Discurso durante a Sessão Especial, no Senado Federal

Sessão Especial destinada a homenagear o ex-Presidente José Sarney pelos 40 anos da redemocratização do Brasil.

Autor
Renan Calheiros (MDB - Movimento Democrático Brasileiro/AL)
Nome completo: José Renan Vasconcelos Calheiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Constituição, Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, Movimento Social:
  • Sessão Especial destinada a homenagear o ex-Presidente José Sarney pelos 40 anos da redemocratização do Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 19/03/2025 - Página 20
Assuntos
Outros > Constituição
Soberania, Defesa Nacional e Ordem Pública > Defesa do Estado e das Instituições Democráticas
Outros > Movimento Social
Matérias referenciadas
Indexação
  • SESSÃO ESPECIAL, HOMENAGEM, EX-PRESIDENTE DA REPUBLICA, JOSE SARNEY, RETOMADA, ESTADO DEMOCRATICO, DEMOCRACIA, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, CONGRESSO NACIONAL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CIDADANIA, BRASIL, PERIODO, SUCESSOR, DITADURA.

    O SR. RENAN CALHEIROS (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL. Para discursar.) – Senador Davi Alcolumbre, na sua pessoa, eu gostaria de cumprimentar todos os Senadores e Senadoras e o Senador José Sarney, Presidente da República, Governador do Maranhão e, por quatro vezes, Presidente do Senado Federal. Ministro Dias Toffoli, na sua pessoa, eu gostaria de cumprimentar todos os que fazem parte do Poder Judiciário. Senador Aécio Neves, Presidente da Câmara dos Deputados, Senador da República, Governador de Minas Gerais, na sua pessoa, eu gostaria de cumprimentar todos os Deputados Federais presentes nesta sessão de homenagem. Senador Kajuru, autor do requerimento, Ministra Margareth Menezes, querido amigo Senador Randolfe Rodrigues... Meu caro José Dirceu, ex-Deputado e querido amigo, na sua pessoa, eu gostaria de cumprimentar todos os convidados e convidadas presentes.

    Viemos, Presidente Davi Alcolumbre, aqui, hoje, para homenagear um ícone, uma referência de homem público, intelectual e ser humano. Não se trata de uma cerimônia meramente protocolar, corriqueira, mas de um ato de extrema significância para saudar e reverenciar o eterno Presidente José Sarney, símbolo, sinônimo e tradução exata da democracia brasileira, da previsibilidade, da sabedoria e da serenidade.

    José Sarney, digo absolutamente sem hesitar, é o pai, o coração e os olhos da democracia brasileira moderna. Sem ele não teríamos chegado aqui com nossas instituições fortes, estáveis, que já foram testadas inúmeras vezes, esbanjando vitalidade. Sem ele, seríamos ainda uma republiqueta caótica e atrasada.

    Aqui no Senado Federal, salvo engano, só eu e o Senador Paulo Paim somos remanescentes da Assembleia Nacional Constituinte, que foi um divisor de águas para o Estado brasileiro avançar rumo ao futuro, rompendo com o atraso. Éramos, então, um elo perdido, uma nação esquecida e desprezada no contexto global. Eu e o Senador Paim éramos muito jovens e tivemos o privilégio de frequentar esta universidade única e rica que foi elaborar a nossa Carta Cidadã, uma verdadeira revolução brasileira que lançou as bases da moderna democracia.

    Por trás desta Carta redentora, da Constituição que resgatou o Brasil das trevas institucionais, estão as mãos corajosas e transformadoras de José Sarney. Alçado ao cargo máximo da República, após uma tragédia que paralisou o país, em uma longa agonia de quase 40 dias que pareciam noites eternas, Sarney honrou todos os compromissos da Aliança Democrática, que venceu a eleição ao lado de Tancredo Neves, naquela que foi e será lembrada como a última eleição indireta da nossa história, um entulho autoritário, como dizia-se na época.

    Sarney, após a tragédia que deixou a todos incrédulos e pesarosos, naquele fatídico 14 de março de 1985, não apenas configurou o ministério com o desenho idealizado por Tancredo Neves, mas também foi leal a todos os compromissos programáticos daquela campanha vitoriosa. Seria compreensível e defensável trocar os ministros ditos da Casa, cuja intimidade com o Presidente é diária, mas Sarney manteve os nomes escolhidos por Tancredo Neves.

    A maior bandeira daquele período foi exatamente a Assembleia Nacional Constituinte livre e soberana. As pressões não foram poucas; as desconfianças, igualmente; os sobressaltos, inúmeros, mas José Sarney os administrou com temperança, fidalguia, liturgia, sempre norteado por propósitos saneadores: a estabilidade política, a redemocratização com a descentralização do poder e uma nova Constituição, já que então vigorava – e foi citado aqui há pouco pelo Ministro Dias Toffoli – a Carta de 1967, carregada com as tintas impuras do autoritarismo. Sarney teve sucesso em todos os eixos, e, por isso, nós seremos eternamente agradecidos.

    Do alto do cargo mais poderoso do país, com poderes presidenciais abrangentes, quase que imperiais naquela época, naquele momento, Sarney poderia, se fosse da sua natureza, delongar o compromisso da Constituinte, adiá-la, evitá-la ou mesmo sabotá-la. Não fez nada disso, fez exatamente o contrário. A alma democrática deste estadista sabia da necessidade e da urgência de uma transformação social.

    Os Poderes estavam garroteados, de joelhos, a censura era regra, os segredos imperavam, a opressão sufocava nosso cotidiano e as garantias individuais eram desrespeitadas covardemente. O país chorava seus mortos, desaparecidos e torturados. Rubens Paiva e tantos outros pereceram, mas nós, os democratas, como o Presidente Sarney e como o saudoso Presidente Tancredo Neves, ainda estávamos aqui.

    José Sarney, com as mãos firmes e altivas, nos guiou na transição dos 21 anos de escuridão autoritária para a luminosidade democrática, e o fez com tanta destreza e habilidade que pareceu que sempre vivêramos em um país democrático. Quem há de se esquecer de José Sarney enterrando a censura de Estado ao lado do Ministro da Justiça Fernando Lyra? Quem há de se esquecer da legalização dos partidos atirados na clandestinidade e da recepção no Palácio dos líderes comunistas João Amazonas e Giocondo Dias? Quem há de se esquecer da luta inglória contra a inflação cruel e persistente? Quem há de se esquecer dos fiscais do Sarney?

    Sarney, por vezes incompreendido, muitas vezes injustiçado, não se intimidou jamais. Uma mente sempre irrequieta que tentou e persistiu inúmeras vezes, como um herói grego que cumpre sua missão de empurrar uma pedra morro acima, mesmo que o esforço pareça inútil e repetitivo. José Sarney herdou uma nação arruinada social e economicamente; institucionalmente, era um escombro, um país sofrido, pesado, amarrotado pela humilhação. A inflação estratosférica esfolava os trabalhadores e a dívida externa expropriava o suor da nossa gente.

    A tarefa hercúlea de reconstruir a nação, por si só, já seria digna de reverências eternas e múltiplas, apesar de conspiradores que sonegavam produtos, alimentos; agiotas que exploravam a boa índole do povo brasileiro naquela época, cobrando ágios criminosos. A classe produtora brasileira evoluiu muito de lá para cá, mas alguns tiveram, na oportunidade, um comportamento reprovável no Governo do Presidente Sarney. Às vezes, nos ensina a história, é melhor perder entre os bons do que triunfar com os vis.

    O legado do Presidente Sarney é incontável. Os números são desapaixonados. Nos cinco anos do Governo de José Sarney, primeiro Governo civil após o regime militar, o PIB cresceu em média 4,5% ao ano, a renda dos trabalhadores expandiu 2,5% ao ano, o Brasil tornou-se a sétima economia do mundo, a dívida externa despencou de 54% para 28% do Produto Interno Bruto e o desemprego médio no mandato do Presidente Sarney foi de apenas 3,89%. Foi criado o seguro-desemprego, reatamos relações diplomáticas rompidas por preconceitos ideológicos, criou-se a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, foi lançado o programa nacional de educação, reconquistamos as diretas, entre tantos avanços, muitos já citados aqui.

    Mas o marco da mudança, Presidente Sarney, foi a nova Carta Constitucional. Entre tantas transformações trazidas pela nova Constituição, me parece inequívoco que os direitos fundamentais e as garantias individuais e coletivas são conceitualmente as mais relevantes para a vida rotineira dos cidadãos e das cidadãs. Quando as temos, parece inadmissível viver sem estas premissas legais, e os que nos antecederam sabem o quanto é difícil viver sem essas garantias. O fiador dessa reinserção na democracia chama-se José Sarney, e isso não é pouco.

    O nosso MDB, Presidente Sarney, sempre foi o agente transformador da sociedade brasileira e escreveu esta Constituinte sob a condução do eterno timoneiro Ulysses Guimarães, que nos deixou saudosos e pesarosos. A credibilidade do Presidente Sarney em 1985 era tão elevada que o nosso MDB fez 19 das 25 prefeituras das capitais. Em 1986 elegeu Governadores de todos os estados brasileiros, inclusive de Sergipe, onde se elegeu por um partido da Aliança Democrática. E na eleição para o Congresso Nacional, o MDB conquistou 54% das cadeiras da Câmara dos Deputados e 62% das vagas do Senado Federal. Essa configuração eleitoral possibilitou uma Constituição moderna, progressista e essencialmente democrática.

    Todas as vacinas para contra febres autoritárias estão na própria Constituição. É ela que nos imuniza diariamente, como fez no dia 8 de janeiro, no último 8 de janeiro, posterior à eleição presidencial.

    A mente irrequieta, à qual me referi antes, não se sentia confortável militando apenas na política partidária. Queria mais, muito mais, e foi muito além.

    José Sarney é um intelectual mundialmente respeitado. Enriquece a galeria dos imortais da Academia Brasileira de Letras e tem livros publicados e traduzidos em todo o mundo. Dono de um talento raro e destreza com as palavras, Sarney tem obras memoráveis. Gosto de todas elas e as admiro, mas, sempre que tenho oportunidade, gosto de elogiar a Saraminda, uma referência de engenhosidade para a literatura conhecida como realismo fantástico.

    Meu Presidente José Sarney, meu querido, fraterno amigo, interlocutor frequente e mentor por muitas vezes, gostaria de encerrar estas modestas palavras, insuficientes para expressar o meu respeito e a gratidão que o país lhe deve, dizendo que eu carrego comigo um orgulho enorme de ser seu contemporâneo e de ser seu amigo. Conte comigo sempre, conte comigo toda a vida, da mesma forma como o Brasil sempre contou com o senhor.

    Vida longa, Presidente Sarney, saúde e paz. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/03/2025 - Página 20