Discurso durante a 150ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Em fase de revisão e indexação
Autor
Chico Rodrigues (PSB - Partido Socialista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco de Assis Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso

    O SR. CHICO RODRIGUES (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - RR. Para discursar.) – Sr. Presidente Marcos Cesar Pontes, Sras. e Srs. Senadores, todos os brasileiros e brasileiras que nos assistem neste momento, o nosso pronunciamento hoje vai na direção de fazer um alerta, e um alerta de alcance profundo na sociedade brasileira.

    Minha gente, nada mais causa a todos nós a tristeza do que presenciar a dor e o sofrimento de crianças e adolescentes, sobretudo quando arbitrariamente apartados de seu pai ou de sua mãe. Sabemos da importância dos vínculos familiares para a formação e para a saúde mental dos jovens. Fatos traumáticos ocorridos na infância ou na adolescência podem trazer sérias consequências para o resto de suas vidas. De acordo com os especialistas no assunto, a falta de convívio com os pais pode gerar diversos tipos de transtornos mentais e emocionais como ansiedade, depressão, baixa autoestima, dificuldades de relacionamento e baixo rendimento escolar.

    É exatamente por isso que eu gostaria de pedir a atenção de todas e de todos que me ouvem, tanto aqui no Plenário quanto pelos sistemas da Rádio e da TV Senado, para um fato gravíssimo que vem ocorrendo em nosso país e que não tem recebido a devida atenção nem da grande mídia, nem muito menos das autoridades constituídas. Refiro-me, Sr. Presidente, ao verdadeiro drama que estão enfrentando os órfãos de pais vivos, filhos e filhas de investigados e condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023.

    Essas crianças apresentam diversos problemas de saúde devido ao repentino afastamento da convivência com os pais, motivado tanto por condenações, cujas penas chegam a 17 anos de prisão, quanto por seu refúgio em outros países. Os jovens de diversas famílias envolvidas no 8 de janeiro têm adoecido com frequência. De acordo com a Psicanalista Clínica Luciane Lobert, da Associação dos Familiares e Vítimas do 08 de Janeiro, há casos de ansiedade extrema, terror noturno, distúrbios de sono e baixa imunidade vital. Essas crianças e esses adolescentes vivem gripados, os que têm bronquite ficam atacados constantemente e estão mais suscetíveis a desenvolver outras doenças, devido ao sistema emocional comprometido.

    Trago aqui um exemplo publicado no jornal Gazeta do Povo do dia 17 de outubro. Certa paciente, de 15 anos, filha de uma condenada do 8 de janeiro exilada no exterior, está com síndrome de pânico e teve uma crise ao retornar ao Brasil, após visitar a mãe. Ela simplesmente não suportou o fato de voltar. De acordo com a psicanalista que a atendeu, essa garota desenvolveu um sentimento comparável ao de um órfão que é obrigado a viver sem a presença materna, com medo permanente. É um trauma que vai ficar para sempre em sua vida. Assim como esse, existem diversos outros exemplos.

    É preciso lembrar que a própria lei penal ampara as mães suspeitas de crimes, possibilitando que aguardem os processos em casa com seus filhos. E aqui faço referência ao art. 318-A do Código Penal, que estabelece a substituição da prisão preventiva por domiciliar para mães ou responsáveis por crianças de até 12 anos.

    O próprio STF inclusive concedeu habeas corpus coletivo – o Habeas Corpus 143.641-SP, São Paulo –, em 2018, para favorecer todas as mulheres presas que se encontravam nessa situação. Na ocasião, o argumento apresentado no voto do Ministro Relator Ricardo Lewandowski foi de que as crianças, abro aspas: "sofrem injustamente as consequências da prisão, em flagrante contrariedade ao art. 227 da Constituição", fecho aspas, e que os cuidados com a mulher presa deveriam ser direcionados não só a ela, mas igualmente aos seus filhos.

    No entanto, Sras. e Srs. Senadores, parece que esses direitos foram esquecidos nos dias atuais, em que os condenados pelo 8 de janeiro recebem tratamento diverso e, muitas vezes, desumanizado. Os sintomas apresentados pelos filhos desses apenados são graves, gravíssimos! Muitos já estão com crises de depressão e ansiedade e há casos de crianças que, por dias, pararam de andar, falar e até mesmo de comer.

    Como se não bastasse, deparamo-nos ainda com diversas irregularidades que comprometem a lisura do processo e podem mesmo ensejar sua nulidade futura. A competência do STF para julgar a ação penal nesse caso é questionável, segundo juristas. O eminente Professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Maurício Dieter, destacou em entrevista recente que "não é competência do Supremo Tribunal Federal fazer julgamentos penais".

    O Ministro aposentado Marco Aurélio Mello, do STF, também se posiciona contra a competência daquela Corte para julgar essas ações. São suas as seguintes palavras – abro aspas: "Não vejo como cidadãos comuns envolvidos nas arruaças de 8 de janeiro, com prejuízo do princípio do juiz natural, sejam julgados pelo Supremo. Deveriam estar na primeira instância. Temos cidadãos comuns sem direito ao juiz natural, que é o juiz de primeira instância com possibilidade de recurso para o Tribunal de Justiça, para o Tribunal Regional Federal (...), porque o Supremo decide. Decide em penada única", fecho aspas.

    Além dessa questão da competência do STF, outro ponto que merece questionamento é a individualização da pena. As denúncias foram recebidas pela Corte num contexto bastante genérico, de descrição geral da participação das pessoas naqueles eventos. Contudo, é necessário apurar a responsabilidade penal – é bem verdade –, ou seja, também individualizar a participação de cada um, para que a eventual condenação seja proporcional ao dano praticado. Em nenhum momento isso ainda ocorreu.

    No terreno nebuloso dessas prisões, temos ainda a enfrentar uma série de violações aos direitos dos condenados, que se constituem verdadeiros presos políticos, passando por situações vexatórias. Estamos falando, por exemplo, da longa duração de algumas prisões preventivas, especialmente de idosos e de mães de filhos pequenos, prisões essas injustificadas e excessivas. Alguns estão presos sem denúncia da Procuradoria-Geral da República, ou mesmo sem motivo para tal.

    Foram muito banalizadas as prisões preventivas ou temporárias. A Ordem dos Advogados do Brasil tem defendido medidas alternativas, como tornozeleiras eletrônicas ou prisões domiciliares para aqueles que não ostentem, até o término do processo judicial, qualquer tipo de periculosidade. Seria uma forma de humanizar essa questão e permitir, inclusive, o convívio dos condenados com seus filhos.

    Além disso, a ampla defesa dos acusados e condenados vem sendo cerceada. Os advogados dos réus têm sido avisados das datas das audiências com prazos muito curtos, e o STF tem pedido que a sustentação seja enviada em vídeo, não sendo possível fazê-la presencialmente — como seria a preferência da defesa dos detentos.

(Soa a campainha.)

    O SR. CHICO RODRIGUES (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - RR) – Os defensores têm relatado dificuldades em pleitear a liberação de presos, uma vez que o STF possui como jurisprudência não conceder habeas corpus contra decisões monocráticas de seus ministros. Restariam, então, os recursos, mas, segundo o Defensor Público Federal Gustavo Ribeiro, que coordena a defesa dos réus do 8 de janeiro, eles não são colocados em julgamento pelo relator desses inquéritos e ações penais, o Ministro Alexandre de Moraes. Assim sendo, a defesa fica enormemente prejudicada, porque não pode se valer nem de habeas corpus, nem dos recursos processuais ordinários.

    Tudo que acabo de mencionar constitui fato grave, eu diria mesmo gravíssimo, porque pode se converter em praxe para legitimar abusos circunstanciais que se tornem regra no processo penal brasileiro, em flagrante violação aos direitos humanos.

(Soa a campainha.)

    O SR. CHICO RODRIGUES (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - RR) – Não se trata aqui de questões políticas, mas sim de graves violações de direitos, que podem abrir um precedente e depois ser usado contra qualquer cidadão ou cidadã.

    Já encerrando, Sr. Presidente, faço aqui um veemente apelo para que possamos amparar essas crianças órfãos de pais vivos, privadas repentina e arbitrariamente do convívio familiar. Não é possível que o Senado Federal permaneça inerte ante todas as irregularidades processuais praticadas contra esses condenados.

    Que os responsáveis sejam julgados em obediência ao devido processo legal – isso é bem verdade –, mas respeitando o direito à ampla defesa e ao contraditório e, sobretudo, protegendo a parte mais fraca em toda essa história, que são as crianças e os adolescentes das famílias dos condenados.

    Portanto, Sr. Presidente, este pronunciamento vem exatamente na direção do que reclama a sociedade brasileira. Há uma inquietação gigantesca e, obviamente, um dedo apontado...

(Soa a campainha.)

    O SR. CHICO RODRIGUES (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - RR) – ... por não encontrar soluções para esses casos em relação ao 8 de janeiro, que está exatamente dirigido ao Senado da República. Portanto, é necessário que haja uma manifestação coletiva, principalmente pelos juristas que fazem parte desta Casa, para que possam encontrar uma solução para resolver, de uma forma definitiva, essas questões em relação ao 8 de janeiro.

    Era este o pronunciamento, Sr. Presidente, e gostaria que, deixando o registro, circulasse em todos os veículos de comunicação desta Casa.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/10/2024 - Página 52