Pronunciamento de Confúcio Moura em 16/07/2025
Discurso durante a 82ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Exposição sobre a atuação de S. Exa. em prol das comunidades indígenas e ribeirinhas no Estado de Rondônia e reconhecimento da importância dos povos tradicionais e de sua cultura.
- Autor
- Confúcio Moura (MDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
- Nome completo: Confúcio Aires Moura
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
Atividade Política,
Desenvolvimento Regional,
População Indígena:
- Exposição sobre a atuação de S. Exa. em prol das comunidades indígenas e ribeirinhas no Estado de Rondônia e reconhecimento da importância dos povos tradicionais e de sua cultura.
- Publicação
- Publicação no DSF de 17/07/2025 - Página 20
- Assuntos
- Outros > Atividade Política
- Economia e Desenvolvimento > Desenvolvimento Regional
- Política Social > Proteção Social > População Indígena
- Indexação
-
- COMENTARIO, VIAGEM, ORADOR, VILA, COMUNIDADE INDIGENA, COMUNIDADE RIBEIRINHA, ESTADO DE RONDONIA (RO), OBJETIVO, INCENTIVO, INTEGRAÇÃO, POPULAÇÃO CARENTE, AUMENTO, PRESENÇA, ESTADO, REGIÃO, ASSISTENCIA DENTARIA, ASSISTENCIA MEDICA, POPULAÇÃO RURAL.
O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - RO. Para discursar.) – Sr. Presidente, Senadores que estão remotamente ligados aqui pela TV Senado e servidores do Senado, meu primeiro mandato de Deputado a que eu concorri foi em 1994, e eu achava que aquele seria o primeiro e único mandato que eu exerceria. Eu sou lá do Estado de Rondônia, eu represento o Estado de Rondônia e eu pensei: qual é o meu propósito, o que é que eu vou fazer como Deputado para atender bem a população de Rondônia? Falei: "Sabe de uma coisa? Eu vou atender são as comunidades esquecidas, as comunidades isoladas". Eu quero escolher, para trabalhar, as comunidades que nunca receberam uma visita, nem de Vereador. Eu escolhi em torno de 15 comunidades isoladas no estado, naquela época, naquela década, para me dedicar, aqui em Brasília, a trabalhar para elas. Eu comecei a visitar. A algumas delas, eu cheguei a cavalo ou de burro, atravessando igarapés, sobre pinguelas; outras vezes, eu fui a pé. Em algumas comunidades, deixava o carro à distância e, para chegar a elas, tinha que andar a pé. Assim eu fui fazendo. Eu falei: "Já que eu vou ter só um mandato mesmo, então, deixe-me cuidar desse povo esquecido". E não é que a coisa foi dando certo? E, nessa brincadeira, eu estou aqui até hoje. Passei, lá na Câmara, três mandatos; depois, passei dois mandatos como Prefeito; depois, passei dois mandatos como Governador; e, agora, estou como Senador. O tempo de estrada é longo.
E eu quis reviver, semana passada, aquela minha saga dos anos 90. Eu subi, em um barquinho chamado voadeira, um motorzinho, alguns quilômetros ou muitos quilômetros do Rio Mamoré. O Rio Mamoré é um rio bonito, fica na divisa do Brasil com a Bolívia. Falei: "Eu vou visitar as comunidades ribeirinhas e as comunidades indígenas". Aí subimos. Fui dormir num distrito distante 6 horas ou 7 horas de embarcação, no distrito chamado Surpresa. E não poderia ser melhor – Surpresa – o nome desse distrito.
Esse é justamente o delta de dois rios: um rio que vem da Bolívia, que é o Mamoré, que tem as águas barrentas, que se misturam com as águas claras, que chegam a ser azuladas, do Rio Guaporé. Aí se juntam os dois rios e descem com o mesmo nome de Rio Mamoré, que, lá na frente, recebe outros afluentes e passa a se chamar Rio Madeira, que vai desembocar no Rio Amazonas.
Bem, aí eu dormi lá em Surpresa, onde eu realmente tenho muito conhecimento com a população. Fui muito bem acolhido por eles, foi uma preocupação muito grande em nos receber bem. Tive reuniões com os pescadores. Fiquei três dias por lá, com os pescadores, e, no dia seguinte, fui visitar as comunidades indígenas.
Os Rios Guaporé e Mamoré são fascinantes. Há muito peixe, abundância de peixe. Quase todos lá são pescadores, e eu não vi desnutrição. A população é bem nutrida, forte. Eles são produtores de farinha, há muita banana – aquela banana de fritar, aquela banana grande. Também, além de tudo, eles são extrativistas: têm muita castanha, muito açaí. Eles exploram tudo aquilo para a alimentação. Há pouca comercialização, é mais para consumo próprio.
Fui de aldeia em aldeia. A primeira a que eu fui, já bem mais distante, é chamada Baía das Onças. O nome de onça é como se fosse algo selvagem, mas fui recebido pelos indígenas mais agradáveis do mundo. O cacique é um professor que, por sinal, foi admitido em concurso público no tempo em que eu fui Governador. Eu abri o primeiro concurso público para indígenas do Brasil, para professores indígenas. Esse cacique lá do Distrito de Baía das Onças, chamado André Jabuti, é da minha safra de servidores públicos estaduais concursados. Eles me receberam muito bem, fico muito agradecido. E assim fui encontrando... Todos os professores indígenas de Rondônia vieram desse concurso público que eu fiz na época.
E, ali, eu fui ver: lá já tem água. Eles não tinham. Eles moram na beira do rio, mas a água do rio é inadequada para o consumo, e, através dessas emendas parlamentares, eu levei estação de tratamento de água para eles. Está funcionando.
Lá já existe, em cada residência da aldeia, uma placa de energia solar, e tem internet. A internet – a primeira que foi levada por mim, que é chamada Gesac – não é de grande velocidade, mas atendia a escola e a unidade de saúde direitinho. Hoje já tem outras antenas mais potentes, já tem outras torres, e a coisa vai funcionando muito bem.
Eles têm carências. Eu estou aqui com a mão cheia de pedidos deles, mas são todos pleitos tão justos, tão necessários e pequenos, que são essenciais à vida deles.
A paisagem é a mais maravilhosa do mundo: revoadas de aves, aves pescadoras, patos selvagens, e é uma maravilha o pôr do sol naquele rio que parece um espelho.
Então, nós fomos descendo. Aí visitei a Comunidade indígena Sagarana, aliás, Ricardo Franco, e foi a mesma acolhida, porque pouca gente, poucos Parlamentares – raros, raríssimos – já fizeram uma visita a essas comunidades.
Então, eles me têm assim como um protetor, não é? E eu precisava fazer essa visita.
Eu trouxe aí o balaio de pedidos, que, na medida do possível, nós vamos trabalhando no decorrer deste ano e do ano que vem. Mas eu fiquei muito satisfeito com a acolhida dessas comunidades simples daquela região.
O Cacique lá de Ricardo Franco se chama Sancler e o auxiliar dele se chama Santo Kanoê.
A seguir nós fomos para Sagarana, que é outra comunidade muito bonita, muito organizada. Lá há a presença do Ministério da Saúde, ele está presente. Tem dentistas, enfermeiros, todos lá, atendendo essas comunidades.
Fomos para Bom Jesus, muita farinha, abundância. Tem lagos riquíssimos em pirarucu, que é um peixe gigante da Amazônia. Tem muito lá, em abundância. Vamos estudar como é que a gente faz para explorar o pirarucu, o couro dele e também a carne, em cortes finos, porque aqui em Brasília é caríssimo...
(Soa a campainha.)
O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - RO) – ... para você pedir um prato com pirarucu. Aqui em Brasília é caro.
E assim nós fomos visitando as comunidades indígenas, de Sotério, o Cacique Daniel.
Eu quero saudar também aqui o Prefeito Netinho, lá de Guajará-Mirim, que nomeou o primeiro secretário indígena na Secretaria dos Povos Indígenas que tem em Rondônia. Ele criou a secretaria, por meio da qual nós vamos levar as estruturas necessárias para atender mais de 5 mil indígenas daquela região. Tem 56 aldeias só no município – visitei poucas, há 56 aldeias.
Mas esse é um reencontro que a gente precisa ver. Nessas comunidades isoladas, realmente, além de uma vida simples, natural, eles são extremamente agradecidos.
Um minuto só e eu concluo a minha fala, Sr. Presidente.
E eu trouxe na minha bagagem uma lembrança extremamente agradável, maravilhosa, assim, emocionante. Primeiro, pelo acolhimento. Segundo, pelos pleitos justos para o que a gente tem que fazer um esforço grande para atender. Não é muito dinheiro. Lá eles não falam em milhões. Aqui é um problema para nós todos – como quando eu mesmo relatei, no ano passado, a Lei de Diretrizes Orçamentárias –, a gente só fala em bilhões, trilhões. Ninguém fala em mil reais. E lá eles querem pouquinho, valores simbólicos, pequenos. Até, às vezes, uma emenda não cabe para lá, porque é tão pouco o que eles pedem! Mas é um pouco essencial.
Por exemplo, produção de farinha – que farinha maravilhosa! Eles fazem o pirão, o peixe com aquela farinha d'água...
(Soa a campainha.)
O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - RO) – ... aquela farinha de puba, extremamente maravilhosa. É um pessoal bem-nutrido, umas moças bonitas, as senhoras, os índios bem-nutridos. Inclusive, no dia 22 de agosto, vamos ter a chamada Festa dos Guerreiros, em que vai haver um campeonato de lutas marciais indígenas lá em Baía das Onças. E me convidaram para ir, mas não sei se vai dar, porque é dia 22 de agosto, não é? E tem campeonato até para beber a chicha. Chicha é uma bebida feita de mandioca e batata fermentadas.
Eu experimentei a chicha. O campeão do ano passado tomou três litros de chicha sem tirar a cuia da boca!
Bebeu, no guti-guti, 3 litros da bebida. Ela tem um teor alcoólico baixo – acho que menos de 5% –, mas o cara fica bêbado. E o cara bebeu 3 litros, sem tirar a cuia da boca.
Esse foi o campeão da Festa dos Guerreiros lá deles. Além de ter outras lutas, tem também o campeonato de bebida. A bebida indígena, lá, se chama chicha. É muito interessante.
Então, eu queria aqui fazer esse discurso totalmente diferente do rito dos discursos tradicionais. É uma homenagem às comunidades ribeirinhas do Brasil.
Vocês já imaginaram o trabalho dos ribeirinhos na proteção da nossa fronteira? Eu não vi um policial lá. Eu não vi nada de segurança pública; não vi nada. Os guardiões da nossa fronteira, onde eu andei, são as comunidades ribeirinhas, são os indígenas; eles é que demarcam o nosso território.
Eu fico indagando assim: mas por que muita gente não suporta falar em índio, nem em ribeirinho? "Sou contra. Índio é preguiçoso." Não são preguiçosos.
(Soa a campainha.)
O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - RO) – Isso é papo furado. O índio vive diferente de nós nesse mundo competitivo, liberal. Ele vive sem competição. Ele vive numa sociedade onde o que um tem, o outro tem; a comida que um faz, o outro come. Então, é uma relação muito horizontal, assim, de convivência entre aquela comunidade.
O respeito ao meio ambiente é absoluto. Eles não querem mais, de jeito nenhum, desmatar para plantar mandioca. Eles querem aproveitar o entorno das suas casas, alguns equipamentos para poder... para aquela terra muito cansada, para ele evitar o impacto na floresta. E querem também as ajudas para comercialização dos seus produtos.
Eu estou construindo lá para eles... eu não...
(Soa a campainha.)
O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - RO) – ... o Orçamento Geral da União – o povo brasileiro – está construindo para esse povo uma embarcação para transportar 40 toneladas de mercadoria, de graça, subir e descer o rio, e 70 passageiros em cada viagem.
E eu estou aqui – mas tem mais dois anos, um ano e pouco – e eu vou deixar o dinheiro para a prefeitura pagar as despesas de combustível, tudo para eles, durante dois anos. É o tempo que eu tenho aqui para ele manter esse barco. Depois, eles vão escolher uma maneira diferente de financiar esse trabalho. Mas é gratuitamente.
Como é que um vai cobrar de índio um frete de farinha na beira do rio?
Eu quero agradecer a tolerância – V. Exa. já me deu aí uns três ou quatro minutos a mais, muito obrigado – para eu contar essa história.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) – Muito merecido, viu? Está dando uma aula para nós todos.
O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - RO) – Essa história é para aqueles que estão ligados na TV Senado saberem que o Brasil existe.
E eu... O pessoal muito fala: "Ah, esse Confúcio aí...
(Soa a campainha.)
O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - RO) – ... é contra isso, é contra aquilo, quer defender índio, que é preguiçoso; quer terra demais". Olha, gente, isso não é de agora, não.
Eu escrevi um livro, nos anos 90, sobre os índios arredios da região onde eu morava, lá em Ariquemes, Rondônia. Isso é histórico. Eu pesquisei bastante para escrever sobre essa demarcação de terras naquela ocasião. Em 1990, eu não era nem Deputado, não era nada da política.
Então, esse apego... Eu sou um discípulo de Rondon. Eu admiro muito o Marechal Rondon pela bravura dele, por levar a comunicação, por integrar o Brasil profundo e escondido da Amazônia ao Brasil do litoral.
Eu acho que o Rondon foi fascinante, e Rondon nunca matou índio: Rondon respeitava os indígenas, Rondon preferia morrer a matar um índio.
(Soa a campainha.)
O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - RO) – Então, nessas coisas, muita gente não me entende aqui. Falam: "Ah, mas hoje quem manda no Brasil é o agro". Eu concordo! E eu sou... Quem disse que eu sou contra o agro? Eu fui fazendeiro mais de 40 anos! Como é que eu posso ser contra o agro? Nunca! Mas eu não posso ser contra o índio, nem contra o ribeirinho, nem contra as populações isoladas, que ficam lá, sobrevivendo ao deus-dará, abandonados, que nunca vêm aqui. Algumas marchas eles fazem na Esplanada, mas não conseguem o acesso e entrar, assim; um ou outro entra num gabinete de um Deputado ou Senador.
Então, são populações de... Esses são patriotas! Muita gente fala, veste uma camisa verde e amarela e aí: "Eu sou patriota". É patriota coisa nenhuma! Patriotas são esses ribeirinhos; patriotas são esses indígenas; patriotas são essas pessoas, esses brasileiros, guardiões da nossa fronteira...
(Soa a campainha.)
O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - RO) – ... esses é que são patriotas autênticos, verdadeiros, não é?
Nós temos que tirar, desmistificar essa coisa, esse preconceito contra as comunidades ribeirinhas e as comunidades indígenas extrativistas. Vocês não sabem o valor de um extrativista! Mas eu vou parar por aqui, porque eu estou avançando demais. Muito obrigado pela tolerância.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) – Parabéns, Confúcio Moura. As palmas aqui, espontâneas...
O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - RO. Fora do microfone.) – Muito obrigado.