Pronunciamento de Sergio Moro em 16/10/2024
Discurso durante a 145ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Críticas à decisão judicial que permitiu a progressão de pena para o regime semiaberto de uma das lideranças da facção Primeiro Comando da Capital (PCC) e pedido para que sejam observadas pelo Poder Judiciário as disposições legais que vedam esse benefício para os membros de organizações criminosas.
- Autor
- Sergio Moro (UNIÃO - União Brasil/PR)
- Nome completo: Sergio Fernando Moro
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
Atuação do Judiciário,
Direito Penal e Penitenciário:
- Críticas à decisão judicial que permitiu a progressão de pena para o regime semiaberto de uma das lideranças da facção Primeiro Comando da Capital (PCC) e pedido para que sejam observadas pelo Poder Judiciário as disposições legais que vedam esse benefício para os membros de organizações criminosas.
- Publicação
- Publicação no DSF de 17/10/2024 - Página 40
- Assuntos
- Outros > Atuação do Estado > Atuação do Judiciário
- Jurídico > Direito Penal e Penitenciário
- Indexação
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- CRITICA, DECISÃO JUDICIAL, CONCESSÃO, REGIME, PRISÃO, LIDERANÇA, ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, CRIME ORGANIZADO, RISCOS, SEGURANÇA PUBLICA.
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Para discursar.) – Senadores e Senadoras, cumprimento a todos. Registro aqui meus cumprimentos especiais a V. Exa., que preside a sessão, o Senador Veneziano, e ao Senador Esperidião Amin, com quem estive, de fato, hoje pela manhã, acompanhando esse exercício de defesa cibernética.
Eu venho à tribuna externar uma preocupação. Li a notícia, dias atrás, de que havia sido concedido o regime semiaberto no cumprimento de pena para o braço direito do chefe do PCC, o braço direito do Marcola; teria sido concedido ao Gilberto Aparecido dos Santos, vulgo Fuminho. E me recordo, quando eu era Ministro da Justiça, que esse indivíduo passou 20 anos foragido e foi capturado ali, durante ainda a minha gestão, Senador Veneziano, em Moçambique, onde continuava praticando crimes, sendo considerado o segundo em comando do PCC.
Foi muito difícil prendê-lo. Tivemos que mandar uma equipe da Polícia Federal para trazê-lo de Moçambique para o Brasil, já que ele acabou sendo expulso do país; não chegou a ser sequer necessário um procedimento de extradição. E ele foi, então, recolhido à Penitenciária Federal de Brasília.
Mas, dias atrás, veio uma notícia que foi amplamente divulgada: a devolução dele ao sistema prisional de São Paulo, sob o argumento de que estava sendo concedido o regime semiaberto e, portanto, não havia mais condições de mantê-lo nos presídios federais de segurança máxima.
Acabei de ler a notícia que é bastante animadora, de que um juiz de São Paulo, responsável pela execução em São Paulo, discordou da decisão do juiz federal aqui de Brasília e estaria suscitando um conflito de competência. Ou seja, está se recusando a receber o preso em questão em São Paulo, o que me parece a medida mais apropriada, dados os riscos que esse indivíduo envolve para a segurança pública.
E aqui, eu quero fazer um registro que me parece extremamente importante. Nós podemos ter divergências, que são razoáveis, Senador Veneziano, em relação à nossa legislação penal – se ela deve ser mais branda, se ela deve ser mais dura, em relação a uma série de hipóteses –, mas, quando nós nos referimos ao crime organizado, é evidente que o crime organizado tem que ser tratado com todo o rigor da lei: o crime organizado que trafica drogas; o crime organizado que é responsável pela maior parte de assassinatos no país, seja nas periferias, seja nos grandes centros, pelas suas disputas do mercado da droga; esse crime organizado que tem ramificações internacionais, que lava dinheiro até fora do país; esse crime organizado que inclusive foi responsável por aqueles atentados, em 2006, em São Paulo, precisa ser tratado com o máximo rigor da lei.
E aqui é um caso em que nós temos lei; nós temos lei que visa impedir exatamente essas situações. Tomo a liberdade de mencionar aqui a Lei 12.850, que trata do crime organizado, no art. 2º, §9º, que leio aqui ipsis litteris: "O condenado expressamente em sentença por integrar organização criminosa ou por crime praticado por meio de organização criminosa não poderá progredir de regime de cumprimento de pena ou obter livramento condicional ou outros benefícios prisionais se houver elementos probatórios que indiquem a manutenção do vínculo associativo". Nós colocamos esse dispositivo na lei em 2019 para, na verdade, dizer o óbvio.
Hoje nós temos um sistema prisional: alguém é condenado a uma pena, começa a cumprir a pena em regime fechado; com o tempo, progride para o regime semiaberto, que é mais próximo da liberdade, e, depois, para o regime aberto. Tudo bem, isso é normal, está na nossa legislação; agora, é evidente que a progressão de regime só cabe àqueles que almejam a ressocialização, que almejam voltar a integrar a sociedade como cidadãos honestos e se afastar do mundo do crime. Então, para aquele condenado, Senadores, que estiver integrando e continuar integrando, dentro do sistema prisional, uma organização criminosa, não cabe o benefício da progressão. É irracional conceder progressão de regime a quem permanece associado ao PCC, a quem permanece associado ao Comando Vermelho, a quem permanece associado a qualquer organização criminosa.
Nós apenas colocamos isso, que é óbvio, dentro do texto da lei, mas agora eu digo: temos a lei expressa. Como se justifica, então, que por vezes nós nos deparemos com situações como essa, agora, de uma liderança do crime organizado – e veja: o segundo nome da maior organização criminosa do país – sendo beneficiada com progressão de regime? Não faz o menor sentido! Líderes de organização criminosa têm que cumprir a pena integralmente, em regime fechado, salvo – aí, sim – se surgirem elementos seguros de que ele se dissociou da associação, de que ele se afastou da organização criminosa, de que ele deseja, de fato, voltar à sociedade como um cidadão de bem.
Como se não bastasse, nós – este Congresso, inclusive, este Senado Federal, com o meu voto – aprovamos recentemente a Lei 14.843, de 2024, que foi a lei que colocou um fim às saídas temporárias dos presos.
Mas um aspecto dessa lei que é extremamente importante foi a previsão da necessidade do laudo de exame criminológico para a progressão de regime de cumprimento de pena. Ou seja, não mais há a previsão de progredir em regime só porque se cumpriu um período da pena ou só porque se apresenta um bom comportamento dentro da cadeia, e nós sabemos que essas lideranças, Senador Veneziano, normalmente têm bom comportamento dentro da cadeia, embora continuem, às escondidas, cometendo ou comandando a prática de outros crimes ali fora, fora dos muros. Mas nós colocamos a legislação, precisa-se do exame criminológico. Será que foi feito nesse caso?
Então, o que nós temos que dizer aqui é que respeitamos o Judiciário, respeitamos as decisões judiciais – e aqui, neste caso, vejam que foi um juiz em São Paulo que obstaculizou a progressão, a saída do presídio federal desse indivíduo –, mas o fato é que nós temos a lei aprovada dizendo expressamente que quem permanece associado ao crime organizado não progride de regime de cumprimento de pena, não para infligir um castigo maior, mas, sim, para forçar esses indivíduos a deixarem o mundo do crime.
Dois, aprovamos a outra lei dizendo que é preciso o exame criminológico para a progressão de regime. Tem que se fazer e, em caso de lideranças de organizações criminosas, isso é tanto mais necessário, porque só deve progredir de regime aquele que demonstra a vontade e o arrependimento quanto à conduta cometida e a vontade de se reinserir na sociedade.
Então, rogo aos juízes aplicadores da lei, aos juízes das varas de execução que atentem para esses dois dispositivos legais. Não está aí ao arbítrio do juiz ou à discricionariedade do juiz deixar de aplicar a lei, não só porque essa lei se encontra em vigor e foi vontade do Parlamento, mas, igualmente, porque essas normas são importantes para a proteção das vítimas...
(Soa a campainha.)
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) – ... e especialmente para a proteção da sociedade.
Frente ao crime organizado não podemos vacilar. Nós precisamos nos unir como sociedade, como país para enfrentar esses desafios. Não podemos aceitar, depois de todo o trabalho de prender lideranças do crime organizado, que simplesmente seja concedida a eles progressão de regime sem se ter o cuidado de observar a vigência de dispositivos legais que impedem essa progressão no caso de continuidade do vínculo com organizações criminosas.
Faço esse rogo, Senador Veneziano, com muita humildade, porque já fui juiz e respeito a atividade, mas o juiz precisa ficar atento a esses dispositivos, pois foi a vontade do Congresso.
Muito obrigado.