Pela ordem durante a 128ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Defesa do STF e da descriminalização do porte de drogas.

Autor
Fabiano Contarato (PT - Partido dos Trabalhadores/ES)
Nome completo: Fabiano Contarato
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela ordem
Resumo por assunto
Atuação do Judiciário, Saúde:
  • Defesa do STF e da descriminalização do porte de drogas.
Publicação
Publicação no DSF de 15/09/2023 - Página 15
Assuntos
Outros > Atuação do Estado > Atuação do Judiciário
Política Social > Saúde
Indexação
  • DEFESA, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), DESCRIMINALIZAÇÃO, PORTE DE DROGAS, ENTORPECENTE, DISCRIMINAÇÃO, CLASSE SOCIAL, NEGRO.

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES. Pela ordem.) – Sr. Presidente, eu fico feliz que este Senado tenha a possibilidade de debater sobre esse assunto, mas eu quero aqui fazer uma reflexão aos colegas Parlamentares.

    Muito se discute e se fala em ativismo judicial, mas a gente tem que entender qual é o papel das supremas cortes no mundo. E aqui eu ouso falar que nós representamos o poder majoritário. Nós fomos eleitos num poder majoritário, mas o Supremo Tribunal Federal, as supremas cortes – não é uma prerrogativa só do Brasil; é do mundo – têm três funções. Uma delas é ser contramajoritária, quando ela tem o poder de invalidar leis que ferem a Constituição Federal, a exemplo das ações de declaração de inconstitucionalidade. Ela tem o poder representativo. Quando o Legislativo não legisla a tempo e hora, vem aqui aquele princípio da inafastabilidade jurisdicional, previsto no art. 5º, item 35, que diz que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. E digo mais, as supremas cortes, no mundo, têm um poder iluminista, de empurrar a história para o rumo certo.

    Cito aqui, como exemplo, em 1954, o caso Brown v. Board of Education em que se aboliu, se proibiu, a segregação de crianças, a separação de crianças negras em escolas públicas. Ora, foi uma decisão contramajoritária e foi uma decisão iluminista. Empurrou-se a história para o rumo certo.

    Nós tivemos a Suprema Corte África do Sul, que aboliu a pena de morte em qualquer hipótese. Foi uma decisão iluminista. Empurrou-se a história para o rumo certo.

    Nós tivemos a Suprema Corte de Israel, quando se proibiu a tortura em qualquer hipótese, inclusive nas hipóteses de crimes de terrorismo.

    Aqui, no Brasil, nós tivemos também um avanço de empurrar a história para o rumo certo, Senador Renan, quando o Supremo se debruçou sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Ora, empurrou-se a história para o rumo certo em um comportamento iluminista.

    Agora, eu também quero aqui fazer uma reflexão aos colegas de que não basta colocar simplesmente na Constituição Federal que vai ser crime, porque isso não vai solucionar o problema. O problema vai persistir. Hoje, se uma pessoa for flagrada com substância entorpecente ou de efeito psicoativo que determine dependência, vai ficar ao poder discricionário da autoridade policial estabelecer a tipificação – se vai ser para uso próprio ou se é para tráfico de substância entorpecente.

    Aqui eu não quero fazer nenhuma fala ofensiva, Sr. Presidente, mas eu falo com experiência, não só como professor de direito penal e processo penal, mas como delegado por 27 anos. Esse caráter subjetivo do que vai ser para uso próprio ou para tráfico de entorpecentes vai ter um requisito: a cor da pele. Ele vai ter um requisito: onde esse jovem está sendo abordado. Porque eu já presenciei a polícia apreendendo jovens com 0,5kg de maconha e tipificarem como para uso próprio; agora, eu já presenciei pobres, diuturnamente, sendo flagrados com um cigarro de substância entorpecente – maconha, precisamente, como é o caso dessa decisão do Supremo Tribunal Federal – e tipificarem como para tráfico ilícito de entorpecente.

    Então, nós, Parlamentares, não estamos solucionando o problema. Não estamos solucionando o problema porque só se está mantendo que é crime o porte de substância para uso próprio ou para tráfico ilícito de entorpecente. Ora, isso já está! Isso já é!

    Agora, o problema central aqui é nós buscarmos um mecanismo legislativo para tentar objetivar um comportamento subjetivo. Eu não posso deixar o livre arbítrio para, de acordo com o contexto socioeconômico, você falar que aquele jovem, porque mora num bairro bolsão de pobreza... Porque, aí sim, nós temos violação do Estado. Eu não tenho como. Perdoem-me, meus amigos.

    Como você vai falar... Que democracia nós vivemos? Não existe democracia com desigualdade social. Não existe democracia com educação pública de péssima qualidade, com saúde pública de péssima qualidade, com elevada carga tributária. O Estado, infelizmente... o Estado criminaliza a pobreza, o Estado criminaliza a cor da pele. Nós vamos ver aqui, repetir o que diuturnamente se faz no Brasil, em que você criminaliza a cor da pele...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) – Só para concluir, Sr. Presidente.

    ... você vai pegar um jovem e vai falar que aquele cigarro de maconha é tráfico de entorpecente e você vai pegar jovens em bairros nobres em que não vai ser para tráfico de entorpecente, vai ser para uso próprio. Eu acho que é essa a percepção.

    Não vai resolver, eu volto a falar. Não vai resolver colocar na Constituição que é crime o porte de substância para uso próprio. Agora, o que vai resolver é a gente tentar, com diálogo de fundamentação, com razoabilidade, com responsabilidade, entender como nós podemos tratar e diferenciar de forma, talvez, objetiva, o que é porte de substância entorpecente ou de efeito psicoativo que determine dependência, o que vai tipificar tráfico de entorpecente ou uso próprio – aí sim.

    Agora, essa discussão de, tão somente, colocar na Constituição, para mim, não vai...

(Soa a campainha.)

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) – ... resolver o problema.

    E volto a falar, porque Platão falava, Renan, que a sabedoria está na repetição. Eu vou voltar a falar deste princípio da inafastabilidade jurisdicional, previsto no art. 5º, inciso XXXV: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;"

    Muito obrigado.

    O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - RN. Pela ordem.) – Senador Contarato, um aparte, por favor. (Pausa.)

     Concordo com tudo o que o senhor falou dos abusos que existem, dos desvios de conduta que existiam, anos atrás, e que hoje vão ser evitados com o uso da tecnologia que o senhor conhece, a bodycam, que se coloca na farda do policial e evita-se que o policial haja, arbitrariamente, contra as minorias, contra os negros, contra os pobres. Isso é uma forma de combater a violência...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - RN) – Obrigado, Sr. Presidente.

    Essa é uma forma, Senador Contarato, de evitar. Então, a tecnologia vai auxiliar em tudo isso.

    Na mesma linha de raciocínio do senhor, nesse pensamento, se a gente descriminalizar e der essa oportunidade dessa inofensiva droga – o senhor, como policial, como eu fui, por 16 anos, o senhor como delegado, e eu como policial militar –, a gente conhece e sabe muito bem da índole de um traficante que busca a renda, que busca o comércio, que quer maior consumo.

    Então, existe uma prática, dentro do tráfico de drogas, quando ele corta aquela pedra de crack, para vender por R$10, que mostra, como resultado, a cracolândia, o que fica de resíduo é aquele pó de crack, que ele mistura na maconha, para viciar os jovens e as crianças, com essa droga que é tida como recreativa.

    Levando, no mesmo raciocínio, então...

(Soa a campainha.)

    O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - RN) – ... a gente poderia também legalizar a interceptação, os furtos, os insignificantes furtos de celulares, de bicicletas e de produtos que são trocados por drogas.

    Então, é um tema que, realmente, merece um debate, mas, em relação aos abusos, aos arbítrios, aos desvios de conduta dos policiais que estão na rua, como o senhor narrou, isso aí pode ter, como solução, a tecnologia, que é a bodycam, que está em todo o Brasil e no estado do senhor também.

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) – Perfeito. Eu só queria complementar o Senador, porque eu não estou falando aqui em abuso, não. Eu estou falando que vai se manter o critério subjetivo. Se nós colocarmos, na Constituição, que porte de substância entorpecente ou de qualquer substância que tenha efeito psicoativo que determine dependência é crime, você não está solucionando o comportamento...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) – ... que é a adequação do comportamento humano à norma penal para ser para uso próprio ou para tráfico de ilícito entorpecente.

    Eu não estou falando em abuso de policial. Não estou falando isso! Hoje, se você pegar e flagrar um jovem com determinada quantidade de maconha, vai ficar o poder discricionário da autoridade em tipificar se é tráfico ou se é para uso próprio! Isso faz toda a diferença!

    Então, eu faço aqui essa reflexão. Eu quero falar aqui para os colegas, mais uma vez, não querendo ser ofensivo, mas eu faço aqui um desafio: trace o perfil socioeconômico da população carcerária do país – pobres, pretos e semialfabetizados –, quando os crimes de maior prejuízo são crimes praticados por políticos, crimes contra a ordem tributária, contra o sistema financeiro, de sonegação fiscal, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, concussão, contrabando, descaminho. Por que nós aqui não aprovamos...

(Soa a campainha.)

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) – ... que passe a ser crime hediondo o desvio de programas sociais, como Prouni, Pronatec, ProJovem, Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida, Luz para Todos, Cidades Conectadas, Sisu, Samu? Por que nós não fazemos isso?

    Agora, nós estamos aqui aprovando, Sr. Presidente, aumentando a pena do estelionato para 18 anos de cadeia, aumentando a pena do furto de cabo de energia elétrica. Ora, espera aí! Nós temos que entender que essa desigualdade com a população que está sendo vilipendiada nos seus direitos elementares, que não tem saúde pública de qualidade, não tem educação pública de qualidade, não tem iluminação pública, não tem quadra poliesportiva, não tem acesso a emprego e com elevada carga tributária, nós estamos confirmando aquilo que Lombroso já falava: criminalizando a pobreza.

    Então, só fica aqui a minha reflexão de que botar na Constituição que é crime não vai resolver o problema, porque nós vamos continuar com o comportamento subjetivo entre o que é para uso próprio e o que é para tráfico de entorpecente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/09/2023 - Página 15