Presidência durante a 31ª Sessão Especial, no Senado Federal

Encerramento da Sessão Especial convocada em celebração à Democracia Brasileira.

Autor
Randolfe Rodrigues (S/Partido - Sem Partido/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Presidência
Resumo por assunto
Homenagem:
  • Encerramento da Sessão Especial convocada em celebração à Democracia Brasileira.
Publicação
Publicação no DSF de 03/04/2024 - Página 22
Assunto
Honorífico > Homenagem
Matérias referenciadas
Indexação
  • ENCERRAMENTO, SESSÃO ESPECIAL, CELEBRAÇÃO, DEMOCRACIA, BRASIL, ASSUNTO, DITADURA, REGIME MILITAR, FORÇAS ARMADAS.
  • COMENTARIO, GOVERNO, EX-PRESIDENTE DA REPUBLICA, JOÃO GOULART, LANÇAMENTO, LIVRO.

    O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. S/Partido - AP) – Somos nós que agradecemos D. Maria Thereza.

    Aliás, o Brasil, o Estado brasileiro tem um pedido eterno de desculpas a V. Exa. e à sua família por tudo o que sofreram e passaram desde o golpe contra o Presidente João Goulart.

    Meus queridos, minhas queridas, companheiros e companheiras, meu caríssimo José Dirceu, Maria Thereza Goulart, João Vicente Goulart, querida companheira Mara Luquet, jornalista, organizadora também de todos os eventos do dia de hoje, caríssima Senadora Teresa Leitão, querido Presidente do TST, minhas senhoras, meus senhores, o sentido de fazer esta sessão no dia de hoje tem também correlação com o ato, querido João Vicente, que fizemos neste mesmo Plenário há dez anos.

    Em dezembro de 2013, em especial no 11 de dezembro de 2013, este Congresso Nacional, procurando se redimir do crime cometido na madrugada de 1º para 2 de abril de 1964, restaurou... Só quero interromper para cumprimentar aqui o meu querido Jaques Wagner, Líder do Governo do Presidente Lula nesta Casa. Convido o Jaques Wagner para ficar à mesa conosco. Nós já estamos terminando aqui o evento. Se quiser usar da palavra... (Pausa.)

    Obrigado, Jaques.

    Então, há exatos dez anos, em uma sessão aqui deste Congresso Nacional, com a presença da então Presidente da República Dilma Rousseff, com a presença do Presidente do Congresso Nacional Renan Calheiros, o mandato do Presidente João Belchior Marques Goulart foi simbolicamente devolvido. Foi um gesto simbólico. Como disse naquele dia... (Palmas.)

    ... repito, no dia de hoje: os símbolos são indispensáveis para a humanidade, os símbolos nos unem, os símbolos nos dividem. Milhões de britânicos fazem um minuto de silêncio às 11h todo dia 11 de novembro, o fazem para homenagear os mais de 800 mil britânicos mortos nos campos da Segunda Guerra. Da mesma forma, às 8h15 do dia 6 de agosto, milhões de japoneses também ficam em silêncio para lembrar o que ocorreu, em 1945, em Nagasaki e Hiroshima. Da mesma forma também, no dia 27 de janeiro, meu querido Jaques Wagner, em Israel, às 11h, os judeus silenciam para lembrar a libertação do campo de Auschwitz e todos os horrores do Holocausto. Os símbolos são para isso, os símbolos são sobretudo para que não se esqueça.

    Foi por isso que a devolução do mandato do Presidente João Goulart, meu querido João Vicente e minha querida Maria Thereza, foi simbólica há dez anos, mas foi simbólica para lembrar que o Estado brasileiro errou e que o Congresso Nacional cometeu e legitimou uma arbitrariedade na madrugada de 1º para 2 de abril de 1974, quando, sentado a esta mesa, o então Presidente do Congresso Nacional, o Sr. Auro de Moura Andrade, declarou vaga a Presidência da República, estando o Senhor Presidente da República em território nacional, no Rio Grande do Sul, à frente das tropas legalistas, à frente de seu Governo, conforme comunicado lido naquela sessão da madrugada de 2 de abril, assinado pelo Chefe da Casa Civil, Darcy Ribeiro. Quando o Sr. Auro de Moura Andrade, em uma sessão ilegal, inconstitucional e ilegítima, assim o fez, cometeu uma arbitrariedade; legitimou uma ofensa sobre esta Casa. O mínimo que o Congresso poderia ter feito foi o que fez há dez anos.

    Há dez anos, completava 50 anos o golpe de 1964. Hoje faz 60 anos, e é necessário lembrar – lembrar para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça – que a ditadura vigeu por 21 anos.

    Segundo a Comissão Nacional da Verdade, pelo menos 50 mil brasileiros, compatriotas – compatriotas –, foram presos arbitrariamente. Segundo levantamento da Human Rights Watch, 20 mil pessoas, 20 mil compatriotas foram torturados. Segundo concluiu a Comissão da Verdade, instalada pelo Estado brasileiro em 2013, 434 compatriotas, irmãos nossos, foram mortos e seguem desaparecidos. Apenas no campo quantitativo, outros números chegam a pelo menos 1,6 mil. Durante o período autoritário, 4.841 representantes eleitos democraticamente pelo povo brasileiro, meu querido José Dirceu, foram destituídos arbitrariamente de seus cargos, entre estes, 173 Deputados Federais, membros deste Congresso Nacional, e oito Senadores, membros deste Congresso Nacional. Entre os 173, um foi sequestrado e assassinado. A memória de Rubens Paiva paira sobre este Congresso Nacional, alertando para nós que não pode ser esquecido. (Palmas.) Entre os Senadores cassados, um ex-Presidente da República, Juscelino Kubitschek, foi vítima do arbítrio e da violência.

    Ditaduras, sejam à direita, sejam à esquerda, devem ser banidas, devem ser defenestradas. Deve ser sempre lembrado o que foi dito por Ulysses Guimarães na promulgação da nossa Constituição democrática: "Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo [em qualquer lugar em que ela aconteça, sobretudo] na América Latina". (Palmas.)

    Dos 16 Ministros do Supremo Tribunal Federal da época, três tiveram a aposentadoria compulsória decretada, dois saíram em protesto contra o arbítrio.

    Ditaduras não distinguem posições políticas. Ditaduras ofendem a todos, de todas as posições políticas.

    Segundo pesquisa apoiada pelo Instituto Herzog, ao menos 19 crianças, muitas delas entre um e dois anos, foram sequestradas e adotadas ilegalmente por famílias de militares ou famílias ligadas às Forças Armadas na ditadura. Para que as Forças Armadas brasileiras restaurem o seu compromisso pela democracia, é necessário lembrar isso. É necessário lembrar para que não volte a ocorrer. Cerca de 233 locais serviram à ditadura para torturar e violar gravemente direitos humanos, têm que ser lembrados esses locais, têm que ser museus, têm que ser símbolos para que não mais aconteça.

    O regime prendeu ou torturou 6.591 membros de suas Forças Armadas, militares brasileiros, alguns que defenderam o Brasil nos campos de guerra da Europa durante o conflito contra o Eixo Nazifascista. A ditadura não distinguiu quem por ela era cassado ou perseguido, seja civil, seja militar.

    Este Congresso Nacional foi fechado três vezes durante o período de arbítrio, o maior número de vezes em que o Congresso Nacional foi fechado em todo o período histórico, desde a Proclamação da República, em 1891. Em 13 de dezembro de 1968, o Presidente de então, Marechal Costa e Silva, baixou o Ato Institucional nº 5, aprofundando a barbárie que tinha sido inaugurada em 1964. O último fechamento do decreto foi pelo então Presidente, General Ernesto Geisel, em 1977.

    A Constituição de 1988 restaurou a democracia. A Constituição de 1988 consolidou um novo período histórico. A ela e a Ulysses Guimarães, é necessário sempre lembrar. A Constituição de 1988 não estabeleceu o seu art. 142 como poder moderador. Poder moderador só existiu no regime monárquico. O art. 142, agora por decisão soberana do Supremo Tribunal Federal, reafirma o que se sabia por óbvio, lamentavelmente, devido ao último período, é necessário às vezes reafirmar o óbvio: não existe país democrático no mundo em que o direito tenha deixado às Forças Armadas a função de mediar conflitos entre os Poderes constitucionais ou de dar a última palavra sobre o significado do texto constitucional. Poder militar se submete ao poder civil eleito em uma democracia, assim é na nossa democracia, assim é em qualquer regime democrático. (Palmas.)

    Destaco aqui o trecho, entre os votos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, destaco aqui o trecho do Ministro Flávio Dino sobre a verdadeira interpretação do 142 da Constituição: "Com efeito, lembro que não existe, no nosso regime constitucional, um 'poder militar'. O poder é apenas civil, constituído por três ramos ungidos pela soberania popular, direta ou indiretamente. A tais poderes constitucionais, a função militar é subalterna, como aliás consta do artigo 142 da [...] [Constituição]".

    Lembro mais uma vez Ulysses Guimarães: "Traidor da Constituição é traidor da pátria. Conhecemos o caminho maldito. [...] mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério". (Palmas.)

    Ao golpe de 1964 há de se lembrar a tentativa de golpe de 2023. O 1º de abril de 1964 tem como filho legítimo a tentativa de 8 de janeiro de 2023. Tem significado de diagnóstico que os atos institucionais do regime autoritário proclamavam, em nome de algo, a legitimidade sobre a Constituição. Tem significado de diagnóstico que a minuta golpista de 2023 busca as coincidências com ato institucional, a primeira delas: a relativização da legalidade, dizendo que a lei e a Constituição não bastam. Em 1964, diziam eles: "Os processos constitucionais não funcionaram para destituir o governo, que deliberadamente [procurava] [...] bolchevizar o País". Em 2023: "[...] devemos considerar que a legalidade nem sempre é suficiente: por vezes a norma jurídica ou a decisão judicial são legais, mas ilegítimas por se revelarem injustas, na prática". Os coturnos da ditadura, os arautos do arbítrio, as vivandeiras de plantão, sempre estão à espreita, seja em 1964, seja em 2023, seja em 2024. É por isso o significado de diagnóstico desta sessão, para expulsar as vivandeiras do diálogo no regime democrático.

    À democracia cabe o paradoxo de Popper: não é possível e aceitável relativizar e tolerar tentativas de ruptura para com a democracia. A tolerância com o intolerável dispõe sobre a vitória do intolerável. O arbítrio e a ditadura são intoleráveis. Não pode ter anistia aos golpistas de 8 de janeiro, para que não aconteça (Palmas.)...

(Manifestação da plateia.)

    O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. S/Partido - AP) – ... para que nunca mais busquem atentar contra o Estado democrático de direito.

    Agora, olhando para frente, é necessário também uma reflexão e um diálogo democrático com as Forças Armadas brasileiras. E esse diálogo é necessário chamar ao comando militar e a todas as Forças Armadas. É urgentíssimo e necessário, como é dito, na obra que lançaremos daqui a pouco, pelo querido José Dirceu: A despolitização das Forças Armadas.

    As Forças Armadas e o exercício da missão militar devem ao sacerdócio. É nesse sentido a proposta de emenda constitucional do meu querido colega Senador Jaques Wagner, que tramita neste Congresso Nacional. As Forças Armadas cabem ao sacerdócio, e um sacerdócio que merece de nós todo o respeito, assim como a política cabe ao sacerdócio. A mistura dos sacerdócios, às vezes, a politização, resulta no que resultou o último período: a tentativa, a instigação, para mais uma vez buscar o arbítrio.

    É necessário um debate democrático para, sobretudo, as escolas militares, inclusive, em especial, a Academia Militar das Agulhas Negras, debater com os seus cadetes, debater com seus recrutas o que de fato aconteceu na história. Não foi revolução em 1964, foi golpe de Estado, que usurpou a democracia brasileira. É necessário reafirmar o nome das coisas como elas são, e isso tem que ser ensinado para as novas e futuras gerações de militares. Não foi regime, foi ditadura, e ela não pode ser esquecida, para que nunca mais volte a acontecer. Foi ditadura, e ela trouxe tortura, trouxe morte, trouxe desaparecimentos, trouxe exílio. Não é aceitável, em qualquer canto, a continuação do negacionismo em relação à história.

    João Belchior Marques Goulart foi violentado no exercício do poder político. Foi apeado do poder. A família Goulart foi uma das que mais sofreram ao longo da história brasileira. A ela o Estado brasileiro tem que sempre redimir-se em homenagens e pedir desculpas. (Palmas.)

    O Brasil, restaurado e reconstruído a partir da eleição do Presidente Lula, busca a conciliação, busca reunir todos os brasileiros sobre um só país, uma só nação, mas a conciliação não é esquecimento. Não é esquecimento, sobretudo, para que a palavra de ordem que sempre é dita seja sempre relembrada. Não se esqueçam, para que nunca mais aconteça. (Palmas.)

    Cumprida a finalidade desta sessão, eu agradeço a presença de todos. Desejo excelente dia e convido todos para juntarem-se a nós, no Espaço Cultura Ivandro Cunha Lima, para a abertura da exposição e lançamento do livro Tempos de Chumbo, pelas lentes do nosso inesquecível Orlando Brito. Mara, destaco a sua iniciativa nesta homenagem e também o livro Os 60 anos do golpe de 64, esse com a organização do meu querido Cristiano Ferreira, a quem, mais uma vez, agradeço.

    Enfim, cumprida a finalidade desta sessão especial do Senado, está encerrada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/04/2024 - Página 22