Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Pronunciamento de despedida de S. Exa. do cargo de Senador da República.

Autor
Flávio Dino (PSB - Partido Socialista Brasileiro/MA)
Nome completo: Flávio Dino de Castro e Costa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Homenagem:
  • Pronunciamento de despedida de S. Exa. do cargo de Senador da República.
Publicação
Publicação no DSF de 21/02/2024 - Página 31
Assunto
Honorífico > Homenagem
Indexação
  • DESPEDIDA, SENADOR, FLAVIO DINO, INDICAÇÃO, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF).

    O SR. FLÁVIO DINO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - MA. Para discursar.) – Quero, em primeiro lugar, saudar V. Exa., Sr. Presidente, e fico muito feliz de, pela circunstância, fazer com que toda a bancada maranhense no Senado esteja aqui presente: V. Exa. na Presidência; a Senadora Eliziane e a Senadora Ana Paula, que amanhã assume em caráter definitivo.

    Quero saudar o Presidente Rodrigo Pacheco, já presente aqui e que, em breve vai assumir os trabalhos. Quero cumprimentar meus colegas do Senado, meus colegas da Câmara, Congressistas que somos; cumprimentar todas as senhoras e senhores especialmente do Maranhão, do meu estado, e são muitos aqui, líderes políticos, Prefeitos, Deputados, Vice-Prefeitos, Vereadores, líderes de um modo geral.

    Saúdo a presença entre nós do Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ministro Lelio – muito obrigado –, assim como também o Presidente do Superior Tribunal Militar, que aqui está.

    Saúdo também o Ministério Público Federal. O senhor pode, inclusive... O Ministério Público Federal – há procuradores aqui –, todas as senhoras e os senhores.

    E, em nome da minha família, quero cumprimentar a Dani, que ali está, mais uma vez, e sempre, ao meu lado.

    Sr. Presidente, há um poeta, que não é maranhense, mas é muito conhecido chamado Manoel de Barros, e ele fala que o olho vê, a memória revê e nós precisamos, com a imaginação, transver. Esse poeta, Senador Trad, nasceu no seu Estado e foi radicado no Mato Grosso do Sul. Ele é conhecido como o poeta pantaneiro.

    E por que eu começo com essa evocação? Porque nós temos aqui um paradoxo. Eu não vou fazer um discurso sobre os 18 anos, Senador Weverton; não vou fazer um discurso de rever, mas farei um discurso de transver, um discurso voltado ao futuro, voltado a um convite à reflexão coletiva acerca dos rumos do nosso país.

    Transver, na dicção do poeta, significa ver além. E nós sabemos bem que a nossa realidade, os nossos contextos são marcados por múltiplos desafios, e nós precisamos saber e responder como nós vamos superar tais desafios. Eu venho, paradoxalmente, senhoras e senhores, aqui fazer uma profissão de fé na política. No momento exatamente em que dela me despeço, quero reiterar a minha total confiança, a minha total crença de que não há bom caminho para o Brasil fora da política. Nós precisamos de uma política forte, e nós só teremos uma política forte com políticos credenciados a exercer a liderança que o Brasil exige.

    Nós precisamos, Sr. Presidente Rodrigo Pacheco, retomar a ideia de deveres, deveres patrióticos, deveres cívicos. Nós não podemos sucumbir à espetacularização da política. Um bom líder político jamais pode ser um mero artefato midiático submetido à lógica dos algoritmos. Um bom líder político tem que ter causas, causas que definam o seu lugar, porque se ele for um mero artefato midiático, se ele for submetido exclusivamente à lógica das redes, é claro que ele não estará exercendo o papel de liderança necessário à construção do futuro.

    Nós precisamos ter causas para termos identidade. E me parece, senhoras e senhores, nesta hora derradeira em que aqui estou nesta tribuna, que nós precisamos iluminar as causas primaciais para encontrar os caminhos necessários ao Brasil.

    Não me parece que a política brasileira, Presidente Pacheco, possa contornar o tema das desigualdades sociais. Nós temos uma tendência, posta na conjuntura, em que uma parte do Brasil vive no século XXI e a outra parte do Brasil vive no século XIX.

    Eu não consigo conceber a política sem tratar das mudanças climáticas, porque os fenômenos climáticos extremos se multiplicam nas nossas esquinas, nas nossas cidades.

    E menciono também, à guisa de exemplo do que chamo de "causas definidoras do lugar da política", o tema da tecnologia, da internet, da inteligência artificial. Nós estamos numa conjuntura em que, de modo contrautópico, pessoas podem sobrar. Nós estamos numa conjuntura em que ferramentas podem não apenas apertar parafusos, mas máquinas, ferramentas podem fazer leis, podem fazer sentenças, podem fazer petições, podem escrever matérias jornalísticas, podem escrever poesia, podem compor romances, podem substituir os grandes artistas da alma brasileira. E chamo isso de contrautopia, porque isso significará a negação do papel fundamental do homem, da mulher na construção do seu próprio destino.

    Esses temas e outros tantos demandam soluções, e essas soluções não virão por geração espontânea. E é por isto que faço hoje essa profissão de fé na política: só é possível consertar concertando. Só é possível consertar, com "s", concertando, com "c". Só é possível encontrar caminhos, Sr. Vice-Presidente Veneziano, se, e somente se, a política cumprir o seu papel insubstituível.

    Nós vemos, infelizmente, senhoras e senhores, uma tendência em larga medida ao esvaziamento da política em nível global. Nós estamos vendo a crise do sistema ONU, a sua baixa eficácia, a sua baixa operabilidade no enfrentamento das conjunturas que levam à multiplicação de tragédias humanitárias e de conflitos bélicos. Nós estamos vendo também, no âmbito interno de cada país, transferências de processos decisórios da política para outros espaços de poder; e aqui me refiro a um tema muito especial, um tema nodal, eu diria, repetido tantas e tantas vezes nesta tribuna, chamado de judicialização da política.

    Amigos, amigas, eu estou indo para outra arena pública, para outro espaço de atuação, mas nunca esqueçamos: a lógica do equilíbrio funcional entre os três Poderes depende da atuação concertada e do que se passa em cada um deles, não de per si, não de modo isolado, mas, sim, num equilíbrio dinâmico que seja objeto de constante ajustamento e diálogo.

    Vejam: quem são os maiores proponentes de ações diretas de inconstitucionalidade? São os partidos políticos, que levam ao Supremo – como se fosse uma terceira Casa Legislativa – temas que foram deliberados no Parlamento. E isso está se dando desde 1989, não é de agora. Portanto, quando o Supremo Tribunal Federal decide uma demanda proposta por um partido, ele está cumprindo um dever de responder uma demanda vinda exatamente da política. E é, portanto, fundamental que nós consigamos enxergar que essa transferência de decisões para outros âmbitos não se dá por uma apropriação unilateral deles e, sim, muitas vezes, em razão de fenômenos mais amplos.

    Vejam, senhoras e senhores, a suposta dualidade entre saber técnico e saber político. Quantas e quantas vezes o Congresso Nacional erigiu esferas de poder como supostamente superiores por serem apolíticas?! E, por isso mesmo, fizeram, na prática de tais decisões, uma hierarquia entre saber técnico e saber político. Nós precisamos, senhoras e senhores, creio eu, como cidadãos, cidadãs, valorizar sempre a soberania popular. Claro, o saber técnico é essencial para a definição das políticas públicas, mas ele não nega, ele não exclui e ele não pode estar no escalão superior ao saber inerente da atividade política.

    Eu sempre me perguntei nestes 18 anos, Sras. Senadoras e Senadores: afinal, o político é especialista em quê? O político é um técnico em quê? E cheguei à conclusão, nesta hora, depois de todos os mandatos exercidos, de que o político é essencial, porque ele é o técnico especialista em democracia. Ele pode até ser um mau político – infelizmente, os há, como há em toda profissão –, mas ele tem que se submeter ao escrutínio popular, ele tem que visitar os bairros das cidades e das comunidades, ele tem que fazer campanha eleitoral. E, ao passar por esse crivo sagrado da democracia, é claro que ele deve ser reconhecido como um ator essencial no arbitramento dos direitos e das políticas públicas.

    É preciso, contudo, ao reconhecer essa centralidade da política, estar à altura do desafio. E eu, caminhando para o final deste pronunciamento de despedida, digo a todos os meus concidadãos e concidadãs e a todos os brasileiros e brasileiras que eu procurei sempre estar à altura desses desafios.

    Em primeiro lugar, é tendo coragem, coragem para me posicionar nas horas, inclusive, de dificuldade. E, às vezes, isso não é adequadamente compreendido no momento em que há essa mudança de papel. Evidentemente, o líder político é protagonista. O líder político tem nitidez, tem não só o direito como tem o dever de ser protagonista dos debates públicos na sociedade. E para isso é preciso ter coragem. E eu tenho muita alegria de, nesta tribuna, dizer que, errando ou acertando, como todo mundo erra e acerta, sempre tive posições claras.

    Em segundo lugar, é preciso ter humildade. O exercício da política demanda humildade para lidar com a controvérsia, para lidar com quem pensa diferente e para entender que o seu poder é, de modo inevitável, transitório e submetido à sua excelência o eleitor, a eleitora.

    E, finalmente, é preciso ter coração. Na política, para ser feita com valores, é preciso ter coragem, é preciso ter humildade e é preciso ter sentimento, sentimento, inclusive, para, na hora mais difícil, entender que o dinheiro público não é para você se servir, é para servir ao outro, tal como Jesus Cristo, que se ajoelhou aos pés dos apóstolos para lavá-los.

    Senhoras e senhores, eu encerro este capítulo da minha vida, encerro o capítulo da política partidária com tranquilidade, com serenidade, Presidente, com muita gratidão, mas, claro, com uma nota de lamento na medida em que sei bem a centralidade da política, como estou demonstrando mais uma vez e sempre, ao falar do futuro da nossa pátria, no qual tem um papel nodal a política como formatadora de projetos emancipatórios e de melhoria da qualidade de vida da população.

    Fiz questão desta profissão de fé para dizer às senhoras e aos senhores que, no Supremo Tribunal Federal, onde estarei nas próximas 48 horas, terei coerência, coerência com esta visão que aqui manifesto. E as senhoras e os senhores, a começar de V. Exa., ilustre Presidente, e dos Líderes, podem ter certeza da minha mais absoluta deferência aos poderes políticos do Estado, com essa deferência se manifestando, inclusive e sobretudo, pela capacidade de ouvir, de promover o bom diálogo institucional, para que nós possamos encontrar o modo pelo qual a harmonia entre os Poderes vai se concretizar.

    Esperem de mim imparcialidade e isenção. Esperem de mim fiel cumprimento à Constituição e à lei. Nunca esperem de mim prevaricação. Nunca esperem de mim não cumprir os meus deveres legais, mas sempre com lhaneza no trato, com capacidade de compreender o outro, porque um bom juiz fala muito pouco e ouve muito.

    Eu quero, Sr. Presidente Rodrigo Pacheco, reiterar três compromissos fundamentais aqui: agir no Supremo com respeito à presunção da constitucionalidade das leis, agir no Supremo com respeito à presunção da legalidade dos atos administrativos e agir no Supremo de modo consentâneo com o princípio da presunção de inocência. São três pilares axiológicos fundamentais que estou aqui reiterando perante a nação brasileira por esta Casa representativa, para que possa consignar, mais uma vez e sempre, o meu agradecimento ao Senado Federal pela aprovação, para poder, daqui a 48 horas, assumir o Supremo Tribunal Federal.

    Eu agradeço, especialmente, Sr. Presidente, a V. Exa., Presidente Rodrigo Pacheco, sem dúvida, um dos homens públicos mais qualificados do nosso país. Eu tive a honra de, com brevidade, servir à nossa nação sob a sua Presidência. V. Exa. honra as melhores tradições de Minas Gerais. V. Exa. é um orgulho do seu estado e V. Exa. é um político fundamental para o Brasil. Já lhe disse isso em várias ocasiões. Conheci-o por intermédio do Deputado Rubens Júnior, nosso amigo em comum, e tudo quanto ele disse há alguns anos eu pude experimentar sob a Presidência de V. Exa.

    Desejo boa sorte e proteção de Deus a todos e todas. Desejo perseverança. O bem sempre vence o mal. A luz sempre vence as trevas, ainda que assim não pareça.

    Eu quero saudar a chegada do Ministro André Fufuca, que integra a bancada do Maranhão e é hoje o Ministro do Esporte, assim como saúdo o Ministro Celso Sabino, Ministro do Turismo.

    Eu finalizo com uma mensagem ao Maranhão, o estado que tudo me deu: me deu família, meu deu filhos, me deu amigos, me deu sabedoria, me deu estudo, me deu conhecimento, me deu experiência e me deu milhões de votos, milhões de votos. Em todas as eleições que eu tive a honra de disputar, o povo do Maranhão nunca faltou. Sucessivamente, eu fui Deputado Federal, duas vezes Governador, eleito e reeleito em primeiro turno, e Senador da República. Somando, a estas alturas, imagino que sejam mais de 5 milhões, 6 milhões de votos obtidos em várias eleições.

    Por isso mesmo, eu não posso deixar de abraçar, mais uma vez e sempre, o meu estado, lembrando o nosso poeta maior, um dos maiores do Brasil. Este poema dele está na minha cabeça há vários meses, desde que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva formulou a indicação para eu ser apreciado pelo Senado. Não sei exatamente por quê, mas a Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, sempre esteve presente, de novembro até este momento, talvez porque seja uma canção de saudade. Sobretudo neste momento, aqui nesta tribuna, olhando todas as senhoras e os senhores, é claro que o sentimento principal que eu tenho é de muita saudade. Não sei se Deus me dará oportunidade de estar novamente na tribuna do Parlamento, no Senado ou na Câmara. Eu tenho me animado muito acompanhando a eleição dos Estados Unidos, porque os dois contendores têm cerca de 80 anos. Então, quem sabe, após a aposentadoria, em algum momento, se Deus me der vida e saúde, eu possa aqui estar. E desejo que todas as senhoras e os senhores estejam do mesmo modo, ainda que alguns tenham uma certa impossibilidade aritmética, mas eu desejo que Deus seja generoso para que, quem sabe, esteja presente aqui alguém que compartilhará desse momento, daqui a algumas décadas. Não sei se o povo do Maranhão me dará essa oportunidade e, por isso, considero que é a última vez, que, portanto, tem essa nota de lamento, essa nota de exílio que Gonçalves Dias imprimiu ao dizer: "Minha terra [a terra dele, a minha terra] tem palmeiras onde canta o sabiá". Portanto, olhando desta tribuna, olhando esses 18 anos, olhando o Maranhão, olhando o Brasil, eu tenho esta imagem na cabeça: a imagem das palmeiras de babaçu do Maranhão, do canto dos pássaros do Maranhão.

    E faço, pela derradeira vez, uma invocação, que acho essencial que um juiz faça, porque o juiz, fazendo essa invocação, é uma prova cabal de crença na democracia. Max Weber diz que ser político é como bater com um prego em tábuas duras. E ele diz que a experiência histórica confirma, que a experiência histórica ensina que só é possível, só se consegue alcançar conquistas, só se consegue alcançar o possível sonhando com o impossível. A política é o lugar desse trânsito em que o impossível se torna tangível, em que o improvável acontece.

    Por isso, eu quero lhes dizer, com muito respeito, que vai aqui uma nota de inveja: eu invejo as senhoras e os senhores que permanecerão na política. É uma vida cheia de intempéries, cheia de aventuras, cheia de peripécias, cheia de incompreensões, às vezes, mas é uma vida marcada por sonhos, pela esperança, pelo desejo de perfurar aquela tábua dura, que é o material inerente à realidade, mas, ao conseguirmos, fazemos com que a história se movimente e, no nosso caso, se movimente na direção do cumprimento da Constituição.

    Sr. Presidente, esta é a tribuna mais alta que um político pode almejar. E, do alto da tribuna do Congresso Nacional, do alto da tribuna do Senado, eu me coloco, mais uma vez e sempre, como um servidor da população – 35 anos de serviço público. E nunca estar no alto significou para mim estar longe. Nunca estar no alto de uma tribuna como esta significou privilégio, significou ânsia de poder, significou negação do direito do outro.

    Eu agradeço: agradeço a todos e todas pela gentileza da presença, agradeço a todos que colaboraram comigo e agradeço também aos meus adversários. Eu não seria o que sou sem ter enfrentado tantos adversários. Que se considerem todos eles também integrantes do meu patrimônio de gratidão.

    Eu estarei sempre à disposição da nossa pátria, à disposição do Senado.

    Boa sorte às senhoras e aos senhores.

    Viva a política! Viva o Senado! (Palmas.)

    A SRA. ELIZIANE GAMA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MA) – Presidente... (Palmas.)

    O SR. FLÁVIO DINO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - MA. Fora do microfone.) – Obrigado, pessoal.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/02/2024 - Página 31