Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Denúncia contra a atuação da ONG Fundação Amazônia Sustentável (FAS) por suposta exploração do trabalho de famílias ribeirinhas no manejo de pirarucu na região amazônica.

Autor
Plínio Valério (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Francisco Plínio Valério Tomaz
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Meio Ambiente, Terceiro Setor, Parcerias Público-Privadas e Desestatização, Trabalho e Emprego:
  • Denúncia contra a atuação da ONG Fundação Amazônia Sustentável (FAS) por suposta exploração do trabalho de famílias ribeirinhas no manejo de pirarucu na região amazônica.
Publicação
Publicação no DSF de 28/02/2024 - Página 24
Assuntos
Meio Ambiente
Administração Pública > Terceiro Setor, Parcerias Público-Privadas e Desestatização
Política Social > Trabalho e Emprego
Indexação
  • DENUNCIA, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), EXPLORAÇÃO, TRABALHO ESCRAVO, COMUNIDADE RIBEIRINHA, MANEJO ECOLOGICO, PEIXE, REGIÃO AMAZONICA, COMENTARIO, TRABALHO, CPI das ONGs (CPIONGS), REGISTRO, BALANÇO PATRIMONIAL, FUNDAÇÃO.

    O SR. PLÍNIO VALÉRIO (Bloco Parlamentar Democracia/PSDB - AM. Para discursar.) – Sras. Senadoras, Srs. Senadores, quem já me ouviu falar pelo menos algumas vezes sabe que eu insisto sempre no tema da Amazônia, de exploração, eu insisto sempre no tema da hipocrisia que permeia o tema Amazônia no mundo e no Brasil. Olha só, outro dia eu me deparei, nos telejornais do Amazonas e em notícias de jornais, com a seguinte manchete: o manejo do pirarucu alcançou a cifra, o valor de R$158 mil no ano de 2023. Aí quem vê isso fala: "Caramba, o negócio dá certo!". Mas a gente teve a preocupação, por saber que isso é só fantasia, de pesquisar e ver. Portanto, vou ler parte do meu discurso.

    Com pompa e circunstância, os responsáveis por um autodenominado clube de comercialização por assinatura de pirarucu de manejo sustentável do Amazonas comemoraram o resultado de seu primeiro ano de existência. O projeto foi batizado como Piraruclub. Para quem não sabe, o pirarucu é o peixe de água doce mais nobre que existe, e, na Amazônia, é o primeiro também. De acordo com os patrocinadores, alcançou a marca de R$158 mil em faturamento. Quem lançou e administra a iniciativa é a Fundação Amazônia Sustentável, muito citada na CPI das ONGs. Meu amigo Jaime, que participou da CPI das ONGs, Senador Jaime, que está aqui presente... É essa ONG, Jaime, que patrocina e deve ganhar horrores para ensinar o caboclo a manejar o pirarucu.

    A FAS, muito citada na CPI das ONGs, utilizou nesse trabalho a mão de obra das comunidades da Reserva Sustentável de Mamirauá. De acordo com a FAS, o tal Piraruclub conseguiu a venda de 4,4 toneladas do pescado, o que, mais uma vez segundo a própria ONG, teria beneficiado 110 famílias ribeirinhas, por ela chamada de "manejadoras", no Estado do Amazonas.

    Só para lembrar, em 31 de dezembro de 2022, a FAS (Fundação Amazônia Sustentável) contava com 135 funcionários e 19 estagiários. Seu Balanço Patrimonial em 31 de dezembro de 2022, indica que a FAS tinha R$55,217 milhões em investimentos financeiros (títulos e valores mobiliários). Em 2021, eram R$62 milhões e pouco nessa rubrica contábil. Seu controlador admitiu, perante a CPI, que, desde a fundação, arrecadou centenas de milhões – admitiu R$410 milhões. Ou seja, é uma entidade rica, por qualquer padrão que se adote nessa avaliação.

    Portanto, seria de se esperar que, dada a elevadíssima rentabilidade dessa ONG e de seus empreendimentos, uma iniciativa bem-sucedida como seria o tal Piraruclub seria altamente benéfica para os moradores da região que se envolveram nesse projeto. Afinal de contas, é o trabalho deles que sustenta todo esse processo, toda essa enganação.

    Então, vamos fazer contas. E nós fizemos. Façamos as contas.

    Os textos citados pelos coordenadores da iniciativa apontam, como grande mérito, o faturamento de R$158 mil em 12 meses, que foi o ano de 2023. As beneficiadas, para usar os termos usados pelos próprios, seriam 110 famílias. Dividindo R$158 mil por 110 famílias, chegaremos à renda de R$1.436,36 por família durante o ano. Se a gente pegar esse valor por 12 meses, teremos uma renda de R$119,69 por família ao mês.

    Portanto, a família dos manejadores lucrou com o Piraruclub – a FAS ganha muito dinheiro para promover isso –, no ano, R$119. Uma família, R$119 por ano, daquela enganação dos R$158 mil que eu falei no começo.

    Mas vamos supor que cada família seja composta por quatro integrantes, o que é pouco na cultura da nossa região. Feita essa última operação, chega-se à conclusão de que a renda mensal de cada uma das pessoas envolvidas, uma vez mais, a mão de obra que sustenta o projeto, ficará em torno de R$29/mês!

    Então, cada pessoa envolvida nesse manejo ganhou, por mês, R$29, o que é equivalente, mais ou menos, a 1kg do pirarucu, que eles criaram, manejaram, mataram e venderam para a FAS.

    Senadoras, Srs. Senadores, seria o mesmo caso de comemorarmos como êxito um empreendimento que remunera cada um de seus trabalhadores com R$29 mensais. Dá para comemorar esse tipo de coisa? Essa é a renda da chamada "bioeconomia", cantada em prosa e verso pelas ONGs que tanto nós combatemos na CPI que acabamos de realizar, há pouco tempo.

    Em verdade, estamos criando uma economia que faz de conta. É preciso encarar isso com realidade, de frente. Ao contrário, vamos continuar fabricando, por intermédio da tal bioeconomia, fome e miséria no Amazonas.

    O Amazonas é o estado mais rico do Brasil, porque é o maior e é o maior em tudo. Nós temos, hoje, no Amazonas, 56% da nossa população vivendo abaixo da linha da pobreza, ou seja, com menos de R$11 por dia.

    A cada dia, as coisas pioram ainda mais, meu Presidente Vital. Cada dia, mais as coisas se avolumam.

    Enquanto a gente tiver esse tipo de gente, esse tipo de aproveitador, esse tipo de vendedor de ilusão, como é a Fundação Amazônia Sustentável, nós vamos estar sempre trabalhando, escravizando os nossos ribeirinhos, porque eles chegam lá com fantasias. Eles chegam lá com a conversa de que vão libertar para ter renda, para ter sustento. E, na verdade, é isto aí: R$158 mil; 4,4 toneladas de pirarucu renderam a cada família que participa disso, do manejo, R$119 por família, meu Presidente.

    Sabem por que eu digo isso, você brasileiro, você brasileira que está assistindo? Para que você tenha um pouco do conhecimento daquilo que se passa na Amazônia, do quanto nós somos explorados, usados, utilizados como matéria-prima para que essa gente enriqueça e viva de forma nababesca.

    Paralelamente a isso, eu pesquisei na internet a venda da... Não estou dizendo que essa pele do pirarucu veio do Mamirauá, só estou dizendo que uma bolsa feita de pele de pirarucu custa R$1,4 mil, o sapato vai a R$1,5 mil. Eu não sei quem está aproveitando – e preciso de informações – dessa pele, para onde a pele está indo, porque eles falam da venda da carne. Da venda da carne do pirarucu, os nossos irmãos ribeirinhos e as nossas irmãs continuam e continuarão a depender dessa gente, na pobreza.

    Por isso é importante, muito importante, a gente estar aqui sempre batendo na mesma tecla, sim, na mesma tecla, a gente tem que cantar a mesma música.

    Enquanto você – e eu aponto sempre para você brasileiro e para você brasileira – não entender que a Amazônia é diferente, que a Amazônia é diferenciada, que a Amazônia não é isso que se apregoa, isso vai muito mais além, a realidade é outra. Vejam que aqueles cientistas acabam de descobrir e de pregar no mundo inteiro que, se asfaltar a BR-319, o vírus e os fungos tomarão conta da Amazônia e novas epidemias surgirão mundo afora. Então, é preciso, meu amigo Girão, que essa hipocrisia, meu amigo Oriovisto, a gente fique mostrando de forma clara, mostrando aqui que eles a utilizam, que a hipocrisia permeia, ronda e domina, e, por isso, sempre terão a mim.

    Eu agradeço todos os dias pela manhã e todas as noites quando vou dormir por Deus ter concedido esta benção de poder estar aqui para dizer...

(Soa a campainha.)

    O SR. PLÍNIO VALÉRIO (Bloco Parlamentar Democracia/PSDB - AM) – ... a verdade, estar aqui para mostrar a verdade.

    Nós temos petróleo, nós temos gás, temos diamante, temos nióbio, terras-raras, todo o minério que você possa imaginar e não podemos explorar. Aí vem um espertalhão, consegue no Fundo Amazônia dinheiro, R$15 milhões, R$10 milhões, para fazer um projeto dessa natureza, Oriovisto, que vai render R$119 por mês para uma família que vai lá cuidar do pirarucu, que vai manejar, que vai tratar, e eles compram e revendem. É pura vergonha, é cinismo puro! Daí eu estar aqui sempre batendo na mesma tecla.

    Não sou de uma nota só, adoro todo tipo de música e dançar qualquer música, mas enquanto não houver um sentimento, um conhecimento do Brasil de que nós, na Amazônia, somos explorados, a gente vai continuar aqui sempre a gritar e a protestar.

    Obrigado, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/02/2024 - Página 24