Discurso durante a 158ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o combate à fome no Brasil, destacando a necessidade de ampla cooperação e redução do desperdício de alimentos.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Desenvolvimento Social e Combate à Fome:
  • Considerações sobre o combate à fome no Brasil, destacando a necessidade de ampla cooperação e redução do desperdício de alimentos.
Publicação
Publicação no DSF de 24/10/2023 - Página 28
Assunto
Política Social > Proteção Social > Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Indexação
  • IMPORTANCIA, COOPERAÇÃO, GOVERNO, SETOR PRIVADO, SETOR PUBLICO, COMBATE, FOME, AGRICULTURA FAMILIAR, MELHORIA, PRODUÇÃO AGRICOLA, PRODUTO ALIMENTICIO, ALIMENTOS, COMENTARIO, EFICACIA, ASSISTENCIA SOCIAL, BOLSA FAMILIA, AUMENTO, ATIVIDADE ECONOMICA, REDUÇÃO, MORTALIDADE INFANTIL, MISERIA, POBREZA.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Para discursar.) – Muito obrigado, Presidente Chico Rodrigues.

    Presidente, na última sexta-feira, tivemos aqui no Plenário um debate, uma sessão temática muito, muito importante. Infelizmente, eu não pude estar aqui, estava envolvido já numa outra reunião aqui mesmo em Brasília.

    Esse tema que aqui se debateu foi a questão da fome, combater a tragédia da fome, garantia de alimentação e redução do desperdício de alimentos em nosso país.

    Confesso que estava programada a minha presença e ia fazer esse discurso. Como não pude, devido a essa outra reunião, tive que cancelar, na última hora, mas faço o meu pronunciamento, como se fosse naquele momento, aqui e agora.

    Inicio homenageando. Já falei de V. Exa., mas homenageio o Presidente do Senado Rodrigo Pacheco, que foi quem presidiu, organizou e provocou aquele debate muito, muito positivo.

    Entre as presenças ilustres, cito o Ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, Senador também, e o Ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Ministro Paulo Teixeira. Representantes do Ministério da Agricultura e do Ministério da Pesca estiveram aqui também, como Senadores, Senadoras e Deputados. O ex-Senador Eduardo Suplicy, hoje Vereador em São Paulo, ele que é o autor do projeto que originou a Lei da Renda Básica de Cidadania, voltada ao combate à pobreza e à fome, e que foi a maior bandeira de toda a vida pública do Senador Suplicy.

    O tema debatido é fundamentalmente de direitos humanos, conquistas essas que agradam e que agregam a humanização das ações, o ato sublime das concepções civilizacionais.

    Conduzimos, em 2023, uma série de audiências públicas, na Comissão de Direitos Humanos, a qual presido, com a colaboração inclusive do Instituto DataSenado, com o objetivo de discutir a questão da fome no Brasil. Após esses debates, nas pesquisas de campo produzidas pelo DataSenado, foram revelados dados essenciais.

    Como resultado desse diálogo, está sendo preparada a introdução de um indicador da fome, o Índice de Desenvolvimento, em conjunto com o IBGE, claro, a partir do trabalho do DataSenado, que servirá como uma importante ferramenta do nosso esforço coletivo de todos os brasileiros e brasileiras para o combate à fome no Brasil.

    A fome tem sido uma realidade nas terras brasileiras por séculos, derramando sangue e tristeza, marcando o tempo e a imaginação coletiva com muita tristeza. A resistência, por exemplo, em Canudos, liderada ainda por Antônio Conselheiro, foi motivada pela fome e pela miséria. Em Vidas Secas, de Graciliano Ramos, a narrativa se concentra nas vítimas do sistema patriarcal, pessoas castigadas pelo sol, secas de sede e mortas de fome. A famosa pintura de Cândido Portinari, Os Retirantes, retrata vividamente as consequências da falta de políticas públicas. Carolina Maria de Jesus expressou, de forma comovente, o poder transformador da comida em nossas vidas. A omissão condena indivíduos ao abandono, fortalece a injustiça social e mata corpos e almas. Josué de Castro, em sua obra clássica, Geografia da Fome, analisou as causas da fome no Brasil e destacou que a fome não é acidental, mas resultado de um silêncio planejado, uma das formas mais cruéis de falta de civilidade em nossa sociedade. Ele também defendeu a instituição de um salário mínimo decente como meio de garantir a alimentação das famílias e instou a cooperação global entre nações para combater a miséria, a pobreza e a fome.

    É evidente que a fome no Brasil é um projeto político daqueles que são insensíveis e desumanos. Somos um país rico em recursos naturais, com um potencial agrícola fenomenal, mas, infelizmente, ainda enfrentamos o desafio da fome. O Brasil é um dos maiores produtores de alimento do mundo.

    Penso que é fundamental todos os setores da sociedade, o Governo, o setor privado, trabalharem em conjunto, de forma harmônica, como uma orquestra regida por um bom maestro. O objetivo é tão somente levar felicidade à nossa gente, aos nossos irmãos, oferecer-lhes o bem-viver. Felicidade, dizia Hermann Hesse, é: "Respirar num presente perfeito, cantar no coro das esferas, dançar na ciranda no mundo, rir com o eterno riso [...]", desde que não passe fome.

    Precisamos de uma abordagem por inteiro, cooperativa, para enfrentar esse problema de maneira eficaz: ou resolvemos o problema da fome ou permanecemos alavancando as estatísticas de sofrimento, dor e infelicidade. Sublinho que o combate à fome é uma questão de Estado, de governos; está na Constituição cidadã – eu fui Constituinte, eu estava lá, há 35 anos –; é uma questão de justiça social. Mas o que é justiça social? É uma construção baseada na igualdade de direitos, na solidariedade coletiva, na convergência do estender a mão ao outro. Em termos de crescimento e desenvolvimento, é o cruzamento entre o econômico e o social. Ali, sim, a gente caminha para a estrada das políticas humanitárias. Isso, no meu entendimento, é uma questão política, de decisão, de consciência, de compreensão de que todos somos, como diz o Papa Francisco, moradores de uma única casa.

    A fome atinge milhões de brasileiros. Há alguns anos, no Brasil, saímos do Mapa da Fome, da ONU, mas, infelizmente, para ele voltamos.

    Agora estamos em um processo de união, de reconstrução, de nos reencontrarmos com a nossa brasilidade. É expressamente necessário que a sociedade como um todo se mobilize para garantir que todos – todos – tenham acesso a alimentos, comida na mesa, alimentos de boa qualidade, nutritivos.

    Sr. Presidente Chico Rodrigues, quando falamos em fome, em alimentação, em desperdício de alimentos, não estamos falando apenas de uma tragédia, mas também de um muro muito alto que se levanta ao desenvolvimento sustentável.

    A agricultura familiar tem também um papel vital na produção de alimentos e na economia do nosso país. Pesquisas, estudos, dados, gráficos comprovam isso. O país precisa cada vez mais – e creio que estamos no caminho certo com o Governo do Presidente Lula – apoiar todo o setor da agricultura, seja a pequena empresa, seja a média, seja a grande, fornecendo o acesso a recursos, tecnologia e conhecimento que permita aumentar a produtividade e, ao mesmo tempo, promover práticas de sustentabilidade e respeito ao meio ambiente.

    O Bolsa Família completou 20 anos de existência. Ele foi criado no primeiro Governo do Presidente Lula, em outubro de 2003. É um dos mais significativos programas sociais no Brasil e é reconhecido internacionalmente por seu papel fundamental no combate à fome, à miséria e à pobreza, contribuindo de maneira substancial para a diminuição das desigualdades. Ele desempenha um papel essencial no processo de resgate da dignidade das pessoas.

    Estudos acompanharam 360 mil crianças de 2008 a 2012. Entre os resultados, houve uma redução no déficit de estatura, em média, de 17,5% dessas crianças de 0 a 5 anos, que, até 2008, era menor do que a média das demais. Já em 2012, verificou-se que o índice caiu para a metade entre essas mesmas crianças, já com idades entre 5 e 9 anos.

    Elevou a autoestima dos mais vulneráveis, com destaque para as mulheres negras, que formam a maioria das titulares do programa.

    Um outro estudo mostrou a redução da mortalidade infantil como efeito do programa. A mortalidade infantil causada por diarreia recuou em 46% e a causada por desnutrição, em 58%.

    O Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social fez diversos estudos avaliando a permanência dos filhos dos beneficiários do Bolsa Família. Os dados mostram que 64% dos dependentes de 7 a 16 anos dos beneficiários, em 2005, já estavam deixando o Cadastro Único (CadÚnico) em 2019, quando a faixa de idade dessas pessoas já estava entre 21 e 30 anos. Dos que permaneceram no cadastro, somente 20% recebiam o Bolsa Família no início da vida adulta.

    O acesso à alimentação é, sem dúvida, o maior impacto entre as transformações na vida das pessoas.

    Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2019, mostrou que para cada 1% do PIB aplicado na execução do Bolsa Família, há um aumento de 1,78% na atividade econômica do país.

    Presidente Chico Rodrigues, o desperdício de alimentos é uma questão alarmante em nosso país e também no mundo. É claro que não é de agora. Estudos indicam que um terço de todos os alimentos produzidos no mundo são perdidos ou desperdiçados. Todos os anos, são desperdiçadas 55 milhões de toneladas de comida no nosso país. É evidente que esse problema contribui para a fome e desnutrição de nossas crianças e para problemas, inclusive, ambientais. Temos que ter compreensão, temos que ter consciência, de uma forma mais ampla, de um imenso debate nacional que temos que fazer sobre a importância de reduzir o desperdício de alimentos.

    Alguns setores da sociedade e do Governo fazem a sua parte nesse nível de aumentar a consciência das pessoas: educação alimentar, distribuição justa de recursos e a redução do desperdício. Com certeza, Senador Confúcio, que está aqui no Plenário também, sozinhos não vamos chegar a lugar algum, por isso o trabalho é de todos nós, é coletivo. O horizonte é um esforço de todos nós: governos, nosso povo, nossa gente, sociedade, setor privado. Isso é o óbvio para solucionar problemas nacionais como esse.

    Parabéns ao Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, pela iniciativa da sessão na sexta-feira que passou. Sabemos que o caminho é longo e que estamos fazendo o melhor para levar dignidade a todos os brasileiros. Digo sempre: fizemos muito, mas temos muito, muito ainda por fazer para combater a fome no Brasil e que, oxalá, a gente avance para combater a fome no mundo.

    Era isso, Senador Chico Rodrigues.

    Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/10/2023 - Página 28