Pronunciamento de Beto Faro em 22/04/2025
Discurso durante a 23ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Tributo ao legado de S. S. Papa Francisco, líder espiritual comprometido com a justiça social, a paz, a ecologia e a dignidade humana.
- Autor
- Beto Faro (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
- Nome completo: José Roberto Oliveira Faro
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
Homenagem,
Religião:
- Tributo ao legado de S. S. Papa Francisco, líder espiritual comprometido com a justiça social, a paz, a ecologia e a dignidade humana.
- Publicação
- Publicação no DSF de 23/04/2025 - Página 32
- Assuntos
- Honorífico > Homenagem
- Outros > Religião
- Indexação
-
- HOMENAGEM POSTUMA, MORTE, PAPA FRANCISCO, IGREJA CATOLICA.
O SR. BETO FARO (Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - PA. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, pessoas que nos acompanham pelos canais de comunicação desta Casa e pelas redes sociais, é com profundo respeito e sincera comoção que uso esta tribuna para prestar uma homenagem àquele que foi, sem dúvida, uma das figuras mais marcantes da nossa era: Sua Santidade o Papa Francisco.
Falecido recentemente, sua partida representa uma perda inestimável para a Igreja Católica, para o povo cristão e, sobretudo, para a humanidade.
Jorge Mario Bergoglio foi o primeiro papa vindo do Hemisfério Sul, o primeiro jesuíta e o primeiro latino-americano a ocupar o Trono de São Pedro. Nascido em Buenos Aires, na Argentina, filho de imigrantes italianos e profundamente enraizado na realidade social do povo latino-americano, Bergoglio trouxe ao papado uma nova sensibilidade, mais próxima das dores e das esperanças do povo do Sul Global.
Sua escolha do nome Francisco, em homenagem a São Francisco de Assis, já indicava o rumo que sua liderança espiritual tomaria: uma Igreja voltada para os pobres, comprometida com a paz e com a preservação da natureza.
Francisco assumiu o papado em 2013, após a renúncia histórica de Bento XVI. Desde os primeiros momentos de seu pontificado, surpreendeu o mundo com gestos de simplicidade e humildade. Recusou o luxo do Vaticano, optou por viver na Casa Santa Marta, em vez de no Palácio Apostólico, usava vestes mais simples e deslocava-se em veículos modestos. Esses gestos simbólicos prenunciavam uma reforma mais profunda, uma Igreja menos centrada no poder e mais voltada ao evangelho vivo de Jesus Cristo.
Durante mais de uma década como pontífice, Francisco foi um incansável defensor da justiça social. Denunciou com firmeza a cultura da exclusão, o culto ao dinheiro e ao sistema econômico que descarta seres humanos como se fossem objetos. Em diversas ocasiões, afirmou que "esta economia mata" – entre aspas –, desafiando estruturas globais que aprofundam as desigualdades e o sofrimento. Foi um papa do povo, das periferias, dos migrantes e refugiados, dos trabalhadores informais, dos desempregados, dos encarcerados e dos esquecidos.
Sua opção preferencial pelos pobres não foi apenas retórica. Criou o Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, fortalecendo a ação social da igreja; visitou favelas, campos de refugiados, prisões; lavou os pés de mulheres muçulmanas e detentas em cerimônias da Quinta-feira Santa, relembrando a todos que a autoridade cristã se exerce pelo serviço.
Foi também um reformador corajoso. Promoveu reformas administrativas no Vaticano, enfrentando estruturas de corrupção e opacidade, buscando maior transparência e responsabilidade; nomeou mulheres para cargos de liderança nunca antes ocupados por elas; abriu espaço de diálogo sobre temas sensíveis, como a comunhão para divorciados em segunda união, a acolhida de pessoas LGBTQIA+ e o papel das mulheres na Igreja. Ainda que mantendo a doutrina católica tradicional, Francisco introduziu um novo tom de escuta, acolhimento e misericórdia.
No plano internacional, o Papa Francisco tornou-se uma das vozes mais influentes pela paz. Agiu como mediador discreto, mas eficaz, em diversos contextos geopolíticos. Seu papel nos bastidores de reaproximação entre Cuba e Estados Unidos foi reconhecido por ambos os países. Nas viagens ao Oriente Médio, África e Ásia reforçou pontes entre religiões, incentivou o diálogo entre religiosos e combateu a islamofobia. Assinou, com o Grão Imame de Al-Azhar, o histórico Documento sobre a fraternidade humana, reafirmando que fé e violência são incompatíveis e que o nome de Deus jamais pode ser usado para justificar o ódio.
Francisco compreendia que os desafios contemporâneos são interconectados. Em sua notável encíclica Laudato si', de 2015, propôs uma ecologia integral, um chamado profético para que pensemos nessa relação com a criação, com os pobres e com o futuro do planeta. Foi o primeiro papa a dedicar uma encíclica inteiramente à crise ecológica: denunciou a destruição da Amazônia, os efeitos das mudanças climáticas, o extrativismo predatório e o consumismo desenfreado; apelou aos líderes mundiais para que tomassem decisões responsáveis nas conferências do clima; dirigiu-se aos jovens, aos cientistas, aos povos indígenas, convocando uma aliança universal pelo cuidado da casa comum.
Para nós brasileiros e amazônidas o Papa Francisco terá sempre um lugar especial em nossa memória e gratidão. Seu compromisso com a Amazônia foi firme e explícito. Em 2019, convocou o Sínodo para a Amazônia, dando visibilidade mundial aos povos indígenas, às comunidades tradicionais e aos desafios socioambientais da região. Recebeu lideranças amazônicas no Vaticano, escutou suas denúncias, suas esperanças, suas culturas e espiritualidades. Esse sínodo não apenas lançou luz sobre a devastação da floresta, mas também sobre a resistência e a dignidade dos povos que nela habitam.
Inclusive, Sr. Presidente, quero aqui fazer um registro e me solidarizar com a família de Ronilson de Jesus Santos, assim como com a Fetraf, organização da qual fazia parte. É mais uma liderança amazônica que tem sua vida interrompida por lutar por justiça social, por reforma agrária e vida digna para a população.
Foi olhando para esse contexto delicado de violência e de ameaça à vida que, na sua exortação Querida Amazônia, Francisco sonhou com uma Amazônia que integre justiça social, reconhecimento cultural, compromisso ecológico e presença espiritual, um texto que continua a inspirar lideranças religiosas, movimentos sociais e autoridades públicas comprometidas com o futuro sustentável e justo para a região.
O Papa Francisco também compreendeu o papel fundamental das mulheres na Igreja e na sociedade, incentivou uma maior participação feminina nas estruturas eclesiais, nomeou mulheres para posições de destaque, como subsecretárias de dicastérios e membros de conselhos pontifícios. Em uma instituição marcada por estruturas patriarcais, esses passos foram significativos e corajosos.
É importante destacar que Francisco não foi um líder isento de críticas. Sua postura firme e os seus apelos por uma Igreja pobre para os pobres provocaram resistência em setores mais conservadores. Suas falas incisivas sobre o meio ambiente, os imigrantes, a injustiça do sistema financeiro internacional foram muitas vezes ignorados por lideranças políticas. Contudo, sua fidelidade ao Evangelho e à dignidade humana nunca se deixou abalar pelas pressões ou incompreensões.
Senhoras e senhores, ao homenagear o Papa Francisco não celebramos apenas um líder da Igreja Católica, mas um homem que nos desafiou a sair da indiferença. Sua vida foi um testemunho de que fé e compromisso social não se excluem, mas se alimentam mutuamente, de que é possível unir espiritualidade, compaixão e ação transformadora, de que o amor ao próximo inclui o cuidado com a terra, com o pobre, com o migrante e com o diferente.
Seu legado é uma convocação à esperança ativa. Não se trata apenas de lembrar suas palavras, mas de tornar realidade os valores que ele viveu e pregou: a justiça para os excluídos, o diálogo entre os diferentes, a fraternidade universal, a paz entre as nações e o cuidado com a nossa casa comum.
Que sua memória permaneça viva entre nós como farol de humanidade e coragem!
Que descanse em paz aquele que foi, para tantos, não apenas um pastor, mas também um irmão universal!
Muito obrigado, Sr. Presidente.
(Soa a campainha.)