Discurso durante a 78ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Em fase de revisão e indexação
Autor
Sergio Moro (UNIÃO - União Brasil/PR)
Nome completo: Sergio Fernando Moro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso

    O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Para discursar.) – Senadores e Senadoras, Presidente Pacheco, primeiro quero aqui registrar. Ontem eu estava em viagem a São Paulo, compromisso previamente assumido, mas acompanhei à distância a sua ação em relação à MP 1.227 e quero aqui elogiar a atitude, porque algo que nós precisamos ter no Brasil é segurança jurídica e previsibilidade.

    E uma medida provisória que incrementa a carga tributária, ainda que indiretamente, com uma eficácia imediata, não só atrapalha os negócios em andamento, mas também afasta os investidores.

    Desde o início, eu me pronunciei contra a MP 1.227.

    Esperava rejeitá-la no voto, mas foi um feliz movimento de V. Exa., com respaldo da Casa, da sociedade civil e do empresariado, devolver essa infeliz medida provisória, ainda que em parte. Registro ainda que tem alguns outros problemas no texto não tão graves, mas que podem ser discutidos com calma na tramitação.

    Presidente, hoje quero fazer algo um pouco temerário e que não gosto de fazer, mas terei que fazê-lo, que é uma discussão um pouco antecipada nesta Casa sobre um projeto que tramita na Câmara e que foi, de certa maneira, levantado de volta, na semana passada. É um projeto de lei que está sendo denominado de antidelação, que visa dificultar as delações premiadas.

    Ora, não foi o Brasil que inventou as colaborações premiadas. Não foi o Brasil que inventou as delações premiadas. Nós copiamos o modelo internacional, que se mostrou extremamente exitoso.

    O projeto que está para ser discutido na Câmara visa proibir que alguém que esteja submetido a uma prisão, seja uma prisão preventiva, seja uma prisão definitiva de uma condenação, possa fazer uma colaboração premiada, com o receio – e aí há as pessoas de boas intenções – de que a prisão seja utilizada como mecanismo para forçar uma delação. E aí se criam muitas vezes narrativas fantasiosas.

    Eu posso dar um exemplo aqui. Na Operação Lava Jato, em que se fez um largo uso das colaborações premiadas e que através dela se colheram provas importantes de casos graves de corrupção, o primeiro empreiteiro, Senadora Damares, que fez uma colaboração premiada foi o Ricardo Pessoa, que era o dono da UTC Engenharia, e o fez em liberdade, sem que estivesse submetido a qualquer espécie de restrição de liberdade.

    Mas se nós formos ver os exemplos, inclusive externos, há, sim, casos de pessoas presas que resolveram colaborar. O caso mais famoso, Senador Girão, de um delator que teve um impacto tremendo na vida de um país foi o caso do Tommaso Buscetta, que foi o primeiro delator, chefe da máfia, que, aliás, foi preso no Brasil, traficava cocaína aqui no Brasil e tinha sido chefe da máfia italiana, da Cosa Nostra, foi preso no Brasil e extraditado. Ficou famosa a colaboração dele com o Juiz Giovanni Falcone, que levou o chamado Maxi Processo, isso lá em Palermo, em meados da década de 80.

    Até, então, a máfia era invencível, os grandes chefes ficavam impunes, mas a colaboração do Tommaso Buscetta foi essencial para que se condenassem mais de 300 mafiosos, inclusive lideranças, por assassinatos de juízes, de políticos, de militares, inclusive de um general, General Dalla Chiesa, a prisões perpétuas.

    Vamos olhar o exemplo dos Estados Unidos. O famoso mafioso de Nova York chamado John Gotti, chefe da família Gambino, que tinha um apelido, havia sido processado várias vezes e o chamavam de Don Teflon, porque nenhuma acusação grudava nele. Finalmente, ele foi processado e condenado, graças, entre outras provas, à colaboração de um delator chamado "Sammy the Bull" Gravano, preso.

    Então, a grande questão é se nós vamos estabelecer uma limitação tão severa à utilização do instituto, um instrumento tão importante para o combate do crime organizado? Ao mesmo tempo que nós vemos, infelizmente, no Brasil, o crescimento do PCC, o crescimento do Comando Vermelho, o crescimento também de milícias. Nós vamos simplesmente pegar esse instrumento, criar uma restrição arbitrária, diferenciando quem pode fazer e quem não pode fazer delação?

    Vamos pensar numa situação hipotética, um sequestro em andamento. A polícia prende um dos membros da quadrilha e o sequestrador que foi preso diz que sabe onde está a vítima, viva, e pode possibilitar o resgate. E, aí, você tem uma lei dessas que diz que ele não pode colaborar porque está preso. O que a polícia vai fazer? Soltá-lo para esperar que ele faça uma ligação de volta para poder colaborar?

    Esse projeto padece, ademais, de vários problemas de constitucionalidade, porque a delação premiada, a colaboração premiada é sim, na perspectiva da polícia, dos agentes da lei, um meio para colher provas contra os seus cúmplices, contra os cúmplices do delator, para desmantelar uma quadrilha, para chegar a provas. No entanto, na outra perspectiva, é um instrumento da defesa do colaborador. E estabelecer simplesmente que ele não pode colaborar porque está preso é retirar-lhe um desses mecanismos de defesa importantes; é como se a lei estabelecesse que ele estivesse proibido de confessar enquanto mantido dentro do cárcere, porque também a confissão lhe traz um benefício, que não seja colaboração, mas a confissão lhe traz o benefício da atenuante.

    Sob todos os aspectos, esse projeto deve ser rejeitado pelo Congresso, seja aqui no Senado, seja na Câmara, ou, pelo menos, aprimorado, porque ele padece de inconstitucionalidade, porque a delação é um instrumento poderoso contra o crime organizado, porque podem existir situações de urgência em que se reclame uma colaboração de um delator que esteja preso e não haja condições de colocá-lo em liberdade.

    Quero fazer aqui o alerta de que alguns defendem esse projeto sob o argumento de que poderia desconstituir colaborações ou delações pretéritas com as quais as pessoas, eventualmente, não concordem. Eu acho que casos individuais de eventuais abusos, delações de que, eventualmente, não se goste ou de que se tenha desconfiança, seja em relação a um, seja relação ao outro, têm que ser tratados individualmente e não através de regras gerais que eliminem a valia desse instituto.

    E, aqui, nós podemos fazer uma última reflexão, Senador Veneziano: nenhum ordenamento jurídico do mundo faz essa espécie de distinção, estabelecendo que alguém preso não possa fazer um acordo de colaboração premiada...

(Soa a campainha.)

    O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) – ... fazer um acordo de delação premiada. Se nós adotarmos uma medida dessas aqui no Brasil, estaríamos cometendo uma extravagância em relação a todos os ordenamentos jurídicos do mundo. Só isso já é uma sinalização de que não é este o caminho, não é essa a solução correta para se trabalharem eventuais problemas que existam nas colaborações premiadas. Não podemos abdicar desse instrumento poderoso contra o crime organizado nem restringir direitos constitucionais de defesa de quem se encontra respondendo a processo, quer preso, quer solto.

    Espero que a Câmara possa ter a reflexão necessária para decidir e votar esse projeto com sabedoria. Caso ele chegue com essa restrição aqui no Senado, já adianto o meu posicionamento de que serei veementemente contra essa restrição arbitrária.

    Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/06/2024 - Página 61