de 500kg de cocaína, crack, armas, todo aquele mundo de violência que ronda o mundo das drogas. Tive processos também envolvendo o Cartel de Juárez, grandes traficantes de drogas.
O que nós sabemos hoje sobre o mercado de drogas é que não existe mais o traficante sozinho, um traficante outsider, um traficante freelancer. Hoje, o fornecimento de drogas faz parte de uma organização, de uma cadeia organizada, e você tem lá no topo os grandes chefes criminais que têm que ser, sim, investigados e punidos e têm que ter a sua propriedade confiscada, mas você tem toda uma cadeia de fornecimento abaixo desses líderes e que vai até à ponta, vai até ao distribuidor varejista na rua. Esse distribuidor varejista na rua, eu não conheço nenhum caso, particularmente, no qual alguém que vá distribuir na rua e vender pequenas quantidades saia lá com 1kg de cocaína, 1kg de maconha ou 1kg de qualquer coisa; normalmente eles saem realmente em pequenas quantidades, porque o risco de ser apanhado com uma grande quantidade de droga é grande.
Então, eles tentam evitar isso, e até o próprio álibi de se colocar como um consumidor e não eventualmente um traficante. Então, o que ele faz? Ele sai com uma pequena quantidade de droga na rua, vende e volta para um local para se reabastecer e continuar essa venda.
Particularmente, eu tenho grandes dúvidas dessa sabedoria, e essa é uma questão que a gente já discutiu lá no Ministério da Justiça, se era possível fixar um patamar "x" de quantidade de droga para diferenciar o consumidor do traficante.
É claro que quando se quer fazer isso, se tem a boa intenção de tentar evitar que o consumidor vá para a prisão, mas será que esse critério objetivo realmente funciona?
Eu me recordo aqui de algo um pouco paralelo, da lavagem de dinheiro, que inicialmente a legislação falava que os bancos tinham que prestar atenção em transações de R$10 mil, de valor igual ou superior a R$10 mil; se tivesse suspeita de lavagem de dinheiro, que se comunicasse ao Coaf. O que os criminosos começaram a fazer? Transações de R$9 mil. Eu cansei de ver, como juiz, processos criminais nos quais chegavam extratos de pessoas envolvidas em tráfico de drogas, e as transações eram de R$9 mil, R$9,5 mil, R$8,9 mil. Nada passava de R$10 mil. Quando você juntava o conjunto, você tinha muitas vezes milhões.
Então, quando se estabelece um parâmetro absoluto: olhe, abaixo de 60g vai ser consumidor, acima pode ser traficante, é um grande risco de as operações serem estruturadas no varejo, no distribuidor pequeno dessa maneira, para evitar responsabilização.
Será que é sábio estabelecer um parâmetro fixo?
(Soa a campainha.)
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar União Cristã/UNIÃO - PR) – Mas o ponto principal é que nós temos muitas controvérsias sobre qual é a melhor maneira de combater as drogas. Alguns defendem um rigor cada vez maior; outros entendem: "Não, nós temos que prevenir com educação." Outros entendem que o rigor não é a melhor saída, que é melhor flexibilizar. Várias pessoas defendem e de maneira legítima o argumento e pensam assim – não são pessoas mal-intencionadas – que talvez o melhor fosse a legalização.
São discussões válidas, porque ninguém tem uma bola de cristal. Se a gente legalizar o comércio de drogas hoje, ninguém sabe o que vai acontecer amanhã, com certeza ninguém sabe. Se a gente aumentar o rigor, a gente espera que isso tenha resultado, mas muitas vezes também isso acaba não acontecendo. Se investir mais em educação, tirar dinheiro da segurança pública...
(Soa a campainha.)
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar União Cristã/UNIÃO - PR) – ... a gente espera um resultado, mas talvez ele não se realize.
São todas discussões legítimas, porque a vida humana é uma experiência. Governar é uma experiência, regular a vida humana é uma experiência. Agora, é por isso – como é uma experiência, como não existe uma ciência exata nas questões humanas –, por isso que essas tentativas e erros, esses erros e acertos devem ser feitos pelos representantes eleitos, pelo Congresso. (Palmas.)
Porque nós cometemos erros, eu cometo erros – espero que cometa mais acertos do que erros. O Senador Efraim, apesar de ser um grande Senador, erra também, o Senador Girão, Magno Malta, Senador Seif...
(Soa a campainha.)
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) – ... Senador Marcos Pontes, que estava ali, todos nós erramos. Mas se nós erramos daqui a quatro anos ou daqui a oito anos nós vamos responder perante a população. Se eu votar pela descriminalização das drogas o meu eleitor, daqui a oito anos, vai ter condições de me substituir, ou àqueles Deputados que assim votarem – a Deputada Bia Kicis, aqui presente, vai ser substituída.
Agora, não é possível fazer isso com o órgão judicial, que tem que ter independência e que tem que ter autonomia. Então, se tem alguém que tem que decidir qual é a estratégia de combate ao tráfico de drogas e ao mundo de drogas e a toda violência que circunda esse mundo de drogas são os representantes eleitos. Nós podemos acertar e nós podemos errar, mas...
(Soa a campainha.)
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) – ... se nós erramos nós somos substituídos, e isso é a virtude da democracia. É isso que conta mais! Eu particularmente, até pela minha experiência como juiz – e depois como Ministro da Justiça – sempre defendi um grande rigor no combate ao tráfico de drogas.
Também não acho sábio prender consumidor, e a gente tem que tentar fazer o melhor trabalho de investigação e policial para não confundir uma coisa ou outra. O consumidor tem que ser objeto, tem que ser destinatário de políticas públicas de recuperação, sejam lá causas terapêuticas ou coisa parecida. (Palmas.)
Agora, essa definição da política pública antidrogas tem que passar pelo Parlamento, é um passo absolutamente necessário, não porque nós somos melhores do que o Supremo Tribunal Federal; não porque nós somos melhores do que o Judiciário, mas nós estamos...
(Soa a campainha.)
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) – ... submetidos ao juízo de censura do eleitor; esse, sim, o verdadeiro soberano, o povo brasileiro.
Então, pedimos aqui: deixem-nos, se for o caso, errar em relação a atuação da política antidrogas. Mas espero que nós tenhamos a sabedoria, e aqui rogo igualmente aos nossos pares, para que nós possamos persistir num caminho que não pode, a meu ver, envolver a liberação das drogas, com todos os males que isso traz para a saúde pública, e que nós possamos combater com afinco a violência que infelizmente acompanha esse tráfico de drogas.
Muito obrigado. (Palmas.)