Discurso durante a 34ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise das declarações do Presidente da França, Sr. Emmanuel Macron, a respeito do acordo Mercosul-União Europeia. Comentários sobre o contexto político-social que envolve os debates desse tratado. Críticas ao protecionismo europeu.

Autor
Chico Rodrigues (PSB - Partido Socialista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco de Assis Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Assuntos Internacionais:
  • Análise das declarações do Presidente da França, Sr. Emmanuel Macron, a respeito do acordo Mercosul-União Europeia. Comentários sobre o contexto político-social que envolve os debates desse tratado. Críticas ao protecionismo europeu.
Publicação
Publicação no DSF de 09/04/2024 - Página 22
Assunto
Outros > Assuntos Internacionais
Indexação
  • CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, EMMANUEL MACRON, COMENTARIO, ACORDO INTERNACIONAL, BRASIL, UNIÃO EUROPEIA, COMERCIO, PROTECIONISMO, PRODUTO AGRICOLA, AGROPECUARIA.

    O SR. CHICO RODRIGUES (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - RR. Para discursar.) – Meu caro Presidente Confúcio Moura, inicialmente quero agradecer a V. Exa. pela substituição na Presidência, ao tempo que cumprimento também os colegas, a Senadora e o Senador – a Senadora Damares, que vai ter a paciência franciscana também de nos aguardar –, para que possamos fazer cada um o seu pronunciamento.

    Eu quero falar hoje sobre as declarações do Presidente francês Emmanuel Macron sobre o Mercosul-União Europeia, durante a sua visita ao Brasil.

    Claramente defendendo interesses econômicos e políticos internos do seu país, Macron afirmou que temos que fazer um novo acordo, partindo do zero, e desconsiderar o atual, que levou mais de 20 anos de negociação. Segundo ele, o texto atual não considera questões como o clima e a biodiversidade e seria um péssimo negócio, tanto para os brasileiros como para os franceses.

    Nós, aqui no Brasil, vemos essas declarações com grande preocupação quanto aos seus possíveis desdobramentos, afinal são quase 20 anos de tratativas com a União Europeia para assinatura de um acordo comercial para reduzir, ou até mesmo zerar, as tarifas de importação e de exportação entre os dois blocos econômicos.

    A primeira etapa da negociação desse acordo foi encerrada em 2019. Dessa rodada, saiu um texto que vem passando por sucessivas revisões e exigências adicionais, principalmente por parte da União Europeia, devido às pressões que vem sofrendo por agricultores do bloco.

    É importante ter em mente a dimensão do comércio entre o Brasil e a União Europeia para podermos avaliar a relevância do que está em jogo neste momento. Por isso, eu gostaria de mencionar aqui alguns fatos e dados que nos permitem avaliar melhor o significado desse acordo e das falas do Presidente Macron, as quais representam interesses protecionistas do seu país, a França, unicamente.

    No final de fevereiro, assistimos a uma enorme onda de protestos tomar conta da Europa. Produtores rurais de vários países, incluindo a França, a Alemanha e a Itália, saíram às ruas para se manifestar contra as importações de produtos mais baratos, com o argumento de custos agrícolas. Um dos eventos mais emblemáticos aconteceu na França, com agricultores bloqueando as principais rodovias de acesso a Paris, com caminhões e tratores, além do subsídio ao diesel de máquinas agrícolas, os agricultores franceses querem atenuação de exigências ambientais que consideram atrapalhar o comércio com os países vizinhos.

    Diante disso, o Presidente Macron, da França, procurou a Presidente da Comissão Europeia para convencer o bloco a encerrar as negociações de um acordo com o Mercosul. Isso porque os agricultores franceses entendem que os produtos do Mercosul fazem a eles uma concorrência desleal, pois não obedeceriam às mesmas restrições da legislação ambiental europeia.

    O Brasil é a maior economia da América Latina e seu comércio com a União Europeia responde por aproximadamente 31% do total do intercâmbio comercial daquele bloco com os países latino-americanos.

    A União Europeia é o segundo maior parceiro comercial do Brasil, respondendo por 18% do nosso comércio exterior. Por outro lado, o Brasil é o décimo primeiro parceiro comercial do bloco europeu, respondendo por apenas 1,7% do comércio total do bloco.

    A partir desses números, podemos dizer que o peso comercial do acordo para o Brasil é dez vezes maior. Outro dado importante: a União Europeia importa do Brasil, principalmente, produtos primários, em particular os de origem mineral, que representam 22%, seguidos dos produtos de origem vegetal, com 17%, e dos gêneros alimentícios, bebidas e tabaco, com 16% do total das importações. Vale destacar que o Brasil é, individualmente, o maior exportador de produtos agrícolas para a União Europeia.

    Por outro lado, a União Europeia exporta para o Brasil, principalmente, máquinas e eletrodomésticos, que representam 26% do total exportado, seguidos por produtos químicos, com 23%, e por equipamentos de transporte, com 13%. Além disso, o bloco é o maior investidor estrangeiro no Brasil, presente em diversos setores da nossa economia.

    O acordo entre o Mercosul e a União Europeia – é bastante amplo esse encontro de interesses – cobre diversas áreas, tais como: comércio de bens e serviços, investimentos, direitos de propriedade intelectual, aspectos que incluem a proteção das indicações geográficas, compras governamentais, barreiras técnicas ao comércio, aspectos sanitários e fitossanitários, entre outros.

    Então, vemos que não se trata de algo tão simples. A questão envolve múltiplos interesses e possui diversas implicações, tanto para o Brasil quanto para a União Europeia. Por isso, essa demora em negociar o texto do acordo, que já se alonga por 20 anos. Começar um novo acordo do zero é desconsiderar todos os avanços e consensos obtidos até aqui para atender pressões internas imediatistas.

    Somos uma economia emergente que precisa de acesso aos mercados mais ricos do mundo para crescer. Caso as negociações fracassem, certamente perderemos a possibilidade de diversificar os nossos parceiros comerciais e de reduzir a nossa atual dependência da China, país que importa a maior parte dos nossos produtos agrícolas, cerca de 36%. Isso representaria, sem dúvida, uma grande perda para o nosso agronegócio.

    Somente em 2023, as compras chinesas renderam ao agronegócio brasileiro US$60 bilhões, com destaque para a exportação de soja, com US$39 bilhões; e de carnes, com US$8 bilhões, segundo dados do Ministério da Agricultura e Pecuária.

    Estávamos acostumados com os chineses crescendo na casa de dois dígitos anualmente, mas agora eles estão em ritmo mais lento. Isso é claro que gera preocupação para o mercado brasileiro; logo, seria muito importante diversificar as nossas fontes de receita, e o acordo com a União Europeia seria muito bem-vindo nesse sentido. A ideia não é parar de vender para a China – pelo contrário –, mas, sim, de diversificar o nosso amplo comércio exterior. E também não quer dizer que a Europa não esteja comprando da gente, mas, sim, que está comprando bem menos do que poderia e do que, na verdade, a sua demanda reprimida representa.

    Portanto, senhoras e senhores, apesar da resposta do Presidente Lula de que o Brasil não negocia com a França, mas, sim, com a União Europeia – aliás, o que foi um bom recado ao Presidente Macron –, o acordo ficaria, sim, inviabilizado caso a França se mantenha contrária, porque, para ser aprovado, precisa da concordância de todos os países que fazem parte da União Europeia.

    E aqui faço um parêntese: o Presidente Macron sempre tem criado dificuldades nas relações com o Brasil e deveria entender que a agricultura e a pecuária do Brasil são muitas vezes superiores à economia francesa; portanto, nós teríamos benefícios, sim, mas a França teria muito mais ainda, porque a demanda reprimida deles por alimentos tem cada vez aumentado mais.

    O Presidente francês obteve êxito na visita e defendeu interesses estratégicos para o seu país, que não param na trava do acordo com o Mercosul. Foram assinados – vejam – 21 acordos bilaterais durante a presença de Macron no Brasil, dentre os quais chamo a atenção para a criação do Centro Franco-Brasileiro de Biodiversidade da Amazônia; a Cooperação entre o Parque Amazônico da Guiana e o Parque Nacional das Montanhas do Tumucumaque, maior reserva de floresta tropical do mundo e que abrange áreas do Amapá e do Pará; e acordos sobre minerais estratégicos, transição energética e matérias-primas.

    Portanto, minha gente, vejam como é interessante: as áreas sensíveis, as áreas estratégicas, o meio ambiente, é isso que interessa aos franceses, representados pelo seu Presidente Macron, que não se cansam de sentir inveja do gigantismo da Amazônia. A Amazônia é nossa e cabe à comunidade internacional – francesa, inglesa, europeia de um modo geral, e o mundo como um todo... Na verdade, como eles dizem, nós somos o pulmão do mundo e, se nós somos o pulmão do mundo, eles que ajudem a manter esse pulmão limpo para que eles possam respirar. É um recado que vai àqueles que, na verdade, insistem em tentar dificultar a nossa produção, o nosso desenvolvimento e a exploração racional das nossas reservas estratégicas.

    Esses acordos ratificam, como já disse uma vez nesta tribuna, que os olhos do mundo, e não só da França, estão voltados para o Brasil e suas riquezas naturais, principalmente a Amazônia, Senadora Damares. O Brasil precisa recuperar o protagonismo e a estratégia em sua política externa, pois somos o país que detém a maior biodiversidade e a maior reserva de água doce do mundo, além de riquezas minerais e fontes de energia renovável. Ademais, estamos em momento ímpar para a liderança no G20, no Brics e como país sede da COP 30. Essas são oportunidades únicas para a nossa diplomacia fortalecer a imagem do Brasil como país que ocupa posição central na pauta verde. O Brasil já possui, segundo dados da Embrapa, 66,3% do seu território com preservação de vegetação nativa, o que equivale ao território de 48 países e territórios europeus. Além disso, nossa matriz energética conta com 48% de participação de fontes renováveis, que respondem por 89% da oferta de energia.

    Por isso, não podemos aceitar passivamente declarações que desconsideram o lastro do Brasil como país que investiu, ao longo de décadas, em pesquisas e tecnologias que lhe permitiram aumentar sua produção agrícola sem aumentar significativamente a ocupação territorial de áreas destinadas a lavouras. Como agrônomo, o colega Alysson Paolinelli – o saudoso Alysson Paolinelli – iniciou a revolução verde e é preciso que saibamos defender a posição do Brasil como protagonista global na pauta verde, diante de países que não detêm esses percentuais de preservação em seu território – como é o caso da França, especificamente –, ainda dependem de fontes energéticas não renováveis e, ao não conseguirem competitividade com o nosso agronegócio, trazem exigências desmedidas e protecionistas para embargar um acordo construído ao longo de 20 anos.

    Portanto, Sr. Presidente, esse pronunciamento é no sentido de mostrar exatamente a preocupação da França com a economia do Brasil, uma economia que é uma economia saudável, uma economia que tem, acima de tudo, as suas reservas estratégicas. Temos mais de 20% da água doce do planeta, temos a maior reserva da biodiversidade do planeta e, por vontade de Deus, temos os minerais estratégicos mais importantes para a humanidade, como ouro, nióbio, urânio, lítio, tantalita, cassiterita etc., etc.

    Então, gostaríamos que os países da União Europeia se reunissem em uma conjunção de interesses porque, obviamente, essa crise mundial de alimentos já está se refletindo na Europa. Que eles pudessem, na verdade, contar com a nossa produção sadia, saudável e, acima de tudo, abundante para, numa relação de troca e em economias complementares, nós podermos, na verdade, ajudar nesse processo de desenvolvimento do nosso país aos olhos da comunidade internacional.

    Era esse pronunciamento que eu gostaria de deixar e registrar em todos os veículos de comunicação desta Casa no dia de hoje, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/04/2024 - Página 22