Discurso durante a 126ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Exposição sobre o artigo do antropólogo Roberto DaMatta, publicado no jornal O Globo, sobre polarização e má-fé.

Autor
Jorge Kajuru (PSB - Partido Socialista Brasileiro/GO)
Nome completo: Jorge Kajuru Reis da Costa Nasser
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Atividade Política, Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, Imprensa:
  • Exposição sobre o artigo do antropólogo Roberto DaMatta, publicado no jornal O Globo, sobre polarização e má-fé.
Publicação
Publicação no DSF de 03/09/2024 - Página 20
Assuntos
Outros > Atividade Política
Soberania, Defesa Nacional e Ordem Pública > Defesa do Estado e das Instituições Democráticas
Outros > Imprensa
Indexação
  • EXPOSIÇÃO, ARTIGO, JORNAL, O GLOBO, ANTROPOLOGO, ROBERTO DA MATTA, POLARIZAÇÃO POLITICA, MA-FE, DEMOCRACIA, TOLERANCIA.

    O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - GO. Para discursar.) – Voz superatuante da nossa Roraima querida, Senador Chico Rodrigues, sempre pontual quando preside as sessões.

    Paim e eu não temos conta-corrente, graças a Deus. É uma amizade sincera e altamente respeitosa.

    Aos brasileiros e brasileiras, minhas únicas vossas excelências, aos jovens senhores e senhoras que estão aqui nas galerias, o meu desejo de Deus, saúde, alegrias e vitórias em suas vidas, de seus familiares e de seus amigos, neste 2024.

    Eu ocupo esta tribuna hoje, 2 de setembro de 2024, para falar sobre o artigo escrito pelo antropólogo brasileiro Roberto DaMatta, publicado recentemente no jornal O Globo, em que discorre sobre polarização e má-fé. A meu ver, pátria amada, texto de leitura obrigatória, quase irretocável.

    Permito-me a ousadia de apenas um reparo. Embora cite Hitler e Stalin, ideologicamente antagônicos, quando fala dos vivos, o antropólogo DaMatta nomina apenas políticos de um lado do espectro político, identificáveis como de esquerda. Por equidade, deveria fazer reparos também a posicionamentos de líderes atuantes de hoje situados à direita, muitos deles protagonistas no estímulo à polarização através das redes sociais.

    No conjunto, porém, trata-se de uma aguda reflexão, costurada com a sofisticação de quem fez mestrado e doutorado na renomada Universidade de Harvard, Estados Unidos.

    Vamos a trechos dela.

Temos corpos repartidos em esquerda e direita. Mãos, pés, olhos, narinas, ouvidos, dedos, hemisférios cerebrais, tudo tem um outro polo que não é "reserva" ou "duplicata", mas complemento. Somos constitucionalmente duplos, e nossa natureza bipolar facilita a automistificação.

Polarizar é parte de nossa natureza. Entretanto ela tem sido usada mais para dividir e condenar que para compreender. Os lados se complementam, mas, na politicagem, o conceito bloqueia a relativização. Passa a ser prova de certezas, quando o que está em jogo são circunstâncias e limites.

    Continuando, Roberto DaMatta assinala que:

Polarização é uma palavra mais apropriada para uma enfermidade em que represento a verdade, enquanto você exprime erro e ignorância [embora a ignorância seja a maior multinacional do mundo]. Tudo o que digo traduz boa consciência do mundo e das coisas; ao passo em que você é a personificação da má-fé. Estamos afundados nessa dualidade não complementar e destrutiva já faz tempo.

    Mais adiante em seu artigo, o antropólogo autor do celebrado livro Carnavais, Malandros e Heróis afirma:

A má consciência revela um autoritarismo rigoroso e, no limite, é o berço dos fascismos. O Diabo, que sempre desejou a morte de Deus e de suas incertezas, é fascista. Para ele, não pode haver outro lado além do seu. Eu tenho amor; você, ódio. A outra mão deve ser englobada em todas as situações. O aleijão resultante não é problema. Podemos viver sem um lado, como manda a lógica da má-fé e dos ficcionalismos modernos.

    De acordo com o antropólogo, que acaba de completar 88 anos de idade:

A má consciência é madrinha dos particularismos [...]. [Assim, abro aspas] quando julgamos a esquerda subversiva e a direita reacionária, não contribuímos para a clareza. Pelo contrário, apagamos a luz do lado que consideramos inútil, malvado ou demoníaco.

Polarizar não é opor com objetivos de esclarecer ou enxergar melhor. É, como tristemente testemunhamos, um modo de esvaziar o outro lado de razão.

No fundo, trata-se de mutilar o debate, o contraste, a identidade e a compreensão pela eliminação moral ou ideológica do outro, porque temos a bala de prata do certíssimo, do claríssimo e do crudelíssimo. Só nós contamos, porque estamos absolutamente certos de que ultrapassamos a eterna dúvida humana que faz parte de nosso caminhar [fecho aspas].

    Segundo Roberto DaMatta, nos regimes democráticos é essencial a mudança periódica dos cargos públicos, fundada em direitos individuais que sustentam um acordo pela transitoriedade do poder. Ele enfatiza que, abro aspas:

Para realizar tal objetivo, regimes democráticos articulam eleições – competição eleitoral em que se submetem ao julgamento da população de cidadãos, aqueles que votam e elegem seus candidatos por um período delimitado. A regra eleitoral é um dos melhores exemplos de norma universalista, pois vale para todos os candidatos e todos os votantes. Trata-se de "jogo inclusivo" e, como sabemos, arriscado.

    Para o antropólogo, nascido em Niterói, o jogo eleitoral, abro aspas:

Como um jogo de poder, ele desperta paixões espúrias e, em países cuja estrutura social se funda em valores aristocráticos e elitistas, existe permanente tentação de eliminar o opositor. O golpe nasce e cresce como malfadado projeto, justamente quando a polarização assegura certezas e armazena os argumentos das balas de prata que salvariam a sociedade. Trata-se de um pantanal ético de que – valha-me [meu] Deus! – ninguém escapa! [fecho aspas].

    Concluo.

    Tentar escapar das armadilhas da polarização nos tempos atuais é quase missão impossível; um desafio para lá de gigantesco que tem de ser encarado. Vejo a luta contra a polarização como um dever por parte de quem ambiciona ver um Brasil mais tolerante, com desenvolvimento econômico, mais fraternidade e justiça, menos concentração de riquezas, mais distribuição de renda e menos desigualdades sociais.

    Fecho, Presidente Chico Rodrigues, Senador Paulo Paim e Senador Confúcio Moura, presentes, e aqueles que nos acompanham de outra forma e de seus gabinetes.

    Eu tenho saudades dos tempos em que era jornalista em rede nacional de televisão, agora completando 50 anos de carreira também nacional. Eu era colunista da Folha de S.Paulo, trabalhava em todas as TVs abertas e fechadas e, quando eu via alguém perder a eleição, esse perdedor erguia a cabeça, chorava em casa, seguia a sua vida, e não havia conflitos familiares.

    É muito triste ver hoje, entre os meus amigos de infância, que há alguns que não falam comigo mais por causa de opiniões em que não concordam comigo. Preferem a inimizade a uma amizade que eu tinha com eles, de 50 anos. Será que era amizade? Hoje eu vejo divórcios – divórcios! – de meus amigos de infância, de adultos. Hoje eu vejo – e vou falar até o nome dele aqui – o músico Ivan Lins, cujos irmãos e irmãs não falam mais com ele por causa de uma discussão política. Há irmão que rompeu com irmã – aqui dentro do Senado tem vários exemplos.

    Eu sou feliz porque, toda terça-feira à noite, na minha casa, recebo para um jantar Senadores bolsonaristas, alguns radicais, mas nós convivemos bem, entre 14, 15, 16 – Izalci já esteve lá, Girão já esteve lá, Chico também. A gente conversa ideologicamente, porém, respeitando a opinião do outro, e nenhum desqualifica a opinião do outro. Ficamos até meia-noite, uma hora da manhã, toda semana. Poxa! Isso é bonito! E isso acontece aqui, nesta Casa maior, que, para mim... Eu faço aquela brincadeira, que não é de mau gosto, mas é o que os funcionários do Congresso falam: o Senado é o aeroporto e a Câmara é a rodoviária, porque a Câmara tem um lado "chiqueiral", ou seja, chiqueiro. Tem muita gente boa lá, que eu respeito, mas o nível não é o mesmo que nós temos aqui. Então, este nível que nós temos aqui vamos passar para o Brasil para que, de uma vez por todas, não haja essa polarização entre o amor e o ódio, porque todos nós...

    Senador Chico Rodrigues, eu sei o tanto que você é do bem, o tanto que você é de paz, que você compreendeu perfeitamente este meu pronunciamento – agradecidíssimo.

    E repito aos funcionários desta Casa, do tripé TV Senado, Rádio Senado e Agência Senado: desejo uma ótima semana, iluminada e abençoada a todos, sem nenhuma exceção, aos funcionários e às funcionárias desta Casa, que são o nosso patrimônio maior.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/09/2024 - Página 20