Discurso durante a 82ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Indignação com a sessão realizada nesta Casa que debateu o procedimento de assistolia fetal previamente à interrupção de gravidez, bem como com o Projeto de Lei nº 1904/24, que tramita na Câmara dos Deputados e visa a equiparação da pena de aborto realizado após a 22ª semana de gestação à punição por homicídio mesmo nos casos em que a interrupção da gravidez é permitida por lei.

Autor
Soraya Thronicke (PODEMOS - Podemos/MS)
Nome completo: Soraya Vieira Thronicke
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Direitos Humanos e Minorias, Direitos Individuais e Coletivos, Mulheres:
  • Indignação com a sessão realizada nesta Casa que debateu o procedimento de assistolia fetal previamente à interrupção de gravidez, bem como com o Projeto de Lei nº 1904/24, que tramita na Câmara dos Deputados e visa a equiparação da pena de aborto realizado após a 22ª semana de gestação à punição por homicídio mesmo nos casos em que a interrupção da gravidez é permitida por lei.
Aparteantes
Fabiano Contarato.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/2024 - Página 50
Assuntos
Política Social > Proteção Social > Direitos Humanos e Minorias
Jurídico > Direitos e Garantias > Direitos Individuais e Coletivos
Política Social > Proteção Social > Mulheres
Indexação
  • INDIGNAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, PLENARIO, SENADO, DEBATE, PROCEDIMENTO, ABORTO, EXCEÇÃO, ESTUPRO, COMENTARIO, CONCEPÇÃO, INICIO, VIDA HUMANA, DIVERGENCIA, CONTROLE, CORPO HUMANO, MULHER, HOMEM.

    A SRA. SORAYA THRONICKE (Bloco Parlamentar Independência/PODEMOS - MS. Para discursar.) – Sr. Presidente, caros colegas, a todos que nos assistem, brasileiros, brasileiras, mulheres, pré-adolescentes, meninas, mães, eu venho aqui expressar a minha indignação com a suposta, entre aspas, "audiência pública" que aconteceu no dia de ontem, aqui, dentro deste Plenário.

    Entre aspas por quê? Porque não foi um formato de audiência pública. E sobre isso, estou até me antecipando, estou falando por mim mesma, nem é como Vice-Líder da Bancada Feminina, porque este caso é pauta da reunião de amanhã, e nós tomaremos uma atitude como bancada. Mas, Presidente, já posso antecipar que concordamos com as suas palavras, ontem, de que esse tipo de encenação, esse tipo de reunião, não pode ser permitida aqui dentro do Plenário desta Casa.

    Quero com isso dizer que todos nós aqui somos a favor da vida. A Bancada Feminina é a favor da vida e o aborto é proibido no nosso país, com três exceções dificílimas: o feto anencéfalo, risco de morte da mãe e o estupro. E não é obrigada a abortar quem foi estuprada e por acaso engravidou. Vai quem quer, de acordo com a sua fé, com a sua consciência. Por quê? Porque o Estado é laico.

    E, justamente, quem tanto fala em liberdade quer tolher a liberdade alheia, quer impor a sua fé. Um verdadeiro fundamentalismo! Isso é ditadura. Então, é tão contraditório que chega a ser vergonhoso.

    Eu li o projeto de lei e não vi pena nenhuma para o genitor que vai atrás do médico que vai abortar. Ele paga o aborto, mas ele não tem participação nenhuma. Coautoria, participação, nada disso foi abordado. Quem que foi abordada? A mulher. A menina, sim, para cumprir medida socioeducativa, e o médico ou a médica.

    E o que mais nos espanta, Presidente? É que, no mandato do Presidente Bolsonaro, esta bancada jamais falou do assunto, porque teria certeza que seria sancionado. Por que, agora? Quatro anos para aprovar isso! Por que agora? A vida não importava? Quatro anos e a vida não importava?

    E mais, não sou da área da ciência, da área médica, mas sabe-se que há vida desde a concepção. Então, quer dizer que, até um dia antes das 22 semanas, não há vida, não há dor? Que contradição!

    E mais, eu gostaria muito, mais muito – vou terminar o raciocínio, Fabiano, e vou te dar –, que nossos colegas... Eu queria até o telefone, o contato, daquela senhora que esteve aqui ontem, encenando aquilo que nós vimos. Sabe por quê? Porque eu quero vê-la encenando a filha, a neta, a mãe, a avó, a esposa de um Parlamentar sendo estuprada. Eu quero que ela faça a encenação do estupro agora. Por que não? Se encenaram um homicídio aqui ontem, que encenem o estupro.

    E pergunto para vocês: se é a filha de um Parlamentar aqui, com 10 anos, com 11 anos, com 18 anos, com 20 anos, que é estuprada – esse Parlamentar, diante de um flagrante delito, é obrigado a denunciar –, ele vai fazer o quê? Vai denunciar a filha para 20 anos de cadeia? E se a mulher de um Parlamentar for estuprada e engravidar? Se esta mulher engravidar, então este Parlamentar vai fazer o quê? Vai levar a termo a gestação. Aí, Fabiano Contarato, ele vai acompanhar a gravidez decorrente do estupro na esposa dele e vai dar toda a atenção. No dia em que nascer, ele vai escolher se assume essa criança ou se ele a dá para a adoção. É, mais uma vez, algo que nos choca. E o SUS banca a vasectomia para quem quiser fazer. Ninguém delibera sobre o corpo dos homens. E eu não estou aqui defendendo o aborto, eu sou contra, e o Estado brasileiro também é, com três raras exceções.

    Portanto, é aviltante, é chocante o que querem deliberar sobre o sentimento e a fé de cada uma de nós brasileiras. Que esses Parlamentares nos respondam se iriam denunciar suas filhas, suas netas, suas esposas. E a gente sabe que muitos homens são copartícipes, são participantes, enfim. Agora um detalhe importante – o senhor que é penalista, Presidente –: não é descriminalizar. Sabe por quê? Porque é crime abortar, porém não se penaliza – não se penaliza, é diferente –, continua cometendo um crime, mas não se penaliza porque o fato de ter sido estuprada já é dor suficiente para a pessoa.

    Então, a tecnicidade... Contarato, eu gosto de falar com quem é penalista, com quem entende do que eu estou falando, porque parece que aqui a gente até é a favor e contra a vida o que estão falando.

    Portanto, concedo a V. Exa., meu amigo, a palavra.

    O Sr. Fabiano Contarato (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES. Para apartear.) – Eu quero parabenizar a V. Exa. por ter tido a coragem de trazer à tribuna do Senado Federal esse tema, que, para mim também, Senadora Soraya e Senador Rodrigo Pacheco, eu acho que nós chegamos ontem a uma demonstração de um grau de psicopatia, talvez até de um retorno ao período medieval.

    Eu me assusto com como o Senado está caminhando. Recentemente, o Senado aprovou castração química; agora, ontem, uma encenação do que seria o diálogo de uma vida humana intrauterina que está sendo interrompida, sem nenhum embasamento científico, por puro populismo, por puro grau de apelação, tendo um comportamento que...

    Como você muito bem diz, desde 1940 são três as hipóteses do chamado aborto legal: a anencefalia, quando não há outro meio de salvar a vida da gestante e os casos de gravidez resultante de estupro.

    Minha gente, uma mulher, uma criança vítima de estupro...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Fabiano Contarato (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) – ... um crime hediondo, essa criança de dez anos, se interromper, vai receber medida socioeducativa, ela vai ser internada?! É isso que nós vamos fazer com as nossas crianças?! Criança não é mãe, estuprador não é pai. Isso tem que ser dito, é necessário.

    Agora, o que foi visto aqui ontem é de causar arrepios, é de causar medo, é de causar asco. Eu acho que, sim, nós temos que subir à tribuna para defender a vida, eu não tenho dúvida, mas aquilo que já foi uma garantia das mulheres... Porque, Senador Rodrigo, eu queria que os colegas me apresentassem, por exemplo, uma lei que foi criada que regule qualquer parte de um homem, qualquer parte do corpo de um homem, mas é muito fácil fazer isso com relação às mulheres, num país que ainda é sexista, num país que ainda é misógino, num país que ainda quer reduzir o tamanho da mulher.

    Homens...

(Interrupção do som.)

    O Sr. Fabiano Contarato (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) – Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações por determinação ...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Fabiano Contarato (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) – ... expressa na Constituição Federal.

    Agora, fazer o que nós estamos fazendo, com essa audiência pública que aconteceu ontem, dentro deste Plenário, eu acho que é inaceitável, eu acho que nós não tivemos um mínimo de responsabilidade com a população brasileira, porque não é esse... Imaginem uma pessoa aqui fazer a simulação do que seria o diálogo de uma vida humana intraútero, sem nenhum embasamento científico, sem absolutamente nada.

    Então, eu faço aqui...

    Senadora Soraya, parabéns pela altivez, parabéns pela seriedade, parabéns por estar dignificando, e muito, a honrada classe das mulheres.

    E, mais uma vez, criança não é mãe, estuprador não é pai! É simples assim. Não podemos retroagir, não estamos no período medieval. É necessário que nós tenhamos a firmeza de dar vida, vez e efetividade àquela determinação expressa no art. 128, que muito bem diz:

(Soa a campainha.)

    O Sr. Fabiano Contarato (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) –

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:

[...]

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

[...] [quando a] gravidez [for] resultante de estupro;

.......................................................................................................................................

    E no caso de anencefalia.

    Obrigado, Sr. Presidente.

    O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) – Senadora Soraya, para concluir, por favor.

    A SRA. SORAYA THRONICKE (Bloco Parlamentar Independência/PODEMOS - MS) – Eu vou concluir.

    E, para terminar, em 2019, no Governo Bolsonaro, eu e vários Senadores, não vou citar nomes aqui, estivemos no Ministério da Saúde, ainda no Ministério do Henrique Mandetta, em uma grande reunião, perguntando por que os hospitais – no Governo Bolsonaro, no Governo Bolsonaro nada mudou, ninguém pensou, mas nós fomos perguntar por quê –, quando uma mulher chega a um hospital público e pede para estuprar, e não apresenta... Perdão, requer o aborto, sob a alegação de estupro...

(Soa a campainha.)

    A SRA. SORAYA THRONICKE (Bloco Parlamentar Independência/PODEMOS - MS) – ... o que nós exigíamos era que ela registrasse o boletim de ocorrência. E o que nos foi dito foi... O.k., nós nos calamos e votamos, porque nós entendemos um dos motivos, e eu vou exemplificar. Quem estava lá sabe do que eu estou falando. O que foi dito? Muitas meninas... É diferente uma mulher quando procura um apoio, quando procura a polícia, e uma criança nem celular tem. Uma criança que está sofrendo violência sexual geralmente sofre em casa: é o tio, é o pai, é o padrasto, é o vizinho. Como é que essa criança, olhe só, vai ao hospital – vai ao hospital –, e é denunciado o parente? Porque a ação, quando é com menor, é pública, incondicionada a representação.

(Soa a campainha.)

    A SRA. SORAYA THRONICKE (Bloco Parlamentar Independência/PODEMOS - MS) – Se eu registro um boletim de ocorrência nesse caso de estupro, é obrigatória a abertura de um processo. E como é que essa criança volta para casa? Ela está com o algoz, ela dorme com o algoz.

    Por isso – Mandetta nos disse, e isso nunca foi modificado –, para realmente ajudar e proteger mais, seria assim. Portanto, nós engolimos isso, o.k., eu entendi, e acabou a história. Por que é que isso nasce somente agora, ou renasce?

    Então é para a gente pensar.

    E amanhã, Presidente, a Bancada Feminina vai se manifestar em peso sobre o assunto.

    Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/2024 - Página 50