Discurso durante a 16ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Destaque para o Projeto de Lei no. 10/2024, de autoria de S.Exa., que altera o Código de Processo Penal para elencar circunstâncias que recomendam a conversão da prisão em flagrante em preventiva na audiência de custódia.

Considerações sobre a retomada do julgamento pelo STF da descriminalização do porte de drogas para uso pessoal e defesa da prerrogativa constitucional do Parlamento para legislar sobre a matéria.

Autor
Sergio Moro (UNIÃO - União Brasil/PR)
Nome completo: Sergio Fernando Moro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Processo Penal:
  • Destaque para o Projeto de Lei no. 10/2024, de autoria de S.Exa., que altera o Código de Processo Penal para elencar circunstâncias que recomendam a conversão da prisão em flagrante em preventiva na audiência de custódia.
Atuação do Congresso Nacional, Atuação do Judiciário:
  • Considerações sobre a retomada do julgamento pelo STF da descriminalização do porte de drogas para uso pessoal e defesa da prerrogativa constitucional do Parlamento para legislar sobre a matéria.
Publicação
Publicação no DSF de 08/03/2024 - Página 10
Assuntos
Jurídico > Processo > Processo Penal
Outros > Atuação do Estado > Atuação do Congresso Nacional
Outros > Atuação do Estado > Atuação do Judiciário
Matérias referenciadas
Indexação
  • DISCURSO, PROJETO DE LEI, ALTERAÇÃO, CODIGO DE PROCESSO PENAL, RELAÇÃO, CIRCUNSTANCIAS, RECOMENDAÇÃO, CONVERSÃO, PRISÃO EM FLAGRANTE, PRISÃO PREVENTIVA, AUDIENCIA, CUSTODIA.
  • ANALISE, DISCUSSÃO, AMBITO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), QUANTIDADE, DROGA, CARACTERIZAÇÃO, PORTE DE DROGAS, DISCRIMINAÇÃO, USUARIO, TRAFICANTE, DEFESA, COMPETENCIA LEGISLATIVA, APROVAÇÃO, LEGISLAÇÃO PENAL, CRITERIOS, DEFINIÇÃO JURIDICA, AUTORIZAÇÃO.

    O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Para discursar.) – Srs. Senadores, Sras. Senadoras, Presidente Rodrigo Pacheco, eu quero destacar aqui o papel que o Senado tem desempenhado no tema da segurança pública.

    Recentemente, a Comissão de Segurança do Senado aprovou o projeto de lei que dá fim às saidinhas nos feriados e, igualmente, reintroduz o exame criminológico como critério para progressão de regime; ou seja, o criminoso condenado que cumpre pena passa a progredir não só com base no tempo de pena cumprido e no bom comportamento, mas também com a verificação de se ele realmente tem condições de avançar no novo estágio de cumprimento de pena.

    Dada a sensibilidade aqui do Presidente do Senado, nós votamos com urgência esse projeto, e hoje ele se encontra na Câmara com perspectivas de ser votado rapidamente.

    Avançamos numa discussão importante nesta semana na Comissão de Segurança, num projeto da minha autoria e da relatoria do ilustre Senador Hamilton Mourão, que diz respeito às audiências de custódia.

    As audiências de custódia foram criadas no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, e elas visam permitir um contato direto entre o preso em flagrante e o juiz, para que o juiz possa ali deliberar se o preso em flagrante deve continuar preso ou ser colocado em liberdade. As estatísticas do CNJ revelam que cerca de 45% dos presos em flagrante têm sido colocados em liberdade.

    O projeto não visa acabar com a audiência de custódia, não é esse o objetivo. O contato do juiz com o preso não é um problema em si, mas nós precisamos ter ali uma sintonia fina.

    Quando eu elaborei esse projeto, eu fiz uma pesquisa, e nós encontramos espalhados em território nacional situações esdrúxulas: presos muitas vezes perigosos, responsáveis, às vezes, até por crimes sexuais sendo colocados em liberdade; presos em flagrante também portando armamento pesado, como fuzil, em circunstâncias que apontam serem membros do crime organizado, sendo colocados em liberdade; e mesmo, às vezes, infratores responsáveis por pequenos crimes, mas responsáveis reiteradamente por infrações penais, casos de pessoas envolvidas em múltiplos furtos, em situações até paradoxais de que alguém é libertado numa audiência de custódia e, em seguida, é preso novamente em flagrante por um novo crime no mesmo dia ou no dia seguinte.

    Então, as audiências de custódia estão precisando de um ajuste fino. A Comissão de Segurança deu um primeiro passo nesta semana quando o Senador Hamilton Mourão leu o seu relatório sobre o projeto. Essa análise está postergada, mas acredito que em breve nós poderemos nos debruçar sobre esse tema na Comissão de Segurança e, em seguida, na CCJ, onde também deveremos discutir outros projetos de igual natureza.

    Nessa mesma linha, ontem, assistimos ao julgamento, à continuidade do julgamento, no Supremo Tribunal Federal, sobre o porte de drogas para fins de consumo ou para fins de tráfico. Há um aparente recuo – e aqui nós ainda precisamos aguardar a finalização do julgamento – quanto a uma ideia inicial que se tinha de descriminalização do porte da droga para consumo próprio. Sei que muita gente pensa dessa forma – que não deveria ser criminalizado o consumo de drogas –, mas, como tem sido colocado de uma maneira incisiva aqui, no Senado Federal, esse é um tema do Parlamento, cabe ao Congresso decidir.

    Hoje, nós temos o art. 28 da Lei Antidrogas, e foi uma decisão do Congresso Nacional à época não descriminalizar, apenas houve uma espécie de... Não é despenalização, mas um tratamento muito claro e distinto entre o traficante e o usuário. O usuário hoje não fica sujeito à imposição de uma sanção de pena privativa de liberdade; ele é submetido à pena de prestação de serviço ou de tratamento ou a medidas dessa espécie. E creio que haja um certo consenso de que de fato não se justifica o encarceramento do usuário de drogas, atribuindo-se, portanto, um tratamento distinto em relação ao traficante.

    Conversando com pessoas representantes das forças policiais, não creio que haja um foco da polícia brasileira, seja polícia militar, seja guarda municipal, de persecução e de investigação sobre usuários, até porque o resultado desse tipo de atuação policial é extremamente modesto. Então, não vejo a polícia preocupada em prender, em perseguir, em levar para a delegacia usuários de drogas, com o que não creio que seja um problema que deve ser enfrentado pelas cortes de Justiça uma penalização excessiva dos usuários de drogas. Não me parece que essa seja a questão.

    De todo modo, caso se entenda pela descriminalização do porte ou da posse de drogas para fim de consumo próprio, essa tem que ser uma decisão do Parlamento, não porque sejamos melhores do que os Ministros do Supremo, não porque o Parlamentar seja melhor ou pior do que o magistrado, mas porque nós ficamos sujeitos à aprovação ou reprovação periódica nas eleições. Essa decisão, no fundo, pertence à população, e nós refletimos essas aspirações da população. Acertamos muito, erramos também, mas, quando nós erramos e aprovamos leis que não são conformes ao que deseja a maioria da população, a população pelo menos tem a condição de nos substituir.

    Ontem, vendo os votos que foram proferidos, votos bastante cautelosos, há outra discussão no Supremo que diz respeito à definição do montante de droga para distinguir entre traficante e usuário. O que nós percebemos ali dos Ministros do Supremo que estão tentando avançar nessa tese é uma grande divergência mesmo entre eles. Mesmo entre eles não existe um critério muito claro do que seria o montante mais apropriado. Alguns falam em 60g, outros falaram ontem em 10g, uma quantidade bem menor. Outros Ministros, como o Ministro Fachin e o Ministro André Mendonça, têm dito que esse é um assunto que deveria ser definido pelo Parlamento também.

    E me parece que, nesse campo das políticas públicas complexas, esse é o melhor caminho, porque é muito difícil distinguir o que é traficante ou usuário só com base na quantidade de droga que é apreendida, porque, se um varejista, um distribuidor de drogas vai à rua, ele nunca vai estar com uma grande quantidade. Ele não sai com 1kg de cocaína nas suas mãos para vender, ele não sai com 1kg de maconha para vender aos usuários, até porque essa é uma estratégia para que ele evite ser identificado e preso pela polícia como um traficante. Então, a praxe normal é que ele vai às ruas, aos becos, aos bares, às esquinas das escolas com uma pequena quantidade de droga, Senador Marinho. Ele não vai com uma grande quantidade. E, se a Justiça fixar um montante específico...

(Soa a campainha.)

    O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) – ... uma quantidade de droga específica, o grande risco é de que haja uma estruturação dessa atividade baseada exatamente nesse limite. Enquanto não há um limite, o policial que efetua essas prisões tem condições de avaliar um conjunto de circunstâncias; e, depois disso, vai ao juiz, e o juiz tem condições de avaliar esse conjunto de circunstâncias. Vamos supor um traficante bem-sucedido que foi à rua, Senador Girão, com, sei lá, 500g de maconha para vender, mas, quando ele é abordado pela polícia, ele já foi bem-sucedido e só tem lá uma quantidade bem menor. Mas ele já vendeu! E, aí, vai ser considerado como usuário porque foi surpreendido quando já foi bem-sucedido nas suas transações?

    O grande risco é este: o grande risco é que, se nós tivermos uma quantia...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) – ... se tiver uma quantidade objetiva, definida para venda, o mais provável é que o traficante utilize esse parâmetro para se proteger. Então, ele vai sempre à rua com uma quantidade inferior, ele vende aquela e ele volta ao seu posto de reabastecimento, ao seu fornecedor, para pegar uma nova quantidade daquele montante. E, se a única circunstância for a circunstância objetiva daquele montante de droga, a polícia vai ter dificuldade para enquadrá-lo como traficante, e muitas vezes ele é o traficante, não é propriamente um usuário.

    Então, não quero aqui fazer uma crítica ao Supremo Tribunal Federal – o Supremo se debruça sobre uma questão muito difícil e complexa –, mas talvez aqui a prudência seja também recomendada, já que é um tema difícil. E mesmo nós, Parlamentares, temos sérias...

(Interrupção do som.)

    O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Fora do microfone.) – ... dúvidas e divergências quanto à melhor estratégia...

(Soa a campainha.)

    O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) – Para concluir, Senador Moro.

    O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) – ... para o enfrentamento dessa questão.

    O fato é que o tráfico de drogas tem sido um dos grandes males da civilização atual e, aqui no Brasil, em particular, tem gerado esse empoderamento das gangues, dos grupos criminosos organizados. E, particularmente, considerando o meu histórico como juiz, depois como Ministro da Justiça, o que eu acredito, particularmente, que funciona em relação a isso é o endurecimento: são investigações exitosas, são as prisões, principalmente das lideranças, o isolamento das lideranças em presídios de segurança máxima e o confisco do patrimônio dessas organizações criminosas.

    Não creio que seja um passo sábio facilitar a atividade do tráfico de drogas no país, por mais que queiramos evitar...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) – ... uma confusão entre (Fora do microfone.) traficantes e usuários. Talvez o melhor caminho para isso continue sendo o que nós temos atualmente, de permitir ao agente policial da ponta, ao juiz encarregado do processo, fazer uma avaliação global das circunstâncias, e não o de se estabelecer propriamente um critério objetivo.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/03/2024 - Página 10