Discurso durante a 77ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Indignação contra os ataques direcionados à Sra. Maria da Penha nas redes sociais e solicitação ao Procurador-Geral da República, Sr. Paulo Gonet, de abertura de investigação contra o canal Brasil Paralelo por suposta disseminação de discurso de ódio contra mulheres.

Autor
Janaína Farias (PT - Partido dos Trabalhadores/CE)
Nome completo: Janaina Carla Farias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Mulheres:
  • Indignação contra os ataques direcionados à Sra. Maria da Penha nas redes sociais e solicitação ao Procurador-Geral da República, Sr. Paulo Gonet, de abertura de investigação contra o canal Brasil Paralelo por suposta disseminação de discurso de ódio contra mulheres.
Aparteantes
Soraya Thronicke, Zenaide Maia.
Publicação
Publicação no DSF de 12/06/2024 - Página 111
Assunto
Política Social > Proteção Social > Mulheres
Indexação
  • REPUDIO, ATAQUE, MARIA DA PENHA, MIDIA SOCIAL, SOLICITAÇÃO, PROCURADOR GERAL DA REPUBLICA, PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, ABERTURA, INVESTIGAÇÃO, CANAL, EMPRESA, PRODUÇÃO, CONTEUDO, EDUCAÇÃO, POSSIBILIDADE, DISCURSO DE ODIO, MULHER.

    A SRA. JANAÍNA FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - CE. Para discursar.) – Boa noite, Sr. Presidente. Boa noite a todas as Senadoras, Senadores e a todos que nos escutam neste momento.

    Queria aqui, hoje, falar de um assunto não muito agradável, mas infelizmente é a realidade que nós estamos vivendo hoje com relação à violência contra a nossa querida Maria da Penha, nossa ativista lá do Ceará.

    É triste constatar que, prestes a completar 80 anos, a ativista Maria da Penha Fernandes, minha estimada conterrânea, precise encarar mais uma batalha para conseguir viver em paz.

    Essa mulher, a quem deveriam ser dirigidas todas as homenagens pelo grande serviço prestado à nação, Senadora Zenaide, em especial às suas meninas e mulheres, vem enfrentando ameaças contra sua integridade física. Ameaças estimuladas por mentiras que, infelizmente, são espalhadas, por exemplo, por aqueles que buscam lucrar os likes obtidos por meio de fake news, divulgadas incertamente pela terra sem lei que é o ambiente das redes sociais. Infelizmente, Senadora Zenaide, é o que a gente sofre hoje com relação às redes sociais sem um controle.

    Com pseudonotícias sensacionalistas, pessoas sem caráter, que não teriam vez numa discussão qualificada, ganham inesperados holofotes por meio de mentiras e, com isso, incitam o comportamento criminoso, espalham a discórdia e acirram práticas violentas.

    Não é necessário, senhoras e senhores, repetir os números da violência que atinge as mulheres. V. Exas. estão cientes do enorme desafio que a segurança de meninas e mulheres representa para todas as pessoas comprometidas com as políticas deste país; sabem que a violência praticada dentro de casa ganhou visibilidade política e amplo espaço no debate político. E, nesse contexto, há quem possa negar a importância das leis que protegem as mulheres, leis que ganharam força justamente a partir da aprovação da Lei Maria da Penha, Presidente.

    Essa lei é absolutamente importante, e ela nasceu de uma história triste e trágica, representada por uma senhora numa cadeira de rodas; uma história documentada e registrada de maneira tão minuciosa que só mesmo a absoluta má-fé poderia negar sua veracidade, Senadora Jussara. E a protagonista dessa história é uma menina cearense, uma menina que, ao contrário de tantas outras, teve uma infância tranquila, pôde frequentar a escola, terminou o ensino médio, tornou-se farmacêutica bioquímica pela Universidade Federal do Ceará e conseguiu fazer um mestrado na Universidade de São Paulo, Senador Cid Gomes.

    Como tantas outras, casou e teve três filhas. Morava no nº 116, na Rua Fausto Cabral, no bairro de Papicu, em Fortaleza. Lá, ela tocava a vida, trabalhava, criava suas três filhas – Viviane, de 6 anos; Cláudia, de 4; e a pequena Fabíola, com 2 aninhos –, e tentava equilibrar um relacionamento conjugal que se desgastava em virtude do comportamento violento do marido.

    Há 41 anos, ela foi acordada por um estampido. Suas sensações, naquele momento, eram conflitantes. Ela sentia um líquido quente borbulhando em suas costas, mas não sentia as pernas. No Hospital Geral de Fortaleza, um grupo de cirurgiões trabalhou durante cinco horas para salvar sua vida. Quando recuperou a consciência, ela ficou sabendo que um tiro de escopeta calibre 20 tinha destruído a terceira e a quarta vértebras de sua coluna torácica, na altura da base do coração, e que dificilmente ela voltaria a andar.

    O inquérito policial foi concluído no ano seguinte. A denúncia do Ministério Público contra seu marido foi aceita pela Justiça dois anos depois. O primeiro julgamento pelo Tribunal do Júri ocorreu após oito anos. O júri, composto por cinco homens e duas mulheres, concluiu que o ex-marido tentou matá-la por motivo torpe, com um disparo de arma de fogo, enquanto ela dormia. Ainda assim – vejam, senhoras e senhores –, o réu continuou em liberdade, aguardando recursos.

    Treze anos depois do crime, um novo Tribunal do Júri, composto por quatro homens e três mulheres, confirmou a sentença. Novos recursos foram interpostos, desta vez à terceira instância. O homicida frustrado permaneceu livre e impune até outubro de 2002, 19 anos depois do crime, quando, finalmente, foi preso.

    Quanto tempo ele ficou na cadeia? Pouco mais de um ano. Depois disso, progrediu para o regime semiaberto e, logo em seguida, obteve liberdade condicional. A esse homem violento foram garantidas todas as oportunidades de defesa. Nenhuma instância judicial pôs em questão a veracidade da denúncia: ele atirou para matar.

    Ao fim de uma jornada de mais de 40 anos de sofrimento, Maria da Penha reuniu forças para buscar justiça, não só para ela própria, mas para todas que, como ela, sofriam vendo seus agressores serem castigados com medidas simbólicas, como o mero pagamento de cestas básicas.

    Em foro internacional Maria da Penha conseguiu o reconhecimento de que o próprio Estado brasileiro falhou com ela e falhava com as mulheres ao dispor de uma lei própria que as protegesse. E, como resultado, hoje, ao contrário daquela época, nós mulheres podemos dizer que temos finalmente uma lei que nos protege. Hoje, graças à Lei Maria da Penha, nós, meninas e mulheres brasileiras, podemos contar com a Lei nº 11.340, de 2006, que esta Casa também aqui aprovou.

    É triste verificar que, após tantas lutas, Maria da Penha precisou ser incluída no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, por constatar que, como resultado de mentiras espalhadas pelas redes sociais, ela se encontra em situação de risco, apoiada pelo Governo do Estado, Governador Elmano, e pelo Ministério das Mulheres.

    Como nós da Bancada Feminina afirmamos em nota divulgada na semana passada, é inadmissível que uma pessoa cuja história de vida simboliza o combate à violência contra a mulher em nosso país, dando seu nome à lei mais importante que temos em defesa das brasileiras, continue sendo vítima de agressões por parte de covardes delinquentes, que se escondem no anonimato digital – a nossa Líder, Leila, propôs de imediato essa carta.

    Vejam bem, quatro décadas depois de escapar da morte, Maria da Penha está novamente sob risco, com quase 80 anos. Ela foi escolhida como alvo de milícias digitais, Presidente, que movimentam contra ela uma campanha desprezível de injúria, calúnia, difamação e ameaças. A coisa para mim é tão inconcebível que fico me perguntando até quando vamos tolerar que gente dessa laia e que aja dessa forma permaneça impune, Senadora Soraya.

    De minha parte, tenho a dizer que, desta vez, Maria da Penha não está sozinha. Estamos todas nessa luta junto com ela, seremos o seu exército. O Governador do Ceará Elmano de Freitas já anunciou que a casa da Rua Fausto Cabral, onde ocorreu o crime em 1983, será transformada em um memorial. O memorial vai consolidar informações e garantir que as futuras gerações tenham ciência dos fatos que culminaram com a aprovação da Lei Maria da Penha. A mentira e o ódio não prevalecerão nem hoje nem no futuro.

    Por fim, informo a esta Casa que eu estou encaminhando nesta tarde ofício ao Sr. Procurador-Geral da República Paulo Gonet, expondo esses fatos e solicitando a instalação de investigação relacionada à possível disseminação de discurso de ódio contra as mulheres por parte do canal Brasil Paralelo, responsável pela produção e distribuição deste suposto documentário que insufla o ódio contra as mulheres. Solicito à Mesa, Sr. Presidente, que cópia desse ofício enviado ao Procurador-Geral da República seja incluída nos Anais desta sessão.

    Realmente, a gente fica indignada pela história...

(Soa a campainha.)

    A SRA. JANAÍNA FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - CE) – ... de você ver as milícias digitais atacando uma senhora de quase 80 anos, que lutou tanto, depois de uma grande tragédia que a deixou numa cadeira de rodas. Então, a gente fica aqui indignada.

    Mas, mais uma vez, quero agradecer e parabenizar a Bancada Feminina, que, de imediato, solidarizou-se com a nossa querida Maria da Penha.

    Obrigada, Presidente.

    O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) – Obrigado, Senadora Janaína.

    A Sra. Zenaide Maia (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - RN) – Sr. Presidente, eu queria fazer só um aparte à nossa Senadora.

    O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) – A Senadora Zenaide Maia tem a palavra.

    A Sra. Zenaide Maia (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - RN. Para apartear.) – Agredir Maria da Penha... Quando a gente pensa que perde a capacidade de se indignar, aí a gente vê uma mulher corajosa, que mostrou a importância da denúncia sobre a violência.

    Então, a gente tem que ter todo esse apoio à Maria da Penha. Isso são criminosos, gente! Se for só ameaça digital... Mas são criminosos ameaçando uma mulher que é um exemplo, gente, não só para o Brasil, mas para o mundo, uma mulher que lutou por uma lei que é uma das mais modernas e que a gente vem aperfeiçoando. E, agora, essa mulher está ameaçada.

    Mas já está com segurança, não é Janaína?

    A SRA. JANAÍNA FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - CE) – Ela já está na proteção. O Governo do estado já colocou...

(Soa a campainha.)

    A Sra. Zenaide Maia (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - RN) – Tem que pegar quem a está ameaçando, porque quem está ameaçando Maria da Penha está ameaçando todas as mulheres brasileiras. Eu não tenho dúvida disso!

    E agora, além de feminicídio seguido, nós temos a autora da lei sendo massacrada, com ameaças, precisando de segurança 24h. A única coisa que a gente quer é viver, gente! Aqui ninguém está pedindo privilégio. A gente está pedindo justiça para mais de 50% da população deste país.

    A SRA. JANAÍNA FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - CE) – É pelo canal Brasil Paralelo, você acredita?

    O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) – A Senadora Jussara concluiu? (Pausa.)

    Perdão. A Senadora Janaína concluiu? (Pausa.)

    A Senadora Soraya deseja fazer um aparte também, Senadora?

    A Sra. Soraya Thronicke (Bloco Parlamentar Independência/PODEMOS - MS) – Concede-me um aparte?

    O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) – Perfeitamente, Senadora Soraya Thronicke.

    A Sra. Soraya Thronicke (Bloco Parlamentar Independência/PODEMOS - MS. Para apartear.) – Eu gostaria de parabenizá-la pelo discurso e de parabenizar também a Bancada Feminina.

    E gostaria de chamar todos os Senadores, homens, para tratarem desse assunto conosco, para se indignarem conosco.

(Soa a campainha.)

    A Sra. Soraya Thronicke (Bloco Parlamentar Independência/PODEMOS - MS) – Esse não é um assunto de mulher, Presidente. Esse é um assunto nosso, esse é um assunto de todos nós. Não é assunto de mulherzinha, com todo o respeito. Tinha que ter um homem. Eu quero ver um Senador agora, nessa tribuna, falando sobre isso e chamando a atenção para essa covardia.

    E quero pedir prioridade de tramitação para projetos que tratam disso. E eu vou colocar dois meus aqui.

    Zenaide, estou indignada. Nós temos uma pré-candidata a Vereadora em Porto Alegre. Ela é um dos grandes símbolos – Bárbara Penna – dessa luta contra o feminicídio.

    Há cerca de dez anos, o companheiro dela ateou fogo nela.

(Soa a campainha.)

    A Sra. Soraya Thronicke (Bloco Parlamentar Independência/PODEMOS - MS) – (Fora do microfone.) Ela se jogou do terceiro andar.

    Não satisfeito, ele matou as duas crianças do casal e o senhor vizinho que foi ajudá-la também foi morto.

    Pois bem, ele foi condenado e, cumprindo pena em Porto Alegre, lá no Rio Grande do Sul, sempre a ameaçou da cadeia.

    Por isso, com ajuda do então Ministro Sergio Moro, eu entrei com projeto de lei para que o cumprimento da pena desse tipo de crime seja feito em outro estado. O agressor deve ficar longe dessa vítima. Bom, a lei até agora não caminhou aqui no nosso Senado Federal, infelizmente, porque ela é de 2022, não andou, está parada em alguma gaveta ou em algum escaninho ou em alguma nuvem aqui, Presidente.

(Soa a campainha.)

    A Sra. Soraya Thronicke (Bloco Parlamentar Independência/PODEMOS - MS) – Ele já cumpriu um percentual da pena e agora entra em regime semiaberto ou em regime aberto. E, na frente do juiz, ele já disse que, quando saísse, iria atrás dela. Ela está desesperada e morrendo de medo.

    Então, nós temos projetos para tratar disso, como o projeto do cão protetor.

    E quero pedir a V. Exa., Presidente – o cão que nós estamos treinando, o Athos, para ser o cão protetor... Por quê? Um cão não tem medo, um cão não descansa. Se uma mulher tem um cão do seu lado, quero ver agressor que chegue perto. Esse projeto precisa andar. E eu vou aproveitar: eu poderia construir essa baia? Quero só a autorização de V. Exa. Falta só uma baia aqui no Senado para que o Athos venha morar aqui e tenha estrutura para ser o cão guia...

(Soa a campainha.)

    A Sra. Soraya Thronicke (Bloco Parlamentar Independência/PODEMOS - MS) – ... que nós copiamos de um projeto de lei que já entrou em vigor em Israel. É possível, de uma forma muito barata, de uma forma muito digna, ter um cão protetor. Então, quero pedir, Presidente.

    Chega disso! Nós não podemos... Nós temos tudo para que esses projetos caminhem.

    Obrigada.

    E parabéns, Janaína!

    Parabéns à bancada feminina!

    E agora vamos aguardar os homens falarem sobre isso.

    A SRA. JANAÍNA FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - CE) – O Presidente vai nos ajudar a votar a lei.

    Obrigada, Presidente.

DOCUMENTO ENCAMINHADO PELA SRA. SENADORA JANAÍNA FARIAS.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

    Matéria referida:

     – Ofício nº 031/2024, enviado pelo Gabinete da Senadora Janaína Farias ao Procurador-Geral da República Paulo Gonet Branco, sobre "Investigação de condutas e medidas protetivas à Sra. Maria da Penha".


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/06/2024 - Página 111