Questão de Ordem durante a 145ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Apresentação de Questão de Ordem, com fundamento nos arts. 403, 148, 153, 306 e 404 do Regimento Interno do Senado Federal, § 6º, inciso III e IV do Código de Ética e Decoro Parlamentar do Senado, art. 58, § 3º, da Constituição Federal, acerca da tentativa do Senador Renan Calheiros de instalar Comissão Parlamentar de Inquérito da Braskem.

Autor
Rodrigo Cunha (PODEMOS - Podemos/AL)
Nome completo: Rodrigo Santos Cunha
Casa
Senado Federal
Tipo
Questão de Ordem
Resumo por assunto
Processo Legislativo:
  • Apresentação de Questão de Ordem, com fundamento nos arts. 403, 148, 153, 306 e 404 do Regimento Interno do Senado Federal, § 6º, inciso III e IV do Código de Ética e Decoro Parlamentar do Senado, art. 58, § 3º, da Constituição Federal, acerca da tentativa do Senador Renan Calheiros de instalar Comissão Parlamentar de Inquérito da Braskem.
Publicação
Publicação no DSF de 05/10/2023 - Página 19
Assunto
Jurídico > Processo > Processo Legislativo
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, QUESTÃO DE ORDEM, FUNDAMENTAÇÃO JURIDICA, REGIMENTO INTERNO, SENADO, CODIGO DE ETICA, DECORO PARLAMENTAR, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ASSUNTO, TENTATIVA, SENADOR, RENAN CALHEIROS, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EMPRESA, EXPLORAÇÃO, SAL GEMA, ESTADO DE ALAGOAS (AL).

    O SR. RODRIGO CUNHA (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - AL. Para questão de ordem.) – Sr. Presidente Rodrigo Pacheco, Sras. Senadoras e Senadores, meu boa-tarde.

    Inicialmente aqui eu quero cumprimentar o colega Parlamentar Deputado Fabio Costa, que está aqui presente e que está numa expectativa enorme de ver o seu trabalho de Relator da Lei Orgânica da Polícia Civil ser aprovado.

    E aqui eu já vi o compromisso público do Presidente desta Casa em dar celeridade. Já caminhou pelas Comissões internas. Vai ser marcada logo, logo essa votação. Então, Deputado, parabéns também pelo seu envolvimento. Essa é uma expectativa de anos que é aguardada por toda a Polícia Civil e que, com certeza, vai contar com o nosso apoio.

    Sr. Presidente, eu utilizo a tribuna desta Casa, primeiramente eu quero historiar, para relembrar que no Estado de Alagoas a cidade de Maceió há muitos anos vem sofrendo, inclusive com a mudança em toda a geografia da cidade devido aos afundamentos feitos no solo, a princípio em quatro bairros. E aqui todos lembram que, desde março de 2019, o Senado contribuiu, e contribuiu bastante, quando conseguimos realizar uma audiência pública com mais de 10 horas de duração. Naquele momento, a CPRM, que é o nosso Serviço Geológico do Brasil, apontou como sendo aquele desastre causado pela extração irresponsável de um mineral, a sal-gema, afetando diretamente 60 mil pessoas, afetando dezenas, centenas, milhares de casas, afetando o comércio, afetando a mobilidade da cidade, afetando a autoestima das pessoas.

    E, daquele momento, de 2019 para cá, tivemos alguns avanços. O principal deles foi a responsabilização objetiva da Braskem, que é a empresa que, durante muitos anos, ficou explorando de maneira irresponsável o solo e os minerais. De lá para cá, as pessoas tiveram que sair das suas residências, houve muitos danos psicológicos, algumas indenizações aconteceram, mas ainda muita coisa tem por acontecer. Estamos começando a fase em que o município está sendo ressarcido para diminuir esse dano, mas não para por aí, principalmente com as pessoas que foram afetadas.

    E é com este tema, Sr. Presidente, que eu venho aqui, pedindo até a atenção de V. Exa., para apresentar uma questão de ordem sobre a qual eu estudei bastante. Estou demonstrando aqui um trabalho sério, um trabalho transparente, um trabalho de quem não busca se prevalecer sobre quem mais precisa, do povo sofrido do Estado de Alagoas.

    Então, este pedido, esta demonstração aqui é para que V. Exa. analise esta questão de ordem, que é extremamente importante e afeta, com certeza, também o nosso país e não apenas a cidade de Maceió, os bairros do Pinheiro e do Mutange, o Estado de Alagoas, mas todo o país.

    E este pedido de questão de ordem é fundamentado no art. 403 do Regimento Interno desta Casa. Eu solicito que seja relacionada a interpretação e aplicação dos arts. 148, 153, 306 do Regimento Interno do Senado Federal, bem como o §6º, inciso III e IV do Código de Ética e Decoro Parlamentar desta Casa. E também, em conformidade com o art. 404, eu apresento esta questão de ordem de maneira objetiva. Ela é baseada nos dispositivos regimentais que eu acabei de mencionar – e aqui, com muita tranquilidade, eu falo isso, porque eu sei o que eu estou dizendo; não sou eu, mas o povo de Alagoas – e diz respeito ao caso concreto que consiste na tentativa de o Senador Renan Calheiros de instalar a Comissão Parlamentar de Inquérito da Braskem, que é a empresa responsável pelo afundamento do solo desses bairros em Alagoas.

    Acontece que o Senador Renan Calheiros está intimamente ligado à empresa que pretende supostamente investigar, o que desvirtuaria o objetivo do inquérito legislativo, que passaria a servir de instrumento ao autor principal do requerimento para promover seus interesses pessoais.

    Minha dúvida específica – e este é o levantamento da minha questão de ordem – é se é possível que o Senador, que tem interesse pessoal no fato determinado a ser investigado por Comissão Parlamentar de Inquérito, pode ser autor principal de requerimento de criação de Comissão e ser Presidente, Relator ou até mesmo membro do colegiado ou estaria este Parlamentar, em respeito ao princípio constitucional republicano da indisponibilidade de interesse público, da vedação ao abuso do poder político, dentre outros, impedido de participar e, potencialmente, de influenciar investigação legislativa na qual tenha interesse pessoal privado direto.

    E, aqui, Sr. Presidente, eu venho trazer informação para o Brasil, porque talvez as pessoas não saibam. Vou aqui historiar que, além de todos esses elementos técnicos, objetivos, passo também a relatar os fatos.

    O Senador Renan Calheiros já foi Presidente da Salgema Indústrias Químicas S.A. nos anos de 1993 e 1994, como consta, inclusive, na sua biografia que está no site da Câmara dos Deputados. E essa empresa começou suas atividades em Alagoas em 1976, extraindo sal-gema para produzir dicloroetano na fábrica localizada em Maceió. Em 1996, a Salgema, que já foi presidida pelo Renan Calheiros, passa a se chamar Trikem, a qual, em 2002, se fundiu com outra empresa do setor para formar a Braskem. Ou seja, nós estamos aqui falando de uma situação que eu vou explicar porque vai gerar uma grande dúvida de quem é o investigado e quem é o investigador.

    Atualmente, cerca de 40% de participação da Braskem pertencem à empresa Novonor, que é o novo nome da Odebrecht.

    Além de ter presidido a empresa, de ter sido Presidente, o Senador também é acusado de ter recebido suborno exatamente dessa empresa. Ele é acusado de receber suborno do setor de propinas da Odebrecht para favorecer a empresa em esquemas de corrupção. E aqui, todos sabem, como eu mencionei, que Odebrecht é hoje a Novonor e é a controladora e uma das maiores acionistas da Braskem.

    E outro ponto que prova o que eu estou dizendo dessa dúvida – se é investigado ou investigador, mas que para mim não resta dúvida nenhuma – é a relação pessoal do Senador Renan Calheiros com o objeto da CPI, porque o seu filho, Renan Calheiros Filho, conhecido como Renanzinho em Alagoas, era Governador do Estado enquanto a tragédia ocorria e, enquanto Governador, não atuou para impedir o desastre, nem para diminuir os danos causados à população e ao meio ambiente. Pelo contrário, permitiu a exploração do mineral sal-gema pela empresa Braskem, através dos alvarás de permissão de exploração cedidos pelo Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) durante toda a sua gestão.

    Delineado o caso concreto, passo para os dispositivos regimentais nos quais se funda a presente questão de ordem: o art. 148 do Regimento Interno do Senado Federal, bem como o art. 58, §3º, da Constituição Federal, dispõem que as CPIs terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais no seu mister de promover o inquérito legislativo.

    Por isso mesmo, numa análise sistemática da Constituição Federal, impõe-se que, justamente com os poderes constitucionais especiais da CPI, vêm as correspondentes responsabilidades no uso desses poderes. Dessa maneira, os juízes, os membros de um Ministério Público não poderão, por estar impedidos, exercer a jurisdição ou atuar num processo em que sejam...

(Soa a campainha.)

    O SR. RODRIGO CUNHA (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - AL) – ... diretamente interessados, nos termos do art. 252 do Código de Processo Penal. Na mesma toada, o art. 153 do nosso Regimento Interno dispõe que aplicar-se-ão subsidiariamente as disposições do Código de Processo Penal à atuação das CPIs no âmbito desta Casa.

    Então, Sr. Presidente, neste ponto, não resta nenhuma dúvida de que o Senador Renan Calheiros tem, sim, interesse pessoal privado no fato que a CPI da Braskem pretende investigar. O instituto da CPI é um instrumento constitucional que permite ao Poder Legislativo o exercício da sua função típica de fiscalizar e não pode ser instrumentalizado por Senador para perseguir fins distintos de um interesse público, principalmente quando os interesses perseguidos são claramente egoístas e escusos.

(Soa a campainha.)

(Interrupção do som.)

    O SR. RODRIGO CUNHA (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - AL) – Conclui-se ainda que a latente relação pessoal e profissional do multicitado Parlamentar poderia inclusive gestar insólita situação de confusão entre investigador e investigado, na medida em que o caso concreto relacionado ao requerimento de instalação, a saber, fenômenos geológicos de afundamento do solo por exploração indiscriminada do sal-gema, transcorreu no período em que o Senador Renan Calheiros exerceu o cargo de Presidente da empresa que está sendo investigada.

    Reforça esse entendimento o art. 306 do nosso Regimento, ao determinar que o Senador deve escusar-se de participar de deliberação em assunto em que tenha interesse pessoal, devendo declarar o seu impedimento com essas razões, exigindo que o Senador que tem interesse pessoal em fato investigado por CPI não possa ser autor de requerimento ou participar como membro da referida Comissão.

(Soa a campainha.)

    O SR. RODRIGO CUNHA (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - AL) – Permitir a participação em CPI de Senador nessa situação seria emprestar-lhe, para fins pessoais e alheios ao interesse público, os poderes constitucionais que são dados pela nossa Constituição ao Poder Legislativo para o fim exclusivo de cumprir o seu dever constitucional de representar o povo e fiscalizar os atos contrários aos interesses públicos, o que constituiria claro desvio de finalidade e abuso de poder político.

    Então, diante de todas as situações expostas, Sr. Presidente desta Casa, Senador Rodrigo Pacheco, eu requeiro de V. Exa., em questão de ordem, que seja conhecida e que seja dada uma resposta às dúvidas sobre a interpretação e a aplicação dos dispositivos regimentais que eu mencionei referentes a esse caso concreto.

    Então aqui eu falei a parte técnica. Eu trouxe aqui os elementos que impedem...

    O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) – Para concluir, Senador Rodrigo Cunha.

(Soa a campainha.)

    O SR. RODRIGO CUNHA (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - AL) – Trouxe aqui os elementos regimentais, inclusive constitucionais, que impedem o Senador Renan Calheiros, que já foi Presidente da empresa que hoje é a Braskem, de investigar, porque pode-se até imaginar quais são os interesses. Será que é apagar seus rastros, por onde passou? Será que é proteger o seu filho, que, durante oito anos, concedeu a permissão de exploração?

    Então, essas informações não podem recair sobre o Senado Federal, que já deu uma grande contribuição, que foi a audiência pública que configurou a responsabilidade objetiva da Braskem, que pode, sim, se dar através de uma CPI. A investigação é sempre bem-vinda para clarear, mas não para proteger ou, então, para trazer algum outro benefício escuso, algum outro benefício particular de interesse privado.

    Dessa maneira, Sr. Presidente, solicito a V. Exa. que internalize esse assunto...

(Soa a campainha.)

    O SR. RODRIGO CUNHA (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - AL) – ... para que possamos tratar com transparência esse tema e para que possamos, sim, buscar um interesse social e coletivo, em nome de todos os alagoanos que já sofreram e que não merecem ser explorados com esse tema.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/10/2023 - Página 19