Como Relator - Para proferir parecer durante a 100ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Como Relator, para proferir parecer sobre o Projeto de Lei (PL) n° 2628, de 2022 (Substitutivo da Câmara dos Deputados), que "Dispõe sobre a proteção de crianças e de adolescentes em ambientes digitais (Estatuto da Criança e do Adolescente Digital - ECA Digital)".

Autor
Flávio Arns (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PR)
Nome completo: Flávio José Arns
Casa
Senado Federal
Tipo
Como Relator - Para proferir parecer
Resumo por assunto
Crianças e Adolescentes, Segurança Digital, Telefonia e Internet:
  • Como Relator, para proferir parecer sobre o Projeto de Lei (PL) n° 2628, de 2022 (Substitutivo da Câmara dos Deputados), que "Dispõe sobre a proteção de crianças e de adolescentes em ambientes digitais (Estatuto da Criança e do Adolescente Digital - ECA Digital)".
Publicação
Publicação no DSF de 28/08/2025 - Página 42
Assuntos
Política Social > Proteção Social > Crianças e Adolescentes
Economia e Desenvolvimento > Ciência, Tecnologia e Informática > Segurança Digital
Infraestrutura > Comunicações > Telefonia e Internet
Matérias referenciadas
Indexação
  • RELATOR, PARECER, PROJETO DE LEI, SUBSTITUTIVO, CAMARA DOS DEPUTADOS, CRIAÇÃO, LEI FEDERAL, PREVENÇÃO, PROTEÇÃO, SEGURANÇA, CRIANÇA, ADOLESCENTE, ACESSO, PRODUTO, SERVIÇO, TECNOLOGIA DIGITAL, INSTITUTO NACIONAL DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO (ITI), INTERNET, MIDIA SOCIAL, JOGO ELETRONICO, TERRITORIO NACIONAL, DESENVOLVIMENTO, FABRICAÇÃO, OFERTA, COMERCIALIZAÇÃO, PUBLICIDADE, VIOLAÇÃO, DIREITOS, TRANSPARENCIA, PRESTAÇÃO DE CONTAS, DENUNCIA, FISCALIZAÇÃO, FIXAÇÃO, SANÇÃO, INFRAÇÃO, NATUREZA ADMINISTRATIVA.

    O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Para proferir parecer.) – Agradeço a V. Exa., Senador Davi Alcolumbre.

    Eu quero pedir a aquiescência, a concordância de V. Exa. para já ler o relatório a partir da análise e, mais especificamente, em relação ao mérito, mas considerando incorporado o texto anterior, que já foi divulgado para os Senadores e Senadoras. Então, se V. Exa. permitir...

    Cumprimento o autor da matéria, Alessandro Vieira, que apresentou o projeto de lei no Senado.

    Cumprimento também o Senador Kajuru, que foi o Relator da matéria na Comissão de Constituição e Justiça.

    A matéria foi aprovada por unanimidade no Senado Federal e remitida à Câmara dos Deputados, e é o substitutivo daquela Casa que agora está sob análise do Senado Federal.

    Eu gostaria de dizer que é crescente a preocupação com os riscos a que adolescentes e crianças estão expostos ao acessar o ambiente virtual, com denúncias diárias de crimes de cyberbullying, indução ao suicídio, ameaça, violência sexual, entre outros.

    O debate ganhou um novo capítulo no último dia 6 de agosto, quando o influenciador digital Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, nosso conterrâneo do Estado do Paraná, publicou um vídeo na rede social YouTube no qual denuncia influenciadores que lucram na internet ao expor crianças a situações vexatórias ou de exploração sexual. A repercussão do vídeo em toda a sociedade, contabilizando até o momento mais de 48 milhões de visualizações, contribuiu para acelerar a aprovação da proposição na Câmara dos Deputados.

    Embora a estrutura do texto aprovado aqui pelo Senado Federal tenha sido preservada no substitutivo da Câmara dos Deputados, foram feitas importantes modificações de conteúdo, conforme passamos a discutir.

    Inicialmente destacamos o grande esforço feito pela Câmara dos Deputados, por meio do seu Relator, o Deputado Federal Jadyel Alencar, que realizou um primoroso trabalho para refinar os conceitos e conferir maior densidade normativa à proposta legislativa aprovada pelo Senado Federal.

    Uma das grandes contribuições da Câmara foi a previsão expressa de uma autoridade administrativa autônoma, instituída por lei, com a finalidade de proteger crianças e adolescentes. Essa autoridade seguirá as regras da Lei das Agências Reguladoras, o que implica, por exemplo, a realização de consultas públicas antes da edição ou alteração de normas. Com isso, busca-se assegurar transparência, participação e controle social, além de garantir a independência institucional da autoridade, caracterizando-a como um ente de Estado e não de governo. Dessa forma, a proposta reforça a legitimidade democrática e afasta a possibilidade que o órgão atue como controlador arbitrário de conteúdo.

    A seguir, destacamos as principais alterações promovidas pela Casa revisora.

    No art. 1º, se busca melhorar a definição do escopo da legislação a ser aprovada estabelecendo, por exemplo, que a nova lei deverá ser aplicada a todo produto ou serviço de tecnologia da informação direcionado a crianças e a adolescentes no país ou de acesso provável por eles.

    No art. 2º, é expandida a lista de conceitos-chave utilizados no restante da lei, de forma positiva.

    No art. 3º, foi acrescido um parágrafo único direcionado aos pais e responsáveis, estabelecendo deveres de orientação, acompanhamento e, entre aspas, "cuidado ativo e contínuo, por meio da utilização de ferramentas de supervisão parental adequadas à idade e ao estágio de desenvolvimento da criança e do adolescente".

    O art. 4º relaciona os fundamentos para utilização de produtos ou serviços de tecnologia da informação por crianças e por adolescentes.

    Inclusive, algumas frases estão sendo deixadas de ser lidas, mas quero que, no relatório final, de fato, conste todo o texto, como já entregue para todos os Senadores e Senadoras.

    No art. 5º, foram refinadas as definições de deveres de prevenção, proteção, informação e segurança de fornecedores de produtos ou serviços de tecnologia da informação direcionados a crianças ou a adolescentes ou que possam ser utilizados por eles.

    Ao mesmo tempo, o art. 6º sofreu alterações pontuais que, em geral, ampliam o âmbito de proteção das medidas a serem adotadas pelos fornecedores, com produtos e serviços direcionados a crianças e a adolescentes ou de acesso provável por eles, quanto a conteúdos, produtos e práticas nocivas no ambiente digital.

    No art. 7º, o texto aprovado no Senado estabeleceu que os fornecedores deverão garantir o maior nível de privacidade e proteção de dados pessoais como configuração padrão dos produtos e serviços de tecnologia da informação, no caput, e proíbe, em seu parágrafo único, coletar, usar, compartilhar ou reter dados pessoais de crianças e adolescentes, de maneira a causar ou contribuir para violações à privacidade e a outros direitos protegidos. O texto da Câmara adicionou, entre os fundamentos da previsão do caput, a autonomia e o desenvolvimento progressivo do indivíduo. Além disso, ele propõe a inserção de um novo parágrafo para estabelecer que os produtos e serviços de tecnologia da informação deverão operar, por padrão, com o grau mais elevado de proteção de dados e privacidade, sendo obrigatórias as informações claras, para que crianças e adolescentes, pais e responsáveis exerçam o direito de escolha por controles menos restritivos. Também adicionou parágrafos novos.

    O art. 8º estabelece deveres aos fornecedores de produtos ou serviços de tecnologia da informação direcionados a crianças e a adolescentes ou de acesso provável por eles. Os comandos aprovados no Senado foram preservados, e a Câmara propôs ainda mais duas obrigações: desenvolver desde a concepção e adotar por padrão configurações que evitem o uso compulsivo de produtos ou serviços pelo público infantojuvenil e informar, extensivamente, todos os usuários sobre a faixa etária indicada para o produto ou serviço no momento do acesso, conforme estabelecido pela política de classificação indicativa.

    O art. 9º trata da vedação ao acesso de crianças e adolescentes a conteúdos e serviços impróprios, inadequados ou proibidos por lei. O texto aprovado pela Câmara inclui uma inovação importantíssima na parte que trata da implementação de mecanismos confiáveis de verificação de idade, ao vedar a autodeclaração.

    O art. 17 sofreu algumas modificações em relação ao texto aprovado no Senado, com acréscimo de comandos que têm o objetivo de fortalecer os mecanismos de supervisão parental que devem ser disponibilizados pelos fornecedores.

    O art. 21 impõe salvaguardas que devem ser observadas nas hipóteses de jogos eletrônicos que possibilitem a interação entre usuários por meio de mensagens de texto.

    O art. 24, que trata das redes sociais, teve sua redação revisada pela Câmara de forma mais protetiva, passando a prever que as contas não apenas de crianças, mas de adolescentes até 16 anos de idade deverão ser vinculadas à de um responsável. De acordo com o texto aprovado no Senado, essa obrigação existia apenas para contas de crianças (pessoas com até 12 anos incompletos).

    A redação do art. 26 aprovada no Senado vedava a "criação de perfis comportamentais de usuários crianças e adolescentes a partir da coleta e do tratamento de seus dados pessoais, inclusive aqueles obtidos nos processos de verificação de idade, bem como de dados grupais e coletivos, para fins de direcionamento de publicidade". O texto aprovado na Câmara veda apenas para fins de "publicidade comercial". São feitas ainda algumas supressões do texto sem prejuízo para a proteção a crianças e adolescentes.

    No art. 27, que trata da prevenção e combate a violências graves contra crianças e adolescentes no ambiente digital, o texto aprovado pela Câmara dos Deputados amplia positivamente a proteção em vários aspectos, estendendo o dever de comunicação de violações a todos os fornecedores disponíveis em território nacional e não mais apenas aos direcionados ou possivelmente utilizados por crianças e adolescentes. Além disso, qualquer conteúdo com mera aparência de violação aos direitos desse público passa a dever ser comunicado, retirando a necessidade do caráter contundente de violação, antes previsto pelo Senado. Por fim, o Senado limitava obrigação de comunicação a conteúdos de exploração e abuso sexual infantil, e a Câmara ampliou a previsão para incluir "conteúdos de aparente exploração, abuso sexual, sequestro e aliciamento detectados em seus produtos ou serviços, direta ou indiretamente". Ela também introduziu novo parágrafo, estabelecendo a possibilidade de ampliação do prazo de guarda de informações relacionadas às condutas ilícitas, o que é estabelecido pelo §2º do mesmo artigo.

    O art. 29 foi alterado a fim de especificar que a retirada do conteúdo deverá ser feita quando comunicada pela vítima, seus respectivos representantes, Ministério Público ou entidades representativas de defesa de crianças e adolescentes.

    O art. 34, de acordo com o texto aprovado pelo Senado, previa apenas a responsabilidade do Poder Executivo de estabelecer “diretrizes e orientações de boas práticas para a proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital, nos termos do regulamento”. O substitutivo remete a responsabilidade pela fiscalização do cumprimento da futura lei e regulamentação à autoridade administrativa autônoma de proteção dos direitos de crianças e adolescentes no ambiente digital, além de estabelecer limites à regulamentação, associados à garantia da liberdade de expressão e aos custos de observância regulatória.

    O art. 35 teve seu texto alterado a fim de prever que as sanções de advertência e multa sejam aplicadas pela autoridade administrativa autônoma de proteção dos direitos de crianças e de adolescentes, e as penalidades de suspensão temporária ou proibição do exercício de atividades, pelo Poder Judiciário. Na versão do Senado, apenas o Poder Judiciário poderia aplicar penalidades. Foram ainda incluídos os §§6º e 7º para prever que as penalidades de suspensão ou proibição de atividades, quando não cumpridas pelo infrator, serão implementadas mediante bloqueio na rede pelas empresas de telecomunicações, cabendo à Anatel encaminhar as ordens de bloqueio. Ainda que a atribuição de competência à Anatel possa ser interpretada como inconstitucional por vício de iniciativa, também é defensável interpretar que esse tipo de atribuição já se insere entre as competências gerais atribuídas à entidade, e o comando apenas detalha o exercício dessa competência.

    O art. 39 estabelece uma “modulação” das obrigações estabelecidas em diversos dos artigos da lei que se pretende aprovar em função do “grau de interferência do fornecedor do produto ou serviço sobre os conteúdos veiculados disponibilizados, o número de usuários e o porte do fornecedor”.

(Soa a campainha.)

    O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) – O art. 40 prevê a obrigatoriedade de os fornecedores afetados pela futura lei manterem representante legal no Brasil.

    Os seguintes artigos não constavam no texto aprovado pelo Senado e foram inseridos pela Câmara dos Deputados.

    Os arts. 10 a 15, de maneira muito interessante, são dedicados aos mecanismos de aferição de idade, sendo que o art. 13 incorpora alguns comandos que constavam do art. 9º do texto do Senado.

    O art. 23 veda “aos provedores de aplicações de internet a monetização e o impulsionamento de conteúdos que retratem crianças e adolescentes de forma erotizada ou sexualmente sugestiva ou em contexto próprio do universo sexual adulto”.

    O art. 30 regula o direito à contestação de retirada de conteúdo e prevê os seguintes direitos ao usuário responsável pela publicação do conteúdo sujeito à retirada: notificação da retirada; motivo e fundamentação da retirada, informando se a identificação do conteúdo removido decorreu de análise humana ou automatizada; possibilidade de recurso do usuário contra a medida; fácil acesso ao mecanismo de recurso; e definição de prazos procedimentais para apresentação de recurso e para resposta ao recurso.

    Os arts. 32 e 33 estabelecem as medidas que os provedores deverão adotar para coibir de maneira eficaz o uso abusivo dos instrumentos de denúncia e estabelecem penalidades que poderão ser aplicadas, como: suspensão temporária da conta, cancelamento da conta e comunicação às autoridades competentes.

    Registramos ainda que os seguintes dispositivos não foram modificados pela Câmara: arts. 16, 18, 19, 22, 25, 28, 31, 36, 37, 38 e 41.

    Descritas as inovações mais relevantes do substitutivo da Câmara dos Deputados em relação ao texto aprovado pelo Senado Federal, passamos a discorrer sobre os pontos que, a nosso ver, não devem contar com o referendo desta Casa Legislativa ou que demandam ajustes redacionais.

    O art. 9º do substitutivo da Câmara determina que os fornecedores de produtos e serviços de tecnologia da informação devem adotar medidas eficazes para impedir o acesso de crianças e adolescentes a conteúdos impróprios, inadequados ou proibidos para menores de 18 anos. O §2º do mesmo dispositivo busca definir o que deve entender por conteúdo impróprio ou inadequado para esse público. Nesse esforço, menciona material pornográfico ou cuja classificação indicativa considere não recomendado para a faixa etária correspondente. Ao vincular a classificação indicativa ao impedimento de acesso ao conteúdo, no entanto, o texto proposto pela Câmara dos Deputados se mostra incompatível com a natureza dessa política pública. Com efeito, após o julgamento da ADI 2.404 pelo STF, firmou-se o entendimento de que a classificação indicativa tem caráter informativo e pedagógico. Sua função principal, portanto, é a de informar a família sobre a natureza do conteúdo veiculado, para que possa ser feita a devida mediação parental, considerado o grau de desenvolvimento biopsicossocial da criança ou adolescente. Não se mostra instrumento apto, portanto, a impedir a veiculação ou acesso a conteúdos. Nesse sentido, propõe-se a supressão da expressão "bem como aqueles serviços classificados como não recomendados para a faixa etária correspondente, conforme classificação indicativa etária" constante do §2º do art. 9º do substitutivo da Câmara dos Deputados.

    O texto aprovado pelo Senado Federal – é importante destacar –, em seu art. 14, vedava o uso de caixas de recompensas (loot boxes) por crianças e adolescentes. Diversas pesquisas científicas demonstram a correlação estreita entre as caixinhas de recompensa e os jogos de azar. Por exemplo, estudos acadêmicos desenvolvidos por universidades descobriram que as loot boxes são estrutural e psicologicamente semelhantes a jogos de azar. Esse tipo de ferramenta, que possui elementos marcantes de jogo de azar, ativa mecanismos de recompensa do cérebro capazes de modificar as conexões cerebrais e levar a reações como medo e estresse diante da ausência da recompensa, assim como a necessidade de recompensas cada vez maiores para produzir algum nível de satisfação. São comportamentos que se assemelham a outras formas de adicção. Crianças e adolescentes cujo neurodesenvolvimento ainda não é completo são especialmente suscetíveis, e as consequências permanentes da exposição a esse tipo de estímulo ainda estão sendo estudadas.

    Não existem limites seguros para que crianças e adolescentes utilizem este tipo de ferramenta.

    O art. 20 do substitutivo da Câmara dos Deputados cria requisitos para a permissão das loot boxes no país. Porém, entendemos que as ressalvas criadas no referido dispositivo, embora louváveis, não são suficientes para justificar a legalização dessa prática, uma vez que não afastam o caráter de jogo de azar das caixinhas de recompensa.

    Com efeito, o elemento da aleatoriedade do sorteio da recompensa virtual, que pode ser uma coisa boa ou não para os objetivos do jogador infante, continua presente, mesmo com os requisitos criados. No caso da proibição das caixas de recompensa vazias, o elemento de azar continuará presente mesmo com tal vedação. Isso porque a loot box funciona da seguinte forma: a criança jogadora paga um valor monetário para participar de um sorteio virtual que poderá ter dois desfechos possíveis: ou ela é agraciada com um item fictício que lhe interessa no jogo ou pode receber um artefato inócuo, que em nada contribui para a sua performance no game, e, nesse último caso, o elemento de azar continuará presente, pois a criança se frustrará e terá incentivos para continuar gastando dinheiro até que sobrevenha o sorteio do item virtual desejado, que lhe ajudará a passar de fase ou a cumprir outros objetivos pretendidos dentro do jogo.

    No tocante ao requisito de se proibir que a criança revenda o item obtido por meio da loot box, embora também louvável, também entendemos que ele não soluciona a questão central, que está na raiz do problema, que corresponde ao fato de se permitir que o infante pague um valor monetário para participar de um sorteio virtual de desfecho incerto e que pode se revelar frustrante dentro de seus objetivos de jogo.

    Quanto à regra de divulgação de probabilidades do sorteio da caixa de recompensas, compreendemos que é muito difícil crianças e adolescentes terem maturidade suficiente para assimilar conceitos e informações relativos a probabilidades e estatísticas, sendo essa uma regra sem muita efetividade na realidade prática.

    Se a legislação vigente considera ilegais os jogos de azar voltados para adultos, com muito mais razão devemos proibir também os jogos de azar direcionados para os menores de idade, que são pessoas vulneráveis.

    Por todo o exposto, entendemos que é de suma importância rejeitar o art. 20 do substitutivo da Câmara e restabelecer as regras originalmente aprovadas aqui pelo Senado sobre jogos eletrônicos, contidas no art. 14 do texto encaminhado à Casa revisora, que vedavam integralmente as loot boxes, haja vista seus elementos caracterizadores de jogo de azar infanto-juvenil. Com isso, seguimos também exemplos de boas práticas internacionais adotadas por outros países que estão na vanguarda das medidas protetivas em meio digital para as crianças e adolescentes, como Japão e Bélgica.

    Adicionalmente, alguns ajustes redacionais se fazem necessários.

    O substitutivo da Câmara ostenta, em sua ementa, a denominação de Estatuto da Criança e do Adolescente Digital (ECA Digital). Ao tempo em que saudamos a proposta, por refletir adequadamente o espírito e a ambição da norma proposta, não podemos deixar de apontar possível ambiguidade em função da ordem em que os termos estão colocados. Dessa forma, propomos ajustar a redação da ementa para fazer referência ao Estatuto Digital da Criança e do Adolescente. Adicionalmente, propõe-se a exclusão da referência ao ECA Digital por não haver consenso quanto ao uso do acrônimo para a Lei 8.069.

    O art. 24 do substitutivo da Câmara, por sua vez, estabelece que o acesso de crianças e adolescentes menores de 16 anos a serviços e produtos de TI somente pode ser feito mediante vinculação de suas contas ou perfis ao de um dos pais ou responsável legal. Para compreender a hipótese em que os pais ou responsáveis não possuam conta ou perfil em determinado produto ou serviço, o §5º do dispositivo esclarece que, na impossibilidade de cumprimento dessa exigência, os provedores deverão atribuir a essas contas as configurações mais protetivas de supervisão parental e vedar a possibilidade de sua alteração. No entanto, a redação conferida ao dispositivo, ao mencionar de forma genérica a impossibilidade de cumprimento, gera ambiguidades interpretativas, podendo diminuir a efetividade da norma. Dessa forma, entendemos adequado um ajuste redacional para restringir o escopo do dispositivo à hipótese de ausência de conta ou perfil de um dos pais ou responsável legal, em linha com as demais previsões do mesmo dispositivo.

    O art. 27 do substitutivo da Câmara dos Deputados trata da comunicação de conteúdos de aparente exploração, abuso sexual, sequestro e aliciamento detectados em produtos e serviços de tecnologia da informação disponíveis no território nacional. De acordo com o que estabelece o dispositivo, o fornecedor, sempre que identificar esse tipo de conteúdo no âmbito de seus serviços, deverá fazer a devida comunicação para as autoridades nacionais e internacionais competentes, na forma do regulamento. Essa comunicação tem o objetivo de permitir a investigação do crime subjacente.

    O dispositivo, no entanto, não trata da remoção desse conteúdo da plataforma. Cuida-se aqui de evidente omissão redacional, pois não se pode admitir que conteúdos de tamanha gravidade possam permanecer disponíveis publicamente mesmo após sua identificação e notificação às autoridades competentes. O dever de remoção deve ser entendido como implícito nesses casos. Com efeito, as hipóteses mencionadas no art. 27 são muito mais graves do que aquelas previstas no art. 29, que demandam remoção. Seria, portanto, contraditório não exigir sua retirada nos casos do art. 27.

    Cabe ainda acrescentar que, consoante a tese fixada pelo STF quanto à responsabilidade dos provedores de aplicações de internet, no julgamento dos Recursos Extraordinários 1.037.396 e 1.057.258, compreende-se no escopo do dever de cuidado das plataformas digitais a remoção de conteúdos que configurem crimes sexuais contra pessoas vulneráveis, pornografia infantil e crimes graves contra crianças e adolescentes, nos termos dos arts. 217-A, 218, 218-A, 218-B, 218-C do Código Penal e dos arts. 240, 241-A, 241- C, 241-D do Estatuto da Criança e do Adolescente.

    Paralelamente, identifica-se outra omissão redacional no §1º do mesmo dispositivo. Ao tempo em que o caput faz referência a conteúdos de "aparente exploração, de abuso sexual, de sequestro e de aliciamento", o §1º menciona tão somente conteúdos de exploração e abuso sexual. Assim, com o objetivo de manter coerência entre os dispositivos, propõe-se incorporar ao §1º a relação completa das condutas descritas no caput.

    Cumpre registrar ainda um erro de remissão no caput do art. 30 do substitutivo da Câmara, pois ele trata do direito à contestação de retirada de conteúdo, ação que é regulada pelo art. 29 do texto aprovado na Câmara, e não pelo art. 27.

    Já indo para as conclusões, Sr. Presidente, a importância de aprovarmos esta proposição é refletida no amplo consenso que encontramos nas duas Casas do Congresso Nacional: unanimidade na aprovação aqui no Senado e unanimidade na aprovação do substitutivo na Câmara dos Deputados. Temos diante de nós um conjunto de regras robusto, capaz de garantir às crianças e aos adolescentes que acessam ambientes virtuais os mesmos direitos e proteções existentes no mundo real. Vivemos uma situação insustentável, com denúncias diárias de abusos e violências, enquanto esbarramos em inúmeros obstáculos para proteger esse público. A aprovação, caros Senadores e Senadoras, desta lei é questão de máxima urgência.

    O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que é um dever de toda a sociedade, da família, do poder público e da comunidade assegurar, com absoluta prioridade, a proteção integral a crianças e adolescentes. É esse o espírito que norteou a elaboração desta proposição, sem descuidar das necessárias garantias de respeito à liberdade de expressão e de vedação à censura, e que esperamos aprovar com celeridade.

    O voto, caros Senadores e Senadoras, pelas razões expostas, é pela aprovação do substitutivo da Câmara ao Projeto de Lei n° 2.628, de 2022, com exceção das seguintes ressalvas:

    a. supressão da expressão “bem como aqueles serviços classificados como não recomendados para a faixa etária correspondente, conforme classificação indicativa etária,” constante do §2º do art. 9º do substitutivo da Câmara dos Deputados; e

    b. rejeição do art. 20 do substitutivo da Câmara dos Deputados, restabelecendo-se a redação do art. 14 do texto aprovado pelo Senado ao Projeto de Lei nº 2.628, de 2022.

    E com os seguintes ajustes redacionais:

    a. conferir à ementa do substitutivo da Câmara dos Deputados a seguinte redação: "Dispõe sobre a proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais (Estatuto Digital da Criança e do Adolescente)".

    b. conferir ao §5º do art. 24 do substitutivo da Câmara dos Deputados a seguinte redação:

"Art. 24. .............................................................

.........................................................................

§5º Na ausência de usuário ou conta dos responsáveis legais, os provedores deverão vedar a possibilidade de alteração das configurações de supervisão parental da conta para um nível menor de proteção em relação ao padrão estabelecido nos arts. 3º e 7º desta Lei".

    c. conferir ao caput e ao §1º do art. 27 do substitutivo da Câmara dos Deputados a seguinte redação:

“Art. 27. Os fornecedores de produtos ou serviços de tecnologia da informação disponíveis no território nacional deverão remover e comunicar os conteúdos de aparente exploração, de abuso sexual, de sequestro e de aliciamento detectados em seus produtos ou serviços, direta ou indiretamente, às autoridades nacionais e internacionais competentes.

§1º Os relatórios de notificação de conteúdos de exploração, de abuso sexual, de sequestro e de aliciamento de crianças e adolescentes deverão ser enviados à autoridade competente, observados os requisitos e os prazos estabelecidos em regulamento. .............................................................................................”

    d. substituir, no caput do art. 30 do substitutivo da Câmara dos Deputados, a referência ao art. 27 por remissão ao art. 29.

    Esse é o relatório, a análise, o voto, Sr. Presidente.

    Eu quero, novamente, caro Presidente Davi Alcolumbre, que tem prestado todo apoio, agradecer a V. Exa. por todo o apoio dado à tramitação desse projeto de lei tão importante para a sociedade brasileira; enaltecer sobremaneira o Senador Alessandro, que é o autor desse projeto de lei, fruto de muito debate no Senado Federal, passando em três Comissões – CDH, CCJ e CCDD, a Comissão de Comunicação –; agradecer aos Srs. Senadores e Senadoras, porque aprovamos tudo isso no Senado Federal antes das denúncias trazidas para o Brasil pelo Felca, um projeto de lei robusto nesse sentido, enviado à Câmara dos Deputados.

    Quero novamente parabenizar a Câmara dos Deputados pelo belo trabalho realizado, particularmente pelo Relator da matéria, o Deputado Jadyel Alencar, a sua assessoria, os Deputados e Deputadas. Agora voltou ao Senado, e estamos dizendo que a Câmara dos Deputados aprimorou em muito o projeto aprovado pelo Senado Federal.

    Há pequenas observações feitas. A principal delas é em relação à proibição das loot boxes, a indução provável de crianças e adolescentes ao jogo. Esse é um cuidado que tem que ser tomado por todos nós, porque nós vemos aí os estragos que estão acontecendo na sociedade em relação aos adultos. Então as loot boxes, na verdade, induzem também a criança a pensar no jogo, e é o que a gente não deseja.

    Então, controle parental, controle de conteúdos, verificação de idade são avanços muito importantes trazidos pela Câmara dos Deputados.

    E cabe a nós agora ratificar aquele texto com essas pequenas observações que foram trazidas aqui ao Senado.

    Agradeço novamente, porque isso é um trabalho de todos nós. Aprovamos em conjunto, lá aprovaram em conjunto, e é uma demanda para hoje da sociedade brasileira.

    Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/08/2025 - Página 42