Discurso durante a 140ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a suposta inércia da Justiça brasileira no combate à corrupção, destacando a condenação do Sr. Glenn Oztemel, nos EUA, por suborno a funcionários da Petrobras. Críticas à atuação do STF e do Governo Lula em relação ao tema.

Autor
Sergio Moro (UNIÃO - União Brasil/PR)
Nome completo: Sergio Fernando Moro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Assuntos Internacionais, Atuação do Judiciário, Direito Penal e Penitenciário, Governo Federal:
  • Preocupação com a suposta inércia da Justiça brasileira no combate à corrupção, destacando a condenação do Sr. Glenn Oztemel, nos EUA, por suborno a funcionários da Petrobras. Críticas à atuação do STF e do Governo Lula em relação ao tema.
Aparteantes
Esperidião Amin.
Publicação
Publicação no DSF de 09/10/2024 - Página 24
Assuntos
Outros > Assuntos Internacionais
Outros > Atuação do Estado > Atuação do Judiciário
Jurídico > Direito Penal e Penitenciário
Outros > Atuação do Estado > Governo Federal
Indexação
  • COMENTARIO, CONDENAÇÃO CRIMINAL, JUIZ, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), PAGAMENTO, PROPINA, CORRUPÇÃO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), CRITICA, OMISSÃO, JUDICIARIO, BRASIL, ANULAÇÃO, OPERAÇÃO LAVA JATO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), GOVERNO FEDERAL, PRESIDENTE DA REPUBLICA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA.

    O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Para discursar.) – Boa tarde a todos.

    Agradeço a atenção dos colegas, em especial a do Senador Esperidião Amin, que fez a gentileza de trocar comigo de posição, embora eu fosse imediatamente após. É uma simples inversão, então.

    Faço o registro aqui de uma notícia que saiu semana passada, mas a que não foi dada muita atenção pela mídia brasileira. Em 26 de setembro de 2024, um júri federal em Connecticut, nos Estados Unidos, condenou a oito anos de prisão um indivíduo chamado Glenn Oztemel. O motivo? Pagou propinas, subornos a funcionários públicos da Petrobras, a estatal brasileira. Segundo os dados do caso, que foram divulgados pelo Departamento de Justiça norte-americano, entre 2010 e 2018, esse indivíduo teria pago subornos reiterados a funcionários da Petrobras para obter contratos lucrativos em favor das empresas Arcadia Fuels e Freepoint Commodities. Foi um júri federal de Connecticut, nos Estados Unidos.

    Por que essa referência específica aqui é apropriada? É vergonhoso, Senador Esperidião Amin, que nós estejamos vendo a Justiça estrangeira se encarregar de corrupção ocorrida no Brasil. Não é por falta da jurisdição estrangeira – não faço aqui nenhuma reclamação quanto a isso –, mas pela ausência da Justiça, de aplicação de justiça para crimes de corrupção aqui no Brasil.

    Temos que indagar se esses funcionários da Petrobras que receberam propina, o que levou à condenação do corruptor lá nos Estados Unidos por um júri federal, estão igualmente sendo processados e se foram condenados aqui no Brasil; ou se foram condenados e os processos foram anulados. Ou, pior, pode ter acontecido de eles terem feito acordo e, de repente, anulado, uma virada de mesa – foram coagidos os pobres coitados funcionários públicos, enriquecidos com dinheiro sujo, acompanhados dos melhores advogados do país, e têm a coragem de afirmar perante o Supremo Tribunal Federal que teriam sido coagidos. E mais estranho ainda é alguém acolher uma tese, um álibi dessa espécie.

    Enfim, o que nós vemos hoje é um quadro de absoluto deserto de prevenção e combate à corrupção no Brasil do Governo Lula. Isso é sintomático. Já foi revelado desde o início, Senador Plínio Valério, quando partidos satélites do PT promoveram a ação perante o Supremo para suspender a Lei das Estatais e conseguiram liminar do atual Ministro da Justiça, então Ministro do Supremo. E, depois, o Supremo revoga essa liminar, mas mantém as nomeações. Quem, Senadoras e Senadores, está sendo processado no Brasil hoje em dia por crime de corrupção?! As notícias são só de anulações mal fundamentadas. Respeitamos as decisões do Supremo, mas tem que ser dito: decisões que não se sustentam juridicamente, nem sequer do ponto de vista da competência, como bem aponta, inclusive, o Procurador-Geral da República. Não há justificativa para esse salto quântico das instâncias judiciais, para que casos que foram julgados pelas instâncias ordinárias, muitas vezes já transitados em julgado, e acordos que foram firmados nas instâncias ordinárias ou até mesmo por outros Ministros do Supremo serem sistematicamente anulados sem que haja fundamentos jurídicos para tanto.

    E aí somos submetidos a este vexame de ver a corrupção praticada no Brasil sendo julgada e combatida não pelas cortes de Justiça brasileiras, mas pela Justiça norte-americana, porque lá, pelo menos, a lei se aplica, o rule of law, o império da lei, enquanto aqui o cenário é completamente de terra arrasada. Não é só na instância máxima, mas o recado que se manda para as instâncias ordinárias é este: não vale a pena você investigar, não vale a pena você combater a corrupção, porque não tem segurança jurídica e porque, de um jeito ou de outro, agora ou mais adiante, vão dar um jeito para anular esses processos.

    Como disse, sempre fui alguém, Senador Esperidião, que respeitou as instituições. De mim não vêm ataques, de mim não vêm agressões pessoais, mas esse quadro desalentador nos leva ao abismo.

    Roma caiu, e todos sabem disso, o grande Império Romano, não pelas invasões bárbaras; muito antes, ela havia decaído. Vamos ler Edward Gibbon, que trata do declínio do Império Romano, porque ele fala de devassidão e corrupção de Roma, dos costumes. É claro que isso tem diversos sentidos, mas, quando os governantes passam a governar para si mesmos e não mais para a população, quando passam a esbanjar, a usufruir da luxúria, a esquecer de aplicar a lei, a corromper os costumes e a buscar o enriquecimento ilícito, sem que encontre freios na lei ou nas cortes de Justiça, o declínio está aí, chegando.

    Temo pelo que pode acontecer no Brasil da frente. Não, não é de terra arrasada, de algo dessa espécie ou de invasões bárbaras que falo, mas as pessoas vão vendo isso, Senador! As pessoas vão vendo e vão ficando com a sensação de que não vale a pena cumprir a lei, não vale a pena ser honesto. O pai de família não tem condições de chegar à casa dele e dizer para o filho dele que roubar é errado. E aonde nós vamos chegar com isso?

    Senador, quer um aparte?

    O Sr. Esperidião Amin (Bloco Parlamentar Aliança/PP - SC. Para apartear.) – Sim. Eu quero dizer que o quadro realmente é deplorável.

    Senador Plínio Valério, além de se perceber essa absoluta omissão em matéria de combate à corrupção, foi muito bem frisado o ocorrido com a Lei das Estatais: em 15 de março do ano passado, veio uma liminar, e a liminar perdurou por 14 meses – por 14 meses! –, até maio deste ano, quando o Supremo derrubou a liminar, mas manteve as nomeações, como se uma nomeação para um cargo em comissão tivesse efeitos de estabilidade. E é uma lei que foi boa para as nossas estatais e para o Brasil.

    A marcha dos acontecimentos é mais preocupante – e foi para isso que eu pedi o aparte. Multas já foram revogadas. Tem multa de R$10 bilhões que já foi revogada por decisão monocrática, ainda no Supremo, o que desmoraliza o combate à corrupção. E não será surpresa se, daqui a pouco, o dinheiro devolvido...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Esperidião Amin (Bloco Parlamentar Aliança/PP - SC) – ... por algum agente público for reentregue ao agente público apenado, que confessou, que devolveu o dinheiro – vai recebê-lo de volta, talvez com correção monetária.

    Enquanto isso, o corruptor deste agente público brasileiro, digamos, está sendo condenado lá fora.

    Essa posição assimétrica vai nos levar a que condição? Qual será o conceito global, mundial, internacional do nosso país com essa marcha dos acontecimentos que V. Exa., em bom momento, relembra e anota, para que todos nós reflitamos sobre o que está acontecendo e sobre as nossas omissões?

    Meus cumprimentos pela fala com autoridade de quem – no dizer da sabedoria do Cacau Menezes, lá em Florianópolis – mudou a Linha do Equador, fazendo com que pessoas que nunca responderam por seus atos passassem a responder também no Brasil.

    O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) – Mas eu digo, Senador Esperidião Amin, que infelizmente já é precedente. Houve uma decisão de um juiz de primeira instância anulando um acordo celebrado. Um criminoso confessou pagamento de suborno; pediu o dinheiro de volta, R$25 milhões. E o juiz deferiu.

    Surreal, é uma decisão surreal, porque alguém confessa um crime; indeniza, paga uma multa e, de repente, a voluntariedade não vale mais nada. O contexto não vale mais nada. Eu não sei aonde nós vamos chegar, sinceramente.

    A Justiça acaba, infelizmente, sofrendo. Sei que há magistrados muito probos no Brasil, muitos corretos, muitos sérios, às vezes até, infelizmente, perseguidos por conta disso, mas tem uma coisa que, para mim, é clara: a responsabilidade, por esses tempos obscuros e sombrios, está no Palácio do Planalto.

    Uma contaminação da ética e da moral que vem do Palácio do Planalto, a ilustrar pelas iniciativas contra a Lei das Estatais, a ilustrar pelo discurso contra o combate à corrupção e de vilificação dos agentes da lei. E vai gerando um clima, vai gerando um ambiente propício a essa terra de ninguém, a esse vale tudo moral.

    Agora, que fiquem atentos, porque nós vimos, neste final de semana, de certa maneira, uma resposta à devassidão moral deste Governo Lula.

    No Paraná, três prefeituras o PT fez, em pequenas cidades, de menos de 10 mil habitantes – não por isso menos relevantes. E temo, infelizmente, por essas cidades. Mas foi uma terra arrasada, merecidamente, de um partido que, na prática, prega e entrega o Brasil a esse abismo moral.

    Esperamos que esses tempos sombrios passem, e esse também faz parte do nosso papel aqui neste Senado Federal.

    Muito obrigado.

    O SR. PRESIDENTE (Plínio Valério. Bloco Parlamentar Independência/PSDB - AM) – Senador Sergio Moro...

    Em seguida, o Senador Esperidião Amin pode se dirigir à tribuna.

    O que o senhor chamou de quadro desalentador, e o mestre Esperidião Amin chamou de quadro deplorável, na realidade, é um quadro vergonhoso.

    Eu fico aqui imaginando, Senador Sergio Moro, enquanto o senhor discursa ali, o que passa na sua cabeça, o combate à corrupção e, ao mesmo tempo, o prazer de estar com o mandato popular por poder estar falando, defendendo as posições. Na realidade, é um quadro preocupante, é um quadro deplorável, vergonhoso.

    Ao mesmo tempo que o senhor deve sentir vergonha do que está sendo feito, essas decisões que não se sustentam, há o prazer imenso pelo povo do Paraná ter lhe concedido a tribuna para estar falando essas coisas.

    Eu lhe ouço e, em seguida, chamo a Senadora Rosana Martinelli para compartilhar.

    O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) – Só uma observação, Senador Plínio.

    É com muita satisfação que eu tenho esse mandato, até para poder fazer esse tipo de fala aqui, mas, de fato, é uma preocupação muito grande. A gente tem um foco, muitas vezes, no embate com este Governo em termos de economia, que é natural, que afeta diariamente a vida das pessoas, mas tem algo que já é objeto de estudos internacionais os mais variados, que é o império da lei, a segurança jurídica, a previsibilidade, elementos essenciais para o crescimento econômico. E num país que virou um vale tudo moral, qual é a segurança jurídica que nós temos?


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/10/2024 - Página 24