Discurso durante a 35ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Indignação com a disparidade na atuação do Judiciário em casos semelhantes, porém de classes sociais distintas. Necessidade de aprovar proposições que aumentem a pena para crimes contra a ordem tributária, o sistema financeiro, bem como corrupção, estelionato e tráfico de drogas.

Autor
Fabiano Contarato (PT - Partido dos Trabalhadores/ES)
Nome completo: Fabiano Contarato
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Atuação do Judiciário, Direito Penal e Penitenciário, Direitos Individuais e Coletivos:
  • Indignação com a disparidade na atuação do Judiciário em casos semelhantes, porém de classes sociais distintas. Necessidade de aprovar proposições que aumentem a pena para crimes contra a ordem tributária, o sistema financeiro, bem como corrupção, estelionato e tráfico de drogas.
Aparteantes
Magno Malta.
Publicação
Publicação no DSF de 10/04/2024 - Página 45
Assuntos
Outros > Atuação do Estado > Atuação do Judiciário
Jurídico > Direito Penal e Penitenciário
Jurídico > Direitos e Garantias > Direitos Individuais e Coletivos
Indexação
  • CRITICA, DISCRIMINAÇÃO, CLASSE SOCIAL, ATUAÇÃO, JUDICIARIO, DEFESA, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, CODIGO PENAL, CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTARIA, CRIME DO COLARINHO BRANCO, CRIME, CORRUPÇÃO, REGISTRO, TRATAMENTO, ISONOMIA CONSTITUCIONAL, ESTELIONATO, TRAFICO, ENTORPECENTE.

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES. Para discursar.) – Sr. Presidente, senhoras e senhores, hoje eu subo aqui a esta tribuna para relatar um fato e, ao mesmo tempo, para denunciar um fato que sempre me incomoda aqui nesta Casa.

    Na madrugada do dia 31 de março, Senador Girão, um motorista, conduzindo um veículo Porsche no valor de R$1,2 milhão, pratica um crime de trânsito que culmina com a morte de um motorista de aplicativo de 52 anos de idade. Ora, o que há de diferente nesse crime de trânsito, Sr. Presidente? O que há de diferente é que a mãe do motorista, um empresário de 24 anos, esteve no local, e ali aquele jovem foi liberado sem fazer o teste do etilômetro, sem ser autuado em flagrante. Ora, mas por que eu estou falando isso aqui hoje? É porque no Brasil existem duas Justiças, duas leis: uma Justiça que é para pobre, e aí nós temos o rigor, inclusive desta Casa; e uma Justiça que é para rico, em que aí nós temos a benevolência, inclusive com a aquiescência desta Casa.

    Eu cito aqui alguns exemplos. A mesma juíza que negou a prisão preventiva, Sr. Presidente, para esse motorista do Porsche, essa a mesma juíza, em 2022, converteu a prisão em flagrante em preventiva de um homem que furtou um litro de conhaque e duas garrafas de vodca. Em 2021, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou um pedido de habeas corpus em que um homem teve a prisão preventiva decretada por tentar furtar alimentos como carne-seca, avaliados aí em R$230 – vejam: mantendo-o na prisão. Em 2016, uma senhora de 62 anos teve sua prisão em flagrante convertida após furtar 12 frascos, 12 frascos de desodorante.

    Ora, o que há em comum nesses episódios que eu relato aqui e a Justiça do Porsche? O que há de comum com essa Justiça que, ao mesmo tempo, age com o rigor da lei para atender e atacar uma camada economicamente menos favorecida, mas é a mesma que libera, muitas vezes, inclusive, traficantes? Agora, o que nós aqui Parlamentares estamos fazendo?

    Eu fico estarrecido como anda essa legislação! Eu fui Delegado de Trânsito por mais de dez anos. É inadmissível isso que aconteceu. É inadmissível sabem por quê? Porque o Código de Trânsito Brasileiro, no art. 277, tinha a seguinte redação: "todo condutor envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização será submetido ao teste do etilômetro". Veja que o legislador utilizou o verbo "ser" com tamanha imperatividade que ele não falou "poderá ser", mas o que nós fizemos aqui? Nós porque eu não estava aqui, mas o que o Congresso Nacional fez, Senador Girão, Senador Magno Malta? Retirou o verbo "será" e colocou "poderá ser", justamente para beneficiar aquele playboy filho da classe média, da classe alta, para beneficiar esses motoristas de veículo importado. Não foi para atender a um clamor daquele motorista que está lá com aquele Chevette velho, muitas vezes com pneumáticos carecas, pois para esse é o rigor da lei, para esse até a forma como a polícia atua para que ele seja submetido ao teste é com rigor. Agora, para o filho do rico, é: "você sabe com quem você está falando?". Com o filho do rico, é a mãe que vai ao local do crime e retira o filho da cena do crime.

    Todos somos iguais perante a lei. Isso tem que nos inquietar. Nós não podemos perder a capacidade de indignação, porque esta é uma Casa que tem que legislar para todos. Ela não pode fazer um recorte socioeconômico para atender apenas a uma camada social.

    Esta é uma Casa que não pode ficar legislando, Senador Rodrigo Pacheco... O senhor me perdoe, mas, mais uma vez, eu venho aqui denunciar o que foi aprovado aqui na Comissão de Segurança Pública do Senado, aumentando a pena para o estelionato, que é um crime contra o patrimônio, sem violência ou grave ameaça, cuja pena é de 1 ano a 5 anos, passando para 19 anos de reclusão. Nós não podemos aquiescer que a mesma Comissão aumente a pena de furto de cabo de energia, mas nós não enrijecemos para aquele receptador.

    E esta é a mesma Casa que coloca uma PEC das drogas. É óbvio que tem relevância, porque o recorte é socioeconômico, o recorte vai ser a cor da pele, o recorte vai ser os bolsões de pobreza. Para aquele pobre em uma boca de fumo portando uma bucha de maconha, o despacho fundamentado da autoridade policial eu não tenho dúvida de que não vai ser "portar para uso próprio", vai ser "para tráfico de entorpecente". E aquele jovem que tem uma dependência química, Senador Magno, agora já não vai poder ser rotulado como apenas dependente, ele vai ser rotulado também como traficante.

    A reflexão que faço é: que Código Penal nós queremos? Que lei é essa que nós queremos? Que Justiça é essa que nós vamos defender? A Justiça que sequer faz um teste de etilômetro para um motorista que, na madrugada do dia 31 de março, ocasiona uma morte de um motorista de aplicativo de 52 anos de idade, esse motorista conduzindo um veículo de mais de R$1 milhão? Ou é essa Justiça, a mesma Justiça, que mantém presa uma pessoa que furta desodorante, carne-seca ou um litro de conhaque, a pessoa que furta uma galinha? Essa é uma Justiça seletiva, essa é uma Justiça que criminaliza a cor da pele, essa é uma Justiça que coloca dentro dos presídios, porque não sou eu que estou falando... E olhem que fui Delegado de Polícia por 27 anos.

    Tracem o perfil socioeconômico da população carcerária. São pobres, pretos e semialfabetizados, quando os crimes de maior prejuízo quem pratica somos nós políticos. É um político quando desvia verba de Bolsa Família, é um político quando desvia verba da saúde, é um político quando desvia verba da educação. Aí, sim, mas por que nós aqui não nos empenhamos para tornar crime hediondo o crime de corrupção ativa, o crime de corrupção passiva, o crime de peculato, o crime de extorsão, o crime contra a ordem tributária, o crime contra o sistema financeiro, o crime de sonegação fiscal?! Não, nós não fazemos isso, porque é cômodo para nós – homens, brancos, ricos e engravatados – decidir a vida de milhões de pobres. É cômodo para nós aumentar a pena do furto de cabo de energia...

    O Sr. Magno Malta (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - ES) – Concede-me um aparte, Senador?

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) – ... e do estelionato. É cômodo para nós colocar em uma PEC que porte de substância para uso próprio é crime. Não estamos inovando em absolutamente nada! Nós tínhamos que estar aqui pontuando o que é tráfico, o que é porte para uso próprio. Nós tínhamos que estar aqui aprovando leis para combater, para dar um apenamento muito mais severo para traficante, que é o que eu morro defendendo, mas eu morro defendendo aqui que as cadeias tinham que estar lotadas também de crimes contra a ordem tributária, de crimes de sonegação fiscal, de crimes do colarinho branco, de crimes de corrupção ativa...

    O Sr. Magno Malta (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - ES) – Concede-me um aparte, Senador?

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) – ... de crimes de corrupção passiva, mas não! Vamos legislar, mas vamos legislar para atender, de forma contundente, contra aquele que menos tem vez e voz.

    O Sr. Magno Malta (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - ES) – Concede um aparte, Senador?

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) – Um minuto, eu já vou conceder.

    Eu sempre falo – e vou sempre, enquanto Deus me der vida e saúde, eu vou subir a esta tribuna – que eu queria que por essa porta deste Senado entrasse uma representatividade maior das mulheres. Eu queria que esta Casa tivesse uma representatividade maior dos pretos e dos pardos. Eu queria que esta Casa efetivamente fosse uma Casa em que todos somos iguais perante a lei, tanto da população LGBTQIA+, da população indígena, da população quilombola. Eu queria que esta Casa tivesse uma representatividade maior dos pobres. É dos pobres que eu estou falando.

    Passou da hora de nós políticos derrubarmos os muros do Parlamento e interagirmos com o principal destinatário, que é a população. Mas é ter a coragem de olhar olho no olho. É ter a coragem de entender que todo poder emana do povo e deve ser exercido pelos seus representantes.

    Mas nós temos que ter, como espinha fundamental do Estado democrático de direito, a Constituição da República Federativa do Brasil. E entendendo que todos somos iguais perante a lei. Que não existem brasileiros sub-brasileiros, sub-raças. Que todos somos iguais perante a lei, independente da raça, da cor.

(Interrupção do som.)

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) – Perdoe-me, Sr. Presidente, eu tenho que repetir isso, porque Platão falava que a sabedoria está na repetição. E eu volto a dizer, esta Casa está ratificando aquilo que é a desigualdade que impera nos rincões do Brasil.

    O Sr. Magno Malta (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - ES) – V. Exa. me dá um aparte?

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) – Concedo o aparte ao senhor, Senador Magno Malta.

    O Sr. Magno Malta (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - ES. Para apartear.) – V. Exa. dividiu o seu discurso em duas partes. Na parte que trata da questão da legalização do porte de drogas, de maconha especificamente, minha posição é conhecida no Brasil, e V. Exa. conhece a minha posição. Nela não vou adentrar, porque vou votar a favor.

    Mas quero falar da segunda parte, quando V. Exa. disse que tem dois tipos de justiça, e é verdade. Porque hoje Sérgio Cabral está fazendo podcast e andando pela praia no Rio de Janeiro.

(Soa a campainha.)

    O Sr. Magno Malta (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - ES) – Os assaltantes que desviaram dinheiro público, o irmão Joesley e seu irmão Batista estão soltos. Os denunciantes da Lava Jato estão soltos. Roubaram, desviaram dinheiro público. Joesley disse que deu dinheiro para 1,8 mil políticos, e eu posso falar, porque eu nem conheço esse sujeito. Mas todos estão soltos, todos estão na rua. Desviaram, roubaram dinheiro de creche, dinheiro de fazer segurança pública, que é o dinheiro público que foi roubado por eles.

    Realmente existem dois tipos de justiça. Esses aí saem na audiência de custódia. A Senadora estava dizendo aqui agora, lá do Estado do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul. Anteontem, domingo, um cara foi preso com 420kg de maconha, ou de cocaína, e foi solto na audiência de custódia 24h depois, porque o juiz disse que ele só era uma mula. Então quem comete grandes crimes no Brasil, inclusive a classe política, como disse V. Exa., esses, de colarinho branco, estão na rua.

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) – Obrigado, Sr. Presidente.

    Eu só quero concluir, falando que eu estou eternamente defendendo essa premissa constitucional de que todos somos iguais perante a lei, mas que ainda hoje, infelizmente, se nós traçarmos um perfil sociológico desta Casa aqui, da representatividade, nós não vamos ter uma representatividade da população brasileira, dos pobres, dos pretos, dos pardos, dos indígenas, dos quilombolas, das pessoas com deficiência e da população LGBTQIA+.

    Eu sonho com o dia em que eu vou subir nesta tribuna e falar: eu tenho orgulho de viver no Estado brasileiro onde todos somos iguais perante a lei.

    Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/04/2024 - Página 45