Pronunciamento de Fabiano Contarato em 03/07/2024
Discurso durante a 94ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Registro do Dia Nacional do Combate à Discriminação Racial, comemorado nesta data, e denúncia do Brasil como país racista. Solidariedade à Deputada Federal Benedita da Silva, pelo suposto ataque racista sofrido.
- Autor
- Fabiano Contarato (PT - Partido dos Trabalhadores/ES)
- Nome completo: Fabiano Contarato
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
Direitos Humanos e Minorias,
Homenagem:
- Registro do Dia Nacional do Combate à Discriminação Racial, comemorado nesta data, e denúncia do Brasil como país racista. Solidariedade à Deputada Federal Benedita da Silva, pelo suposto ataque racista sofrido.
- Publicação
- Publicação no DSF de 04/07/2024 - Página 43
- Assuntos
- Política Social > Proteção Social > Direitos Humanos e Minorias
- Honorífico > Homenagem
- Indexação
-
- REGISTRO, DIA NACIONAL, COMBATE, RACISMO, DISCRIMINAÇÃO, NEGRO, ATAQUE, EX-SENADOR, MULHER, DEPUTADO FEDERAL, BENEDITA DA SILVA.
O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES. Para discursar.) – Sr. Presidente, senhoras e senhores, hoje é o Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial. Hoje, eu queria ver vários Parlamentares subindo a esta tribuna para denunciar que o Brasil ainda é um país racista; para denunciar que, no Brasil, ainda se julga pela cor da pele; para denunciar que o Brasil ainda criminaliza a pobreza.
Basta você verificar e traçar o perfil socioeconômico da população carcerária do Brasil. Pretos, 70% da população carcerária, quando os crimes que maior prejuízo causam quem pratica são políticos. Isso porque, quando um político desvia verbas da saúde, ele está matando milhões de pessoas. Quando um político desvia verbas da educação, ele está matando milhões de pessoas. E qual é o percentual da população carcerária de crimes contra a ordem tributária, de crimes contra o Sistema Financeiro, de crimes de corrupção ativa, de corrupção passiva, de peculato, de crimes contra a administração pública? Esses são blindados, por este Parlamento inclusive, porque, aqui nesta Casa, sistematicamente, nós aprovamos leis que, mais uma vez, agravam e acentuam a discriminação racial no Brasil.
Quero aqui também, Sr. Presidente, me solidarizar com a nossa companheira, a Deputada Federal – uma brilhante Parlamentar – Benedita da Silva, que foi a primeira Vereadora negra, que foi a primeira Governadora negra, que foi a primeira Constituinte negra e que, ontem, sofreu um ataque brutal por uma Parlamentar, cujo nome eu não vou sequer citar, bolsonarista, chamando-a de "Chica da Silva", com comportamento extremamente racista. E quero lembrar que racismo está previsto na Constituição Federal como um dos poucos crimes que são inafiançáveis e imprescritíveis.
É preciso que nós tenhamos a coragem de subir a esta tribuna e dizer isso diuturnamente. Porque é cômodo para nós, na grande maioria homens, na grande maioria brancos, na grande maioria ricos engravatados, decidir a vida de pobres, de pretos, de pardos, de quilombolas, de indígenas. É muito fácil! Eu queria ver se nós tivéssemos o mesmo rigor aqui para tratar de todos os crimes contra a administração pública praticados por funcionário público ou por político. Aí eu queria ver a população carcerária; aí eu queria ver, efetivamente, a aplicação do art. 5° da Constituição Federal, que diz que todos somos iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza. Estamos longe de ter essa realidade, porque, no Brasil, uns são mais iguais que outros.
E eu não poderia deixar aqui de me solidarizar com a nossa querida Deputada Benedita da Silva por esse ataque racista. Eu queria, mais uma vez, falar que eu tenho dois filhos, que são a razão da minha vida – eles são a razão da minha vida! –, mas, se antes eu era antirracista, só depois que eu tive os meus dois filhos negros, que são a razão da minha vida, eu sinto cada vez mais, eu sinto, inclusive, o olhar que traçam ou que apontam para os meus filhos. Mas eu estarei, aqui ou em qualquer lugar, defendendo que essa premissa constitucional de que todos somos iguais perante a lei ganhe vida, vez e voz dentro do Estado brasileiro, porque ainda nós temos um Brasil que é racista, um Brasil que criminaliza a cor da pele, que desqualifica a pessoa por ser negra.
É preciso dizer isso! É preciso dizer isso! É preciso provocar a queda de máscara das instituições. Quantas pessoas aqui ou que estão nos assistindo, quando veem dois homens negros, atravessam a rua? Quantas pessoas que, quando a população negra consegue se formar num curso de medicina... Até recentemente pacientes se recusando a serem atendidos por um médico porque ele é negro? Essa é a realidade do Brasil!
Falar que no Brasil não tem racismo é fechar os olhos para esse racismo estrutural. O Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão. Mas, tudo bem, deu a liberdade, mas continuou esse abismo para a igualdade que não existe.
Volto a falar que, quando um homem ou uma mulher preta assume espaços de poder, ele não está ali sozinho, em nome próprio; ele está carregando milhões de brasileiros, milhões de brasileiros. Daí a importância de combatermos o racismo. Daí a importância de que pessoas... Assim como eu quero que os meus filhos tenham a sensibilidade e eles acreditem, porque eu vou incutir isto neles: que eles podem e eles vão ocupar qualquer espaço que eles queiram ocupar.
É porque esse Brasil que julga pela cor da pele, esse Brasil que é racista, esse Brasil que ainda criminaliza a pobreza tem que ser uma meta de todos nós, para romper com essa lógica famigerada, perversa, racista. Não existe democracia com racismo! Não existe democracia! É simples assim. Mas eu queria que os meus colegas Parlamentares exercessem mais a empatia, se colocassem um pouco na dor do outro e entendessem que efetivamente nós ainda vivemos num Brasil que é racista.
Faço esta provocação: qual foi a última vez que você participou de uma audiência pública e essa audiência foi presidida por um juiz negro? Faço esta provocação: quando você foi ao médico e o médico que lhe atendeu foi um médico preto? Faço esta provocação: quando foi que você viu um embaixador, representando o Brasil em qualquer lugar desse planeta, preto? Agora eu te faço um convite a olhar a população carcerária. Agora eu te faço um convite a olhar o percentual de brasileiras e brasileiros que fazem parte da população preta e parda, que são a maioria, e que nós ousamos criminalizar e minorizar, porque não são minorias, são maiorias minorizadas.
Assim como Martin Luther King teve um sonho, eu também tenho esse sonho. Eu sonho o dia que eu não vou ser julgado por minha orientação sexual. Eu sonho um dia que meus filhos não vão ser julgados por serem pretos ou pardos ou que a mulher não vai ser julgada por ser mulher ou um homem por ser idoso. Esse dia não chegou. Mas eu estarei aqui bradando, gritando, para falar que eu não compactuo com o Estado democrático que criminaliza a cor da pele. Eu estarei aqui para lutar para que tenhamos mais desembargadores, mais juízes, mais embaixadores, mais Senadores, mais Deputados, mais Governadores, mais Presidente pretos e pardos. Aí, sim, nós teremos uma democracia em que todos seremos iguais perante a lei.
Finalizo, Sr. Presidente, com um poema de Manoel Bandeira, em homenagem, em solidariedade à minha querida Deputada Benedita da Silva, que muito honra a honrada classe dos políticos, que muito honra a honrada classe das mulheres, da população preta.
Irene no céu
Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor
Imagino Irene entrando no céu:
- Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.
Vocês população preta e parda não precisam pedir licença.
Muito obrigado, Sr. Presidente.