Discurso durante a 17ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o estudo publicado pelo Instituto V-Dem, da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, que concluiu pela importância do Judiciário e da realização das eleições em 2020 na reversão da autocratização no Brasil e na garantia da continuidade democrática. Manifestação favorável à regulamentação das redes sociais com vistas ao combate às "fake news" e à preservação da democracia.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Defesa do Estado e das Instituições Democráticas:
  • Considerações sobre o estudo publicado pelo Instituto V-Dem, da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, que concluiu pela importância do Judiciário e da realização das eleições em 2020 na reversão da autocratização no Brasil e na garantia da continuidade democrática. Manifestação favorável à regulamentação das redes sociais com vistas ao combate às "fake news" e à preservação da democracia.
Publicação
Publicação no DSF de 12/03/2024 - Página 17
Assunto
Soberania, Defesa Nacional e Ordem Pública > Defesa do Estado e das Instituições Democráticas
Indexação
  • ANALISE, ESTUDO, AUTORIA, UNIVERSIDADE, PAIS ESTRANGEIRO, SUECIA, MELHORIA, DEMOCRACIA, BRASIL, COMBATE, NOTICIA FALSA, SISTEMA ELEITORAL.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, telespectadores da TV Senado, ouvintes que nos acompanham pela Rádio Senado, internautas que nos seguem pelas redes sociais, quero, inicialmente, dizer do meu integral apoio ao projeto de S. Exa., o Senador Eduardo Girão. Não somente votarei contra a proposta de regulamentação do cigarro eletrônico, como serei um dos principais atores aqui, espero, dentro do Senado Federal, para que essa proibição se transforme numa lei.

    Mas, Sr. Presidente, o Brasil recebeu recentemente um importante reconhecimento internacional pela fortaleza da sua democracia. O V-Dem, que é uma instituição da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, concluiu um estudo atestando que o nosso país conseguiu frear o desmonte da democracia, impedir que o processo de autocratização se concretizasse e passou a ser uma referência sobre como usar a eleição para promover uma reviravolta.

    Estudos sobre a saúde da democracia no mundo vinham alertando, nos últimos anos, para o avanço da autocracia em todo o planeta, com o Brasil como um dos locais onde o processo era mais avançado. A eleição do Presidente Lula e a reação democrática após o 8 de janeiro mudaram o curso da história, impediram o golpe de Estado e afastaram o totalitarismo.

    O V-Dem mantém o maior banco de dados globais sobre democracia, com mais de 31 milhões de pontos de dados para 202 países, de 1789 até 2023. Com a participação de mais de 4,2 mil acadêmicos e especialistas de outros países, o V-Dem mede mais de 600 atributos diferentes da democracia.

    Segundo a instituição, o Brasil foi um dos raros casos, abro aspas, "que interromperam a autocratização antes do colapso" – fecho aspas. Continuamos sendo qualificados como uma democracia eleitoral e não uma democracia liberal, mas subimos no ranking e nos posicionamos como um ponto positivo na luta pela democracia.

    De acordo com o V-Dem, a Presidência de Jair Bolsonaro foi marcada por ataques à mídia, restrições à liberdade acadêmica, tentativas de minar o sistema eleitoral e conflitos com os demais Poderes.

    Sua derrota permitiu estabelecimento de, abro aspas, "um ano de refutação das suas políticas e fim das suas transgressões".

    Estudo atesta que, abro aspas, "Bolsonaro foi condenado por abusar de seu cargo para desacreditar o sistema eleitoral e está inelegível para buscar ou ocupar cargos públicos até 2030".

    Os analistas suecos destacaram que o que ocorreu no Brasil no final de 2022 e no começo de 2023 deve servir como ponto de reflexão internacional. "A autocratização não foi apenas interrompida no Brasil, mas também revertida em um caso definitivo de reviravolta", diz o estudo.

    O relatório atesta que o processo no país, abro aspas, "mostra a importância de usar as eleições como 'eventos críticos' para interromper a autocratização", fecho aspas.

    A referência ganha importância diante da constatação de que, em 2024, dezenas de países passarão por processos eleitorais, e não há certeza, em muitos deles, se as eleições serão usadas para reverter a autocratização ou não.

    Na visão do V-Dem, alguns fatores contribuíram significativamente para que o Brasil desse uma guinada democrática. Entre eles, o combate à desinformação, especialmente a que lançava desconfiança sobre o sistema eleitoral e tentava deslegitimar eleições. Respostas importantes dadas pela Justiça Eleitoral permitiram desmentir informações disseminadas nas mídias sociais com notícias falsas sobre processo eleitoral. O Supremo Tribunal Federal iniciou uma investigação sobre milícias digitais, ou grupos criminosos online que atuam contra a democracia e o Estado democrático.

    Estudo destaca, ainda, que a importância dos esforços do Brasil para combater a desinformação é evidenciada nas análises que mostram que a democratização está claramente associada à diminuição dos níveis de desinformação. A aliança de oposição pró-democracia, a partir de ampla coalizão articulada por Lula, foi outro fator destacado no estudo.

    O relatório destaca que "o Vice-Presidente de Lula, Geraldo Alckmin, foi seu adversário político por décadas, mas decidiu se juntar à aliança para salvar a democracia", pelo que, segundo o V-Dem, fechando aspas, a aliança de oposição unificada, abro aspas, "parece ser um fator importante para transformar com sucesso a autocratização em uma reviravolta democrática".

    O estudo aponta ainda que decisão do Supremo Tribunal Federal de realizar inquéritos sobre as fontes das campanhas de desinformação que, abro aspas, "desferem ataques à democracia", fecho aspas, foi fundamental para que democracia vencesse.

    De acordo com a análise, Bolsonaro tentou mudar o sistema eleitoral, questionando a confiabilidade das urnas eletrônicas e orquestrando uma farsa no que se refere a uma suposta tentativa de intimidação. Mas o STF, abro aspas, "agiu removendo a desinformação eleitoral online, proibiu o uso de informações imprecisas em campanhas e ordenou que os meios de comunicação removessem conteúdo com informações falsas", fecho aspas.

    A ideia de Bolsonaro de constranger diplomatas estrangeiros a desacreditar o sistema eleitoral brasileiro mostrou-se desastrosa. França, Alemanha e Reino Unido elogiaram publicamente o sistema eleitoral brasileiro. O Governo dos Estados Unidos da América disse que o Brasil tem um dos sistemas eleitorais mais confiáveis e transparentes do Hemisfério Sul e, segundo o V-Dem, esse apoio parece ter sido fundamental para unir a comunidade internacional e endossar a legitimidade das eleições que desalojaram Bolsonaro.

    O estudo atesta liberdade e imparcialidade das eleições destacadas em relatórios de observadores. Nenhuma fraude foi demonstrada desde a introdução das urnas eletrônicas em 1996. Mas a violência eleitoral aumentou em 2022, apesar das tentativas do TSE de evitá-la, aponta o relatório. A constatação dos estudiosos é que, abro aspas, "garantir uma eleição limpa, que produza um resultado legítimo, no qual o público em geral confia, parece fundamental para reverter a autocratização".

    Rápido reconhecimento internacional do resultado eleitoral, bem como a presença massiva de líderes durante a posse, serviu para exercer forte pressão para que governantes se abstenham de ações inconstitucionais, aceitem a derrota e entreguem o poder pacificamente, segundo o V-Dem.

    Igualmente, o reconhecimento dos resultados da eleição pelos representantes das principais instituições brasileiras, em que demais poderes descartaram a possibilidade de fraude, foi fundamental para que vários aliados políticos do ex-Presidente logo também aceitassem publicamente a derrota sem questionar os resultados da eleição, diz o estudo.

    O V-Dem destacou que Bolsonaro frequentemente elogiava a ditadura militar, manteve membros das Forças Armadas em seu Governo e que grupos de apoiadores seus também se uniram em torno da ideia de uma intervenção militar, o que levou membros das Forças Armadas a discutirem essa aventura golpista.

    No entanto, ressalta o estudo, eles não agiram de acordo com essa ideia, talvez em parte devido ao rápido endosso dos resultados pela comunidade internacional e pelas instituições nacionais.

    Além disso, o Ministério da Defesa observou as eleições e não registrou evidências de fraude eleitoral, nem contestou os resultados.

    Abro aspas: "O fato de os militares permanecerem nos quartéis provavelmente foi fundamental para a reviravolta democrática" – fecho aspas –, constatam os analistas. Segundo o estudo, após a confirmação do resultado da eleição, os apoiadores de Bolsonaro saíram às ruas para protestar contra os resultados das eleições com alegações de fraude eleitoral.

    De acordo com o V-Dem, grupos pró-Bolsonaro promoveram uma narrativa de eleição fraudulenta nas mídias sociais, bloquearam estradas e pediram um golpe militar, além de terem orquestrado os ataques de 8 de janeiro. Mas os militares não os apoiaram e os líderes das três esferas de Governo e os Governadores estaduais condenaram em uníssono os tumultos, diz o estudo. Um destaque especial foi dado ao STF, que, segundo eles, – abro aspas – "desempenhou um papel fundamental ao ordenar a dissolução dos acampamentos, a prisão dos envolvidos nos tumultos e a suspensão de suas contas nas mídias sociais. Mais tarde, Bolsonaro foi condenado por abuso de seu cargo, e declarado inelegível para buscar ou ocupar cargos públicos por oito anos", conclui o relatório. Sim, o relatório é verdadeiro nessas suas conclusões de que nós superamos uma quadra histórica que estava nos conduzindo, sem dúvida, ao autoritarismo, a uma ditadura civil militar no nosso país.

    No entanto, as ameaças à democracia continuam muito vivas, muito vivas nos discursos que se repetem nas redes sociais, nos Parlamentos, onde a extrema-direita tenta, por todos os meios, deslegitimar o sistema democrático, desrespeitar a autonomia e a independência dos Poderes e colocar sob ataque direto o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, que foram os principais fiadores da supressão da tentativa de golpe de Estado e que hoje estão levando às últimas consequências o julgamento daqueles que contribuíram para os atos golpistas que aconteceram no 8 de janeiro e, mais do que isso, julgando aqueles que participaram diretamente, seja na elaboração intelectual, seja no financiamento, seja na execução direta dessas ações.

    Já são vários aqueles e aquelas que foram condenados pela Corte Suprema do nosso país, e a nossa expectativa, e a do povo brasileiro, é que esses julgamentos possam ir até as últimas consequências, garantindo, obviamente, o direito de defesa, garantindo o devido processo legal, mas tendo a dimensão clara de que nós não iremos impedir novos ataques à democracia se existir a impunidade daqueles que planejaram, financiaram ou executaram aquela tentativa de golpe.

    Um outro ponto fundamental de ataque à democracia que pode fragilizá-la, e já fragilizou em vários lugares no mundo, é esse processo da falta de uma regulamentação das chamadas redes sociais.

    É um absurdo a quantidade diária de notícias falsas, as chamadas fake news, que imperam nas redes sociais. Essas plataformas não têm qualquer tipo de movimento para impedir o cancelamento, a calúnia, a mentira, as ameaças e, muitas vezes, a concretização de violências políticas e até mesmo, como derivação dessas fake news, de violências físicas.

    Há um livro muito interessante, que deveria ser objeto da leitura de todos, chamado A Máquina do Caos, de um jornalista do The New York Times, que mostra, claramente, que as redes sociais, as plataformas, na verdade, não são um veículo inocente por onde caminham opiniões, fatos, notícias. Não. As redes sociais, pelo objetivo de promover o engajamento, a participação das pessoas, fazem com que cada pessoa passe mais tempo do que o que seria habitualmente esperado nelas, porque é isso que dá a receita para essas plataformas, para essas redes sociais.

    É por essa razão que cada um de nós, quando entra numa plataforma como essas, basta pesquisar a palavra "vacina". Num primeiro momento, vem alguma coisa mais informativa. Daqui a pouco, o que é proposto? O que é sugerido para quem entrou procurando esse tema são os grupos antivacina, são os grupos que estão tentando fazer com que a humanidade regrida no avanço fundamental que conseguiu, que foi a prevenção e o combate às doenças infectocontagiosas pela vacinação.

    Quando você procura um termo qualquer na política, virá uma primeira resposta, mas as sugestões de busca que vêm em seguida levam sempre para um processo de polarização, de disputa, de engajamento em grupos que, muitas vezes, só fazem propagar a violência política no mundo.

    Portanto, se nós queremos preservar a nossa democracia, nós temos que regulamentar essas redes sociais. Há um projeto que saiu aqui do Senado Federal de autoria do Senador Alessandro Vieira, que está na Câmara dos Deputados há anos – há anos! E, de lá, não sai uma regulamentação. E o que acontece é que as mentiras, as fake news, as anulações, os cancelamentos, as violências políticas continuam atuando com toda a liberdade, para minar a democracia e o processo democrático no nosso país.

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Concluo, Presidente, dizendo que esse estudo, enfim, ressalta a força da democracia brasileira, das suas instituições, mostra ao mundo que, graças à nossa fé no Estado de direito, vencemos a tirania e derrotamos o fascismo bolsonarista, uma chaga que – felizmente, espero – não voltará mais a nos assombrar.

    Muito obrigado a todos e a todas.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/03/2024 - Página 17