Discurso durante a 94ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre a Confederação do Equador, movimento revolucionário ocorrido em 1824, de origem pernambucana, que se opôs ao modelo absolutista e centralizador vigente.

Autor
Teresa Leitão (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Maria Teresa Leitão de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Homenagem:
  • Reflexões sobre a Confederação do Equador, movimento revolucionário ocorrido em 1824, de origem pernambucana, que se opôs ao modelo absolutista e centralizador vigente.
Publicação
Publicação no DSF de 04/07/2024 - Página 29
Assunto
Honorífico > Homenagem
Indexação
  • COMENTARIO, HISTORIA, ANIVERSARIO, BICENTENARIO, CONFEDERAÇÃO, EQUADOR, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), MONARQUIA, REPUBLICA, IMPERADOR.

    A SRA. TERESA LEITÃO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para discursar.) – Boa tarde, Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores e todos que acompanham as redes do Senado.

    É um prazer estar aqui nesta tribuna para rememorar, Sr. Presidente, um ato muito importante que houve ontem, em Pernambuco, no qual eu tive a honra de representar o Senado Federal na condição de Presidenta da Comissão extraordinária que trata do bicentenário da Confederação do Equador.

    O movimento foi deflagrado exatamente no dia 2 de julho de 1824. Há exatos 200 anos, Pernambuco dava amostras do caráter forte e determinado de sua gente. Eram tempos agitados, quando se encontrava em discussão que tipo de país poderíamos construir, uma vez alcançada a autonomia em relação à metrópole portuguesa.

    Nossa Província de Pernambuco rejeitou enfática e explicitamente o retrocesso representado pela construção de um país calcado na desigualdade regional. Desde a chegada da família real ao Rio de Janeiro, em 1808, fugindo dos exércitos de Napoleão, talvez menos pelo medo da guerra em si do que pelo medo dos ventos de mudança que eles traziam, houve uma simples transposição do parasitário Estado português para a nova corte.

    A imposição de novos tributos para a sustentação da corte no Rio drenava a riqueza das províncias, ao mesmo tempo em que não era possível perceber vantagens claras na manutenção daquela nova administração distante, cara e ineficiente, sobretudo para nós, do Nordeste e do Norte.

    A grande explosão política, representada pela Revolução de 1817, que instituiu uma República no Estado de Pernambuco durante 75 dias, assustou a corte, que reagiu impondo severa censura à circulação de ideias e condenando à morte aqueles que lideraram o movimento, de forma a servirem de exemplo.

    O próprio líder da Confederação do Equador também participou da Revolução de 1817, o nosso Frei Caneca, e ficou detido por quatro anos.

    O desfecho da separação formal, decretada pelo Príncipe regente, agora Imperador, não resolveu a questão interna: como organizar as várias partes que compunham o novo país, agora separado de Portugal?

    Os governos provinciais detinham, naquele momento, autonomia, por força da determinação da Revolução Liberal do Porto de 1820, que também buscava limitar um pouco o poder do rei no outro lado do Atlântico. Essa situação beneficiava províncias mais avançadas, como era o nosso caso, modéstia à parte.

    A assembleia constituinte que fora convocada mesmo antes do Sete de Setembro passou a se reunir com Deputados de todas as províncias, optando por uma proposta de texto constitucional na qual prevalecessem as decisões do Poder Legislativo sobre o Executivo, pendenga que até hoje nós enfrentamos – não é, Presidente? –, a relação entre os três Poderes. Até hoje, dois séculos depois, ainda temos muito o que aperfeiçoar nessa relação.

    D. Pedro I não permitiu que a discussão avançasse. Dissolveu a assembleia constituinte e trouxe um texto constitucional pronto, no qual inovou, estabelecendo um poder pessoal e intransferível ao Imperador sobre os outros Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário –, já àquela época constituídos.

    Chamava-se esse poder, instituído por D. Pedro I, de Poder Moderador. O seu exercício representava, no entanto, tudo, menos moderação, aproximando-se bastante do modelo absolutista.

    Para dar uma aparência democrática, o Imperador determinou que a nova Constituição de 1824 fosse jurada pelas Câmaras de Vereadores, ao mesmo tempo em que designou Governadores provinciais de forma açodada, sem respeitar vontades regionais.

    Naquele tempo, já se escolhia pelo voto, mas esse voto não mereceu do Imperador o respeito.

    Esse ato de força reacendeu o pavio revolucionário em Pernambuco, levando à proclamação da Confederação do Equador, uma proposta política que parecia mais adequada ao desejo de manutenção de autonomia política, então recentemente alcançada pelas províncias, e, na prática, sendo negada pelo Imperador.

    Outros estados aderiram à confederação, como Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.

    Em razão da forte reação do Imperador, apoiado nas elites das províncias mais próximas da corte, a adesão das outras províncias convidadas a comporem a confederação não se completou, levando, portanto, à derrota.

    A repressão à confederação foi pródiga em mártires, destacando-se o seu representante principal, Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, arcabuzado em 13 de janeiro de 1825, um Frade carmelita, um estudioso, um acadêmico, um profundo conhecedor das leis, das letras, que instituiu, inclusive, uma gramática da língua portuguesa, durante os quatro anos em que esteve no cárcere, e, ao mesmo tempo, um verdadeiro militante, um verdadeiro comunicador. Era, portanto, visto pelo Imperador como um subversivo perigoso. Frei Caneca e tantos outros foram detidos e mortos. Apesar das tragédias pessoais e do drama histórico, hoje nos interessa lembrá-los, não tanto por suas mortes terríveis e emblemáticas, senão pela incrível atualidade de suas propostas.

    Hoje, nós vivemos em um país, em uma República Federativa, e o pacto federativo ainda está por ser aperfeiçoado. Ainda não conseguimos equacionar, em nosso país, a questão federativa. Somos, formalmente, uma Federação, mas extremamente dependentes de vontades e de políticas do poder central, por vezes ignorando as realidades regionais, a depender do perfil do governante: se ele respeita e pratica a coordenação federativa – como é o que vemos hoje no Governo do Presidente Lula – ou se simplesmente a ignora e pratica o "salve-se quem puder", inclusive em momentos de tragédias.

    Permanecemos discutindo a questão...

(Soa a campainha.)

    A SRA. TERESA LEITÃO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... da verdadeira força da nossa representação política, em razão de regras de escolha que, às vezes, contrariam a vontade popular. A obrigação de combate às desigualdades regionais vem sendo inscrita em várias Constituições, mas continua esquecida e desrespeitada, sucumbindo aos interesses dos grandes Estados internacionais e das pequenas visões políticas.

    Caneca acreditava que os homens deviam passar de súditos, devedores de obediência ao rei soberano, a cidadãos, detentores de soberania para a participação e representação. Mas, em pleno século XXI, ainda vemos políticos que querem reduzir o cidadão e a cidadã não a súdito ou súdita, mas a escravo de seu comando ou de suas manipulações.

    Cabe a nós – a nós todos – recuperarmos o legado...

(Soa a campainha.)

    A SRA. TERESA LEITÃO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... de Frei Caneca, atualizando-o no que for necessário, para que possamos voltar a avançar na construção de um Brasil mais justo, solidário, cidadão e verdadeiramente dedicado ao resgate da nossa dívida social com os mais necessitados.

    Esta é uma tarefa nossa, da Comissão que, com muita honra, eu presido aqui no Senado: queremos fazer a Confederação do Equador conhecida de todo o Brasil.

    E concluo saudando os 200 anos da Confederação do Equador e saudando a minha terra, que foi berço dessa Confederação, a terra dos altos coqueiros.

    Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/07/2024 - Página 29